Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 274 - de 24 de novembro a 5 de dezembro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Diário da Cátedra
Brito na Fapesp
Luz no risco de novo apagão
Pancada na classe média
Democracia brasileira
Prêmio: cooperação científica
Formatura: 7 espetáculos
Produção de insulina
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
Contaminação da água
Pecados da carne
 

5

Logo no primeiro ano de Lula, pesquisador aponta rebaixamento
potencial de 3,3 milhões de pessoas deste segmento

A grande pancada na classe média



LUIZ SUGIMOTO


Em entrevista ao Jornal da Unicamp em maio deste ano, o professor Waldir Quadros, do Instituto de Economia, alertava que a classe média brasileira estava com raiva O professor Waldir Quadros: "Os dados atuais mostram a crise irradiada para todas as áreas urbanas" (Foto: Antoninho Perri)e desiludida com o governo Lula, e que as forças capazes de canalizar tal insatisfação teriam uma grande aliada em prol de seus interesses. “As eleições municipais de outubro já devem ter um caráter plebiscitário”, adiantou. Recém-aposentado, o professor ganhara mais tempo, enfim, para analisar criteriosamente o banco de dados que armazenou por vinte anos, oferecendo números e cifras sobre um empobrecimento que a classe média sente na pele, mas nunca dimensionada pelos analistas.

Waldir Quadros já tinha os dados de 2003 da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que o IBGE apresenta sempre no mês de outubro, mas evitou “misturar as coisas” e adiou para depois das eleições a divulgação de sua avaliação, ciente de que os resultados alimentariam julgamentos sobre o primeiro ano do governo Lula. “Quando vi o tamanho da pancada sobre a classe média, fiquei preocupado e pedi ao Gori [Alexandre Gori Maia, estatístico] que rodasse todos os dados novamente, desde 1981”, afirma. Conferidos, os números vêm ganhando destaque nacional pela mídia nos últimos dias: mais de 2,5 milhões de pessoas da classe média foram rebaixadas socialmente apenas no ano passado, sem condições de manter o mesmo padrão de vida. Em 2002, 57 milhões de brasileiros pertenciam a famílias com renda média superior a R$ 1.000, equivalentes a 33,21% da população; caso esta proporção se mantivesse em 2003, eles somariam 57,7 milhões. Como houve uma retração para 31,29% eles caíram para 54,4 milhões, numa população total de 174 milhões.

Política econômica afeta crescimento

Em sua metodologia, o pesquisador da Unicamp divide a classe média em três níveis de renda: alta classe média (renda familiar acima de R$ 5.000), média classe média (de R$ 2.500 a R$ 5.000) e baixa classe média (de R$ 1.000 a R$ 2.500); abaixo estão a massa trabalhadora (renda familiar de R$ 500 a R$ 1.000), os pobres (menos de R$ 500) e os indigentes. O estudo mostra como esses contingentes rolaram escada social abaixo: 1 milhão de pessoas caíram da alta classe média, 850 mil da média classe média e 1,48 milhão da baixa classe média. Mesmo aqueles que se equilibraram em seus degraus, viram a renda diminuída em comparação a 2002.

A precaução ética de Waldir Quadros se justifica. Caso divulgasse o estudo antes do segundo turno das eleições, seria obrigado a mostrar que o nível de empobrecimento da classe média, no primeiro ano do governo Lula, foi maior do que no pior ano de FHC (1999, quando da desvalorização cambial) e tão desastroso quanto o provocado pelo Plano Collor (1990). Trocando em percentuais: em 1990, rolaram escada abaixo 15,8% da alta classe média, 5,3% da média classe média e 0,5% da baixa classe média; em 1999, foram 8,9% da alta classe média, 7,5% da média classe média e 4% da baixa classe média; em 2003, 14,6% da alta classe média, 6,9% da média classe média e 3,8% da baixa classe média. O efeito dominó do ano passado arrastou mais 3,5 milhões de pessoas para a camada com renda familiar inferior a R$ 500.

