A arte generosa
LUIZ SUGIMOTO
sugimoto@reitoria.unicamp.br
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Beto
Shwafaty confere a produção
da ‘cozinha’ do Departamento
de Artes Plásticas; obras
de Tuneu (abaixo), Lygia Eluf (abaixo)
e Paula Almozara (abaixo) |
A
gravura do Ocidente possui uma história
que vem do século 15, relacionada
com a imagem impressa e a reprodução
desta imagem. A partir de uma matriz
gravada por meio de um conjunto de procedimentos
xilogravura, gravura de encavo,
gravura planográfica é
possível copiar a imagem inúmeras
vezes, exatamente da mesma maneira.
Ao longo desses 500 anos, a gravura
permitiu ampla difusão do conhecimento
científico, cultural, histórico
e religioso, ganhando, por isso, o status
de “a arte generosa”.
“Gosto de lembrar que a gravura
teve papel importante na construção
do conhecimento da nossa civilização,
pois fez com que a informação
visual começasse a circular pelo
mundo”, afirma a professora Lygia
Arcuri Eluf, do Instituto de Artes (IA)
da Unicamp.
Lygia Eluf coordena o Centro de Pesquisas em Gravura (CPGravura), iniciativa de um grupo de formandos que ela própria ajudou a viabilizar, em 1997, com o objetivo de fomentar a produção, pesquisa e divulgação da criação artística brasileira centrada na gravura. O CPGravura montou a sua “cozinha” expressão adotada pelos habitués no térreo do Departamento de Artes Plásticas. Não se sabe de outra instituição que mantenha um ateliê tão peculiar, onde professores, graduandos, pós-graduandos, ex-alunos, artistas convidados e aprendizes de fora da universidade podem fazer alquimias a partir de madeira, pedra e metal, em meio a prensas e labaredas para aquecer o breu e o verniz.
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“São
processos artesanais que exigem do artista
o conhecimento da técnica para
expressar sua arte. Cada procedimento
leva a um registro gráfico específico.
O artista-gravador escolhe o procedimento
de acordo com o resultado que pretende”,
explica a professora da IA. A história
da gravura (que resumimos em matéria
nesta página) corre em paralelo
com a história da imprensa e
a evolução dos processos
gráficos. “Quando a matriz
de madeira deixou de suportar as crescentes
tiragens, a xilogravura caiu no esquecimento
e recorreu-se a uma nova técnica,
a litografia com suas matrizes em metal,
e assim por diante. Mas sempre surge
alguém para recolocar essas técnicas
no ar, elevadas à condição
de arte”, afirma Marcio Périgo,
professor do IA e colaborador do Centro.
Nos tempos atuais, em que as imagens são difundidas virtualmente, a questão da reprodução tornou-se secundária e a gravura ficou restrita a uma forma de expressão artística. Lygia Eluf, no entanto, vê um bom motivo para manter a técnica viva. “O mundo está infestado de imagens e ‘infestado’ um termo bem adequado. A imagem que aparece na tevê e no computador é aceita sem qualquer questionamento. O sonho vem pronto. Aqui no ateliê e nas oficinas que oferecemos em escolas públicas, mostramos a importância anterior da gravura, o esforço de criação, esperando contribuir para uma visão crítica diante da banalização da imagem”, observa.
Três tipos Em termos de conteúdo, a coordenadora do GPGravura lembra a ocorrência simultânea de três tipos de gravura na história da arte: de reprodução, de interpretação e de criação. “A gravura que reproduz a informação está presente nos rótulos, mapas, em cartas de baralho. As antigas imagens de santos, difundidas por toda a civilização cristã, são exemplos de interpretação do artista, inserindo-se neste grupo as gravuras de ilustração, como as encontradas em tratados de biologia. Na gravura de criação, autônoma, o artista faz uso dos procedimentos que preferir. Sempre existiu aquele que produz gravuras por prazer”, enumera a pesquisadora.
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Da
esquerda para a direita, Tuneu,
Amir Brito, Inaiá Barros,
Paula Almozara, André Tavares,
Saul Carvalho, Marcio Périgo,
Danilo Perillo, Roberto Shwafaty
e Lygia Eluf: mostrando o esforço
de criação da imagem,
que vemos pronta na tevê |
O professor Antonio
Carlos Rodrigues, ou Tuneu (como assina
suas pinturas), lembra que o Brasil
apresenta uma vasta produção
de gravuras desde o período da
arte moderna e inúmeros artistas
são premiados internacionalmente.
“A pintura se encontra em instância
diferente, com outras relações
de espaço, cor e desenho. A gravura
é mais sintética e, por
vezes, pede recursos de sombra e luz
inusitados e brilhantes. Na pintura
vamos mais imediatamente ao resultado;
na gravura, o procedimento é
lento, uma receita de cozinha: é
preciso entender as técnicas,
imprimir uma prova, retrabalhar a imagem,
reimprimi-la, até chegar ao resultado”,
ilustra Tuneu.
Quixote Um álbum intitulado Doze, reunindo trabalhos de conclusão de curso em gravura dos formandos de 1996, ajudou a fundamentar o pedido de financiamento à Fapesp para a compra de equipamentos do CPGravura. Nesses sete anos, o ateliê vem funcionando sem orçamento oficial, contando com esforços pessoais para que as coisas aconteçam. “A criação do Centro foi algo quixotesco, responsabilidade minha e de Paula Almozara, hoje doutoranda. Depois vieram os professores Marcio Périgo, Luise Weiss, Tuneu. O material é bancado pelos projetos que executamos. Por exemplo, se conseguimos verba do Faep para realizar oficinas em escolas públicas durante as férias, reservamos o pouco que sobra para a manutenção do ateliê”, diz Lygia Eluf.
O CPGravura, hoje, atende às disciplinas de graduação e pós-graduação em artes plásticas, além de disponibilizar suas instalações para o desenvolvimento de projetos artísticos de alunos, ex-alunos e artistas convidados. Nos primeiros dois anos, o Centro produziu diversas pesquisas individuais e projetos de iniciação científica, além de implantar programas coletivos especiais, oficinas e cursos de especialização em procedimentos gráficos, palestras e exposições.
Também integram o CPGravura o ex-aluno Danilo Perillo, agora contratado como “funionário-artista” para cuidar das instalações físicas; os mestrandos Roberto Shwafaty, Inaiá Barros, Amir Brito e Marcelo Moscheta; o doutorando André Tavares; o graduando Saul Carvalho. Um projeto voltado para as escolas da periferia, denominado “Gravura na Kombi” ateliê móvel montado em veículo emprestado pelo IA , é tocado pelos alunos AnaPaula Souza Zanotti, Filipe Masiero, José Roberto da Silva, Tetêmbula Dandara e Letícia Lopes. Toda esta equipe ainda oferece cursos e oficinas para grupos comunitários como de idosos, e viabilizam a revista semestral Cadernos de Gravura, que é on line. “É um contra-senso trabalhar com imagens e não conseguir imprimir a própria revista, mas não há verba. Pode ser uma opção pobre de divulgação, que acabou aglutinando artistas do Brasil inteiro”, justifica Lygia Eluf.
Breve
história da gravura
A xilogravura é a forma de gravura mais antiga que se conhece, genericamente denominada de gravura em relevo. A matriz de madeira (mogno, pereira, nogueira) é entalhada de forma que a imagem fique em alto relevo. A impressão pode ser manual, friccionando-se uma colher de madeira sobre o papel, e também com prelo ou prensa vertical. A impressão sobre tecido já era conhecida antes do século 14, mas foi com o aparecimento do livro impresso que a xilogravura se desenvolveu no Ocidente, contribuindo para a difusão do conhecimento.
Na gravura de encavo, feita em metal, a imagem é gravada dentro da matriz e a tinta penetra nas ranhuras, transferindo a imagem para o papel. Sua origem está ligada à ourivesaria, obra de entalhe para ornamentação. A evolução dos processos gráficos levou à adoção das matrizes de metal para impressão, devido à alta qualidade das imagens e resistência a grandes tiragens. A impressão baseia-se na retirada da tinta que se encontra nos sulcos gravados, o que exige considerável pressão mecânica e, portanto, equipamento adequado que difere do tipográfico ou da impressão manual da xilogravura.
A gravura planográfica não recorre gravações, mas ao isolamento de áreas da matriz, e tem sob a mesma denominação a litografia e a serigrafia. O fundamento do processo litográfico é simples: rejeição da água pela gordura e vice-versa. Diz-se litografia, e não litogravura, justamente porque a pedra matriz não é gravada e, sim, sensibilizada para receber a tinta. A serigrafia, por sua vez, remonta a vários séculos de uso por chineses e japoneses, basicamente na pintura têxtil. As primeiras aplicações gráficas foram americanas, no início do século 20. Seu princípio técnico básico é a utilização de tela de seda como matriz, estendida sobre um bastidor de madeira, mas o desenvolvimento de novos materiais sintéticos, como o nylon, trouxe grande salto de qualidade gráfica.
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