Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 274 - de 24 de novembro a 5 de dezembro de 2004
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Pesquisadores desenvolvem metodologia para
determinar quantidade de substâncias tóxicas em alimentos curados

Pecados da carne



MANUEL ALVES FILHO


Produtos expostos em supermercado de Campinas: dados permitirão apontar riscos e estabelecer normas de segurança (Fotos: antoninho Perri)Pesquisadores da Unicamp estão desenvolvendo uma metodologia analítica para determinar a presença de nitratos, nitritos e N-nitrosanimas nos alimentos curados, como carnes, lingüiças e salsichas. O objetivo do grupo é gerar dados que permitam estabelecer o risco que o consumo dessas substâncias por meio dos alimentos representa à saúde humana.

Os dados obtidos deverão também auxiliar no estabelecimento de normas para a presença de nitrosaminas em alimentos visando ao controle ou até mesmo a eliminação dessas substâncias. As duas primeiras, além de serem potencialmente tóxicas, são consideradas precursoras da terceira, que tem propriedades comprovadamente carcinogênicas, conforme estudos realizados com cerca de 50 espécies animais, entre as quais o macaco.

A pesquisa conduzida na Unicamp teve início há cerca de dois anos e está sendo coordenada pelos professores Felix G. R. Reyes, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), e Susanne Rath, do Instituto de Química (IQ). De acordo com Felix, nitratos e nitritos ocorrem naturalmente nos alimentos, mas também são empregados tecnologicamente como aditivos para preservar e conferir aroma, sabor e cor aos alimentos. Ele explica que os nitratos, embora de toxicidade baixa, são fontes de nitritos, que podem causar a metemoglobinemia, problema que prejudica o transporte do oxigênio através das hemoglobinas.

Os professores Felix Reyes, da FEA, e Susanne Rath, do IQ: métodos analíticos mais simples do que os convencionais Como se não bastasse, ao se combinarem com uma substância chamada amina, presente nos alimentos e também no organismo humano, os nitritos dão origem às N-nitrosaminas. “As N-nitrosaminas normalmente se formam durante o preparo dos alimentos ou no organismo humano, no estômago, por ocasião da digestão dos alimentos. Embora sejam encontradas em pequenas quantidades, elas são potencialmente carcinogênicas. Estudos realizados com animais de laboratório comprovaram essa propriedade. Apesar de não existirem pesquisas conclusivas sobre o efeito das N-nitrosaminas em seres humanos, é legítimo imaginar que estes também podem ser afetados negativamente por essas substâncias”, pondera o professor Felix.

Segundo a professora Susanne, já existem metodologias analíticas capazes de determinar as N-nitrosaminas nos alimentos. Alguns equipamentos, como o cromatógrafo a gás acoplado ao espectrômetro de massas, podem ser utilizados para esse fim. Os pesquisadores da Unicamp, porém, trabalham com um equipamento conhecido pela sigla GC-TEA (cromatógrafo a gás acoplado a um detetor de quimiluminescência), que permite análises mais simples do que o primeiro. “A Unicamp é a única universidade brasileira a contar com esse equipamento, que possibilita o desenvolvimento de uma metodologia com seletividade e sensibilidade elevadas”, explica o professor Felix.

Graças ao TEA, prossegue o docente da FEA, os pesquisadores têm estabelecido métodos analíticos mais simples do que os convencionais, que são muito trabalhosos e consomem uma grande quantidade de solventes. Os especialistas já trabalharam com carnes curadas e leite em pó. Atualmente, estão desenvolvendo uma metodologia específica para lingüiça e salsicha. Os dados preliminares do estudo revelam que a quantidade de N-nitrosaminas presente nesses alimentos está até sete vezes acima do que é internacionalmente recomendado. “Isso não significa que as pessoas desenvolverão câncer necessariamente, mas revela que existe um fator de risco elevado”, esclarece o professor Felix.

O Brasil, afirma a professora Susanne, não dispõe de legislação que trate do controle dessas substâncias nos alimentos. Isso acontece, de acordo com o professor Felix, justamente porque o país ainda não conta com informações precisas sobre a presença desses contaminantes nos produtos alimentícios, sobretudo as N-nitrosaminas. “É para isso que estamos trabalhando. Queremos investigar essas questões e gerar um banco de dados que permita estabelecer normas de controle dessas substâncias”, adianta o docente da FEA. Alguns países desenvolvidos, assinala a professora Susanne, já dispõem de regulamentação a esse respeito.

O Food and Drug Administration (FDA), órgão que fiscaliza alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, estabeleceu um índice de 10 microgramas de N-nitrosaminas por quilo de carne curada. Isso equivale a dez partes por bilhão. O Canadá, segundo o professor Felix, estipulou um índice semelhante. Além disso, integrantes da Comunidade Européia também têm recomendações rigorosas acerca do controle desses contaminantes. “Esses países estabelecem limites máximos que não devem ser ultrapassados e que possam ser fiscalizáveis pelas metodologias analíticas disponíveis. Nesse aspecto, o Brasil está bastante atrasado”, atesta o docente da FEA.

Os dois pesquisadores advertem que não basta ao Brasil simplesmente importar os modelos existentes no exterior, por alguns motivos básicos. Um deles refere-se ao padrão de processamento dos alimentos, que se diferencia de um país para o outro. Além disso, é preciso levar em conta os hábitos alimentares, que também são muito distintos entre as nações. Ou seja, o que é válido para os Estados Unidos muito provavelmente não é para o Brasil. O trabalho do grupo de pesquisadores da Unicamp ganha ainda mais importância se considerado o problema dos alimentos processados sem qualquer controle de qualidade e/ou segurança.

Os produtos industrializados passam por alguns estágios de fiscalização, o que assegura um nível razoável de qualidade e segurança. Mas o que dizer de lingüiças e salsichas processadas em empresas de fundo de quintal, por exemplo? Só para se ter uma idéia do risco que esse tipo de atividade pode representar, o professor Felix faz um retorno mental ao início da década de 80, quando ele começou a se interessar pelas N-nitrosaminas. Naquela época, diz, o Brasil não tinha capacidade instalada para determinar a presença desses contaminantes nos alimentos.

A saída, então, foi firmar uma parceria com a Universidade Estadual do Oregon, nos Estados Unidos. Para surpresa dos pesquisadores, as amostras de alimentos processados industrialmente no Brasil apresentaram níveis de N-nitrosaminas entre oito e dez vezes acima do que era internacionalmente recomendável. “Com a pesquisa atual, queremos descobrir não somente o que aconteceu de lá para cá, mas principalmente gerar dados que ajudem a estabelecer normas e procedimentos para eliminar ou pelo menos reduzir a presença de substâncias potencialmente nocivas nos alimentos”, insiste o professor Felix.

Nem os vegetarianos escapam

Ainda como parte dos estudos conduzidos pelos professores Felix Reyes e Susanne Rath, a estudante de graduação Raquel Massulo Souza investigou em seu trabalho de iniciação científica como estava o nível de exposição dos vegetarianos de Campinas ao nitrato. Assim, a aluna dirigiu-se a restaurantes especializados nesse tipo de comida e pediu para que algumas pessoas montassem pratos equivalentes àqueles que consomem no dia-a-dia. A análise das amostras dos alimentos constatou que a quantidade do nitrato está acima do que seria toxicologicamente aceitável. A pesquisa mereceu menção honrosa no último Congresso de Iniciação Científica da Unicamp, realizado em setembro deste ano.

A presença de níveis elevados de nitrato nos vegetais ocorre, de acordo com os docentes da FEA e do IQ, por causa do uso exagerado de fertilizantes, que contêm a substância em sua fórmula. Embora alguns vegetais possuam naturalmente substâncias capazes de inibir a formação endógena de N-nitrosaminas no organismo humano, ainda não é possível saber o que o consumo exagerado de nitrato através dos vegetais pode significar para a saúde. “As informações disponíveis indicam que novos estudos devem ser realizados, para que possamos obter dados mais conclusivos”, conclui a professora Susanne.

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