Brito sucederá na Fapesp a José Fernando Perez, que já anunciara sua saída em agosto último. Entretanto, Brito assumirá suas novas funções somente depois de concluída a eleição do novo reitor da Unicamp, para um mandato de quatro anos.
O governador optou pelo nome do reitor da Unicamp depois de analisar lista tríplice encaminhada pelo Conselho Superior da Fapesp. A lista continha ainda os nomes dos professores Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo, e Hernan Chaimovich Guralnik, diretor do Instituto de Química da mesma universidade. No mesmo despacho, Alckmin nomeou o vice-presidente e o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da fundação, respectivamente os professores Marcos Macari, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Ricardo Renzo Brentani, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A indicação do nome do reitor Brito Cruz para a diretoria científica da Fapesp já vinha sendo discutida desde setembro passado, tanto na Unicamp quanto no meio científico do Estado. A reunião do Consu de 28 de setembro foi decisiva nesse sentido: nela, vários conselheiros destacaram a importância da apresentação de Brito para essa posição, considerada chave no sistema de ciência e tecnologia do Estado. Foi também ressaltado o fato de que, caso Brito viesse a ser escolhido pelo governador - como de fato aconteceu - , esta seria a primeira vez que um professor da Unicamp ocuparia o cargo.
Na Fapesp, Brito vai contar em 2005 com um orçamento de R$ 487 milhões para apoiar projetos de pesquisa e promover o desenvolvimento científico e tecnológico no Estado. Cabe ao diretor científico decidir sobre a destinação desses recursos. Nesta entrevista, Brito explica as motivações que o levaram a disputar a direção científica da Fapesp, os desafios que tem pela frente e a realização do processo sucessório na Unicamp.
Jornal da Unicamp - Com a escolha de seu nome pelo governador, pela primeira vez um professor da Unicamp ocupa a diretoria científica da Fapesp. Qual o significado disso?
Brito Cruz - O Estado de São Paulo tem feito, historicamente, esforços e investimentos importantes para ampliar sua base de ensino superior e de pesquisa. Começou a fazer isso em 1934, ao criar a Universidade de São Paulo; deu um novo e fundamental passo em 1947, quando fixou na Constituinte as condições para a criação da Fapesp; alargou esse passo em 1962, ao criar efetivamente a fundação; consolidou-o em 1966 com a implantação do projeto da Unicamp e, em 1976, com a criação da Unesp. Tudo isso demonstra uma trajetória histórica do Estado em busca da ampliação, diversificação e também da regionalização sua base de ciência e tecnologia. O fato de um professor da Unicamp ocupar pela primeira vez a diretoria científica da Fapesp tem a ver de alguma maneira com essa história, com essa seqüência de realizações. Neste sentido eu penso que minha indicação reflete, mais que outra coisa, o fato de que a atividade científica no Estado está progressivamente sendo desconcentrada.
Jornal da Unicamp - As manifestações do Conselho Universitário de 28 de setembro pesaram em sua decisão de aceitar o posto?
Brito Cruz - Com certeza pesaram não só em minha decisão de aceitar mas também, antes disso, de me apresentar para o posto. Só me apresentei como candidato à diretoria científica da Fapesp depois de ouvir atentamente as considerações feitas por muitos conselheiros naquela reunião. Essas considerações foram todas num sentido que é muito consistente com a trajetória da Unicamp e com um dos valores que a comunidade da Unicamp preza muito, que é o valor da qualificação, da objetividade. Os conselheiros ponderaram que seria positivo para o sistema de C&T do Estado que eu me apresentasse para a posição de diretor científico. Também consideraram que isto seria interessante para a Unicamp, não no sentido menor de a Unicamp marcar presença ali, mas no sentido amplo e que é o de criar-se a oportunidade para um certo tipo de pensamento sobre ciência, tecnologia, pesquisa e ensino superior. Devo dizer que fiquei muito satisfeito com aquelas ponderações porque também consideraram a administração que estamos fazendo como muito positiva para a Unicamp. Foi depois de levá-las em conta que eu decidi me apresentar como candidato.
Jornal da Unicamp - O senhor vai tomar posse na Fapesp somente depois de concluído o processo sucessório na Unicamp. Por quê?
Brito Cruz - O Consu, ao mesmo tempo que me estimulou a apresentar meu nome para o processo de seleção do diretor científico da Fapesp, também recomendou explicitamente, em nome da tranqüilidade e da continuidade da vida institucional, que eu deveria presidir o processo de escolha de meu sucessor na Reitoria da Unicamp. Esta preocupação do Conselho é completamente ressonante com o projeto que vimos implantando na Unicamp. É o que estamos fazendo agora, já a partir da reunião do Consu que neste 23 de novembro fixou o calendário eleitoral interno.