Reflexo nas urnas – Derrotas como na Capital e em grandes cidades do Estado de São Paulo, ou no reduto de Porto Alegre e em outros municípios gaúchos importantes, são atribuídas pelo próprio PT ao afastamento da classe média. Se o partido do governo teoriza sobre os motivos desse afastamento, Waldir Quadros poderia justificá-lo com os índices de empobrecimento deste segmento nas metrópoles. No entanto, o professor da Unicamp, que em maio admitia sua expectativa quanto ao comportamento dos eleitores não-petistas que votaram em Lula, agora se acautela: “Não vejo sempre esta relação direta: que a classe média, descontente com o governo Lula, votou contra os candidatos do PT. É provável que seja fato em Porto Alegre, por fadiga de material e insatisfação com a política econômica. O mesmo parece ter ocorrido no caso de Marta Suplicy, os jornais deram 48% de aprovação ao seu governo e a votação dela foi de 45%, ou seja, a prefeita ganhou sua parte, não houve um massacre. Já em Belo Horizonte, um petista ganhou bem, o mesmo ocorrendo em Recife. É um cenário ainda difuso, mas o sentido geral parece apontar na direção de um progressivo deslocamento político das classes médias, que pode generalizar para as demais camadas sociais até as próximas eleições presidenciais”, observa o pesquisador.

Waldir Quadros não entra no mérito da tese defendida por alguns analistas políticos de que, em pleitos municipais, os eleitores priorizam as soluções para problemas locais. Mas, se assim for, ele lembra que em termos de política econômica nacional o cenário é bem transparente, e que Lula realmente precisará se recompor com a classe média para manter suas aspirações nas eleições de 2006. “A crise brasileira é fundamentalmente industrial, urbana, metropolitana, e a classe média se concentra nas grandes cidades. Nos anos 1990, a Grande São Paulo, por possuir as estruturas mais avançadas, foi particularmente afetada pela abertura comercial, mas os dados atuais mostram a crise irradiada para todas as áreas urbanas”, afirma.

Grande vítima – Segundo o pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), a profundidade da crise está no fato de que a maior pancada foi desferida em cima da alta classe média. Essas pessoas com renda familiar acima de R$ 5.000, que representavam 4,38% em 1990 e 4,19% em 1999, eram somente 3,38% em 2003. Nas principais capitais, a virada de 2002 para 2003 foi desastrosa para alta classe média, como mostram os quadros na página: o número de pessoas nesta faixa diminuiu em 12,8% na Grande São Paulo; em 14,7%, na Grande Porto Alegre; em 12,3%, no Grande Rio de Janeiro; em 18,1%, no Grande Distrito Federal; e em 16,5% na Grande Belo Horizonte.

“Com a recessão, as empresas demitem quem ganha altos salários e admitem outros ganhando menos. Entre os executivos, vê-se a adoção do que se chama ‘juniorização’, em que profissionais experientes, com mais de 40 anos de idade, são substituídos por recém-formados. No processo de seleção, um ‘MBA’ [mestrado em administração e negócios], com 27 anos de idade, aceita trabalhar 14 horas por dia para receber entre R$ 2.000 e R$ 2.500, faz fila”, ilustra Waldir Quadros. O economista ressalta que o retrato pintado por seu estudo, apesar de grave, oferece apenas uma pálida idéia da crise que atinge a classe média. “É um retrato da estrutura social, mas a crise nesse segmento é muito maior do que isso. Ele mede a renda, mas o custo de vida vai além desses índices deflacionados pelo INPC: tem a escola e saúde particulares, transporte, dentista, psicólogo, telefone, Internet... É uma asfixia”, constata o pesquisador.

Sem perspectiva – Na opinião de Waldir Quadros, ainda que o PIB esteja crescendo em 2004, a permanência e endurecimento da atual política econômica impedem que esse crescimento seja sustentável. “Nada garante que o buraco de 2003 será tapado este ano. Este PIB decorre em muito das exportações, do agronegócio, o que obviamente tem uma dimensão urbana, mas uma recuperação insuficiente. Mantida a política de superávit fiscal, dos juros elevados, travando a economia, sem a recomposição da indústria nacional e da infra-estrutura, não há perspectiva”, afirma. No âmbito político, o professor da Unicamp vê o pior dos cenários para a classe média: “Até 2002, quem estava descontente com o governo teve a opção de mudança com Lula. Veio a frustração, e agora? Voltar ao estilo FHC quando o PSDB continua apoiando esta política macroeconômica? Certamente, o país não vai acabar a frio, mas no momento ainda não vejo perspectiva. Vamos torcer para que surja”.









Topo

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP