O estudo de Garcia focou justamente os choques da reestruturação patrimonial e produtiva do setor siderúrgico sobre a relação de emprego, a prática sindical e as condições de vida dos trabalhadores. O processo de privatização, inaugurado no governo do presidente Fernando Collor de Mello, ocorreu entre 1990 e 1993 e atingiu oito empresas, entre elas Cosipa, CSN e Usiminas. Antes, algumas outras usinas menores, que não se constituíam em “jóias da cora”, já haviam sido transferidas para a iniciativa privada. O segmento não foi escolhido por acaso para deflagrar o PND, conforme o economista. “Além de enfrentar poucos problemas jurídicos, o setor apresentava-se como o mais avançado do parque industrial estatal. Portanto, vendê-lo não seria difícil. Isso, na visão do governo, daria um impulso importante ao projeto liberalizante”, afirma o autor da pesquisa.
A partir da privatização,
prossegue Garcia, ocorre uma reconfiguração
das relações de poder,
entre capital e trabalho, no setor siderúrgico.
Fica estabelecido, nas palavras do economista,
um novo padrão de gestão
da mão-de-obra, de caráter
“rígido e despótico”.
É nesse cenário que passam
a ocorrer, de acordo com ele, a supressão
de benefícios dos trabalhadores,
a precarização do trabalho
e as demissões, que repercutirão
na atuação dos sindicatos.
Estes, por sua vez, passarão
a ter menos representação
e menor margem de manobra para negociar
com os empresários. “Se
antes a luta dos sindicatos estava focada
nos salários, com a privatização
e suas conseqüências o objetivo
passou a ser a preservação
do emprego”, explica o pesquisador.
Em sua investigação, Garcia concluiu que a inovação tecnológica teve pequena influência sobre a redução maciça dos postos de trabalho. O que aconteceu, diz, foram demissões com o intuito de diminuir drasticamente os custos do trabalho. Assim, o contingente de 134 mil pessoas contratadas em 1989 foi enxugado para 50 mil em 2000 queda de 60%. Além disso, os salários também sofreram uma forte retração. As pessoas com ocupações ligadas diretamente à produção foram as mais afetadas. Em 1994, os trabalhadores que recebiam até cinco salários mínimos representavam apenas 4,46% do conjunto do pessoal. Seis anos depois, aumentaram a sua participação para 20,42%. Já o grupo dos que ganhavam entre cinco e dez salários mínimos também cresceu de proporção entre os períodos confrontados, passando de 36,76% para 47,49% do quadro geral.
Junto com isso, reforça Garcia, vários benefícios foram cortados, o que fez com que os direitos dos trabalhadores ficassem resumidos praticamente ao que está consignado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Adicionalmente, os metalúrgicos também foram fortemente afetados, segundo o pesquisador, pela piora das condições de trabalho. Em virtude das demissões em massa, uma das cinco turmas que se revezam em quatro turnos ininterruptos de trabalho foi eliminada. Ou seja, as jornadas cresceram em 20%, o mesmo ocorrendo com o número de horas-extras, mas em patamares variados. “Isso sem falar do acúmulo de funções, dado que um número menor de pessoas passou a executar as tarefas dos que foram demitidos”.
Nesse aspecto, o economista
faz um parêntese. Segundo ele,
não se aplica às siderúrgicas
o argumento de que teriam sido estatais
inchadas e que as demissões somente
teriam promovido o equilíbrio
entre mão-de-obra e produtividade.
“Nas checagens que fiz, constatei
que o volume de demissões no
setor siderúrgico ficou num patamar
muito próximo do verificado em
outros segmentos, estes já comandados
pela iniciativa privada”, destaca.
Paradoxalmente, as empresas privatizadas
de fato alcançaram um índice
de produtividade maior em meio a todas
essas transformações,
como havia sido preconizado pelos defensores
do processo.
Ocorre, porém, que essa condição só foi atingida justamente por conta da drástica redução de pessoal, defende Garcia, que foi orientado pelo professor Cláudio Salvadori Dedecca. Para aferir a produtividade no setor, esclarece o autor do trabalho, usa-se uma equação que considera a quantidade de aço produzida por empregado no período de um ano. “Ou seja, se o número de trabalhadores foi violentamente achatado, é natural que o índice de produtividade sofra um ganho significativo em virtude dessa relação”, explica. A conjugação de todos esses fatores, assinala o economista, acabou por enfraquecer a representação sindical.
O nível de sindicalização, por exemplo, caiu bruscamente por causa das demissões. O clima de insegurança no interior das usinas, segundo o autor da tese, também afastou os trabalhadores dos sindicatos, já que os operários temiam possíveis represálias caso participassem de assembléias. “As próprias chefias se encarregavam de promover ameaças”, garante Garcia. Outro fator que contribuiu para o enfraquecimento da atividade sindical foi a grande rotatividade da mão-de-obra. Em 1999, por exemplo, 40% dos trabalhadores tinham menos de dez anos nas empresas. “Por serem jovens e estarem há pouco tempo nas usinas, esses metalúrgicos poderiam ser mais facilmente moldados à cultura das companhias”, imagina. Os sindicatos, completa, também ficaram enfraquecidos no interior das fábricas, visto que a ausência de participação dos trabalhadores “quebrou a correia de transmissão entre a vida sindical e a empresa”.
Ademais, acrescenta o pesquisador, a rotatividade da mão-de-obra favoreceu a postura individualista em detrimento da ação coletiva, uma vez que criou dois tipos de funcionários: os mais antigos, com melhores salários e alguns poucos benefícios adicionais, e os novos, que não tinham esse status. “Os empregados novos passaram a ver os antigos como privilegiados, o que contribuiu para fragmentar o interesse por uma maior organização da categoria”. Sob todos esses aspectos, conclui Garcia, a privatização do setor siderúrgico foi nefasta para a vida dos trabalhadores do setor, que até hoje sofrem as conseqüências desse processo.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), entidade que congrega as empresas produtoras de aço do país, o setor é composto por 26 usinas e ocupa a oitava posição no ranking mundial. Sua capacidade de produção é de cerca de 32 milhões de toneladas de aço bruto. Conforme o IBS, a privatização ocorreu porque “as empresas caminhavam para uma preocupante defasagem tecnológica e para uma situação financeira insustentável”. Nos últimos dez anos, informa a entidade, a siderurgia teria superado a crise “com competência gerencial, flexibilidade operacional e investimentos da ordem de US$ 10 bilhões, voltados essencialmente para a modernização”.