Jornal da Unicamp - Hoje a Unicamp ocupa posições importantes em vários estamentos do poder público, seja nacional, estadual ou regional. Há uma maneira de pensar própria da Unicamp na execução de políticas públicas?
Brito Cruz - De fato a Unicamp tem uma tradição de uma certa originalidade, de agilidade, de buscar novas oportunidades onde quer que elas se encontrem. Essa tradição acaba refletida nos membros da comunidade da Unicamp que ocupam posições executivas. É com justificado orgulho institucional que se vê professores nossos ocupando posições importantes e dando contribuição relevante para o desenvolvimento econômico e para o desenvolvimento social do Brasil. Entretanto devemos reconhecer que, se existe essa cultura na Unicamp, outras instituições também têm a sua cultura própria, não cabendo afirmar que uma é melhor ou pior que outra. Na verdade, no caso, é o bom funcionamento do sistema de C&T que importa, não se ele se move a partir de uma idéia da Unicamp, da USP, da Unesp ou dos institutos de pesquisa. O assunto na Fapesp não é tanto levar idéias da Unicamp ou da tradição da Unicamp, mas defender ali idéias que contribuam para desenvolver o sistema em São Paulo e no País.
Jornal da Unicamp - Como se dará esse desenvolvimento em sua gestão à frente da diretoria científica da Fapesp?
Brito Cruz - Um sistema de C&T como o que temos em São Paulo assenta-se em três pilares fundamentais. O primeiro é a formação de recursos humanos nos níveis mais elevados da atividade científica, ou seja, na pós-graduação. Isto porque sem pessoas qualificadas não há como exercer ou desenvolver atividades de pesquisa em lugar nenhum. O segundo pilar é a pesquisa acadêmica, essencial porque é ela que faz avançar o conhecimento humano em todas as áreas sem a restrição de estar dirigida a uma aplicação determinada. Seria até tedioso listar aqui todos os exemplos de avanços do conhecimento que tiveram impacto em nossa vida e que nasceram da pesquisa acadêmica. Ela é essencial também porque é através dela que se consegue formar os recursos humanos que compõem o primeiro pilar. Por fim, o terceiro pilar é aquela pesquisa que é feita no ambiente empresarial e dirigida aos interesses empresariais. Esses três pilares são os que compõem o sistema de C&T. A missão da Fapesp se relaciona primordial e tradicionalmente com os dois primeiros pilares, mas tem pontos de contacto também com o terceiro, como se tem visto em anos recentes. Minha gestão pretende enfatizar e articular estes três pilares.
Jornal da Unicamp - O terceiro pilar, isto é, a pesquisa empresarial, também está no horizonte da Fapesp?
Brito Cruz - A Fapesp é uma organização que tem como missão apoiar principalmente os dois primeiros pilares, tanto por razões relativas a sua criação e a seus objetivos institucionais, quanto pelo fato de que é na formação de recursos humanos e na pesquisa acadêmica que se justifica de maneira enfática e até determinante o investimento direto do Estado. Estamos falando de atividades cujo resultado não pode ser apropriado, em geral, privadamente, de modo que se o Estado não investir nelas tampouco o setor privado o fará. Cabe portanto ao Estado financiar essas atividades. Quando a gente fala do terceiro pilar, que é a pesquisa empresarial, estamos falando de um tipo de pesquisa cujos resultados são por definição apropriáveis por um beneficiário privado. Cabe naturalmente a este fazer a maior parte do investimento necessário para essa pesquisa. Não quer dizer que o Estado não tenha papel nenhum nisso. É também papel do Estado criar um ambiente que estimule a empresa a fazer pesquisa, gerar inovação e se tornar mais competitiva. Além disso, cabe ao estado o papel de financiar a formação de recursos humanos e o avanço do conhecimento que alimentam a pesquisa empresarial e, em algumas situações especiais, estimular diretamente a pesquisa empresarial mas nunca de maneira majoritária nem de maneira substitutiva. A Fapesp pode fazer isso em certa medida, estimulando por exemplo empresas fortemente baseadas em P&D, as quais freqüentemente se originam do ambiente acadêmico.
Jornal da Unicamp - Partindo desta visão qual será sua estratégia de trabalho?
Brito Cruz - A estratégia geral é baseada numa prática que tem assegurado o desenvolvimento e a vitalidade da Fapesp ao longo de décadas: a idéia de comunicação permanente, cada vez mais intensa, com a comunidade científica do Estado e do País. E isto por uma razão muito objetiva: ciência é uma atividade que não se sujeita a um planejamento muito detalhado, porque ela é dinâmica e cheia de oportunidades novas a cada momento. Em geral quem mais sabe para onde vai a ciência são os cientistas. Então é preciso conversar constantemente com eles. Eis um princípio do qual não pretendo me afastar: manter uma comunicação constante com a comunidade científica e saber usá-la para identificar as oportunidades através das quais se possa fazer mais e melhor ciência em São Paulo.