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Estudos de professor da Unicamp ajudam a determinar suscetibilidade e agressividade da doença
Pesquisadores buscam nos genes as marcas da artrite reumatóide
LUIZ SUGIMOTO
Estima-se que a artrite reumatóide atinja 1% da população no Brasil. Como falamos de aproximadamente 1,8 milhão de brasileiros doentes, falamos de uma doença importante. É uma doença inflamatória que agride predominantemente as articulações – mãos, punhos, cotovelos, ombros, pés,
tornozelos, joelhos – e que por vezes adquire
caráter sistêmico, lesando, por exemplo,
tecidos do coração, pulmão, rins,
olhos e vasos sanguíneos. O paciente pode ficar
com deformidades articulares e a evolução
mais severa acarreta em incapacitação.
Geralmente a artrite reumatóide manifesta-se
depois dos 30 anos de idade, com prevalência
maior em mulheres, embora essa manifestação
não seja tão incomum em crianças
e idosos. O tratamento dos casos agressivos chega
a custar R$ 5 mil por mês, um complicador que
torna a doença particularmente preocupante
num país com nossas condições
socioeconômicas.
Tratamento de casos graves chega a
5 mil reais por mês
As causas da artrite reumatóide ainda são
desconhecidas, sabendo-se que é uma doença
auto-imune, sem cura, que resulta de um processo inflamatório
desencadeado pelo próprio sistema imunológico
do paciente. Não se podendo atacar o problema
pela raiz, a alternativa escolhida por várias
instituições de pesquisa, no Brasil
e no mundo, tem sido a busca de sinais genéticos
ou biológicos que permitam identificar grupos
de pessoas mais suscetíveis à doença,
ou grupos nas quais ela se torna mais agressiva. Na
Unicamp, o professor Manoel Barros Bértolo,
do Departamento de Clínica Médica da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM),
coordenou em 1996 um estudo com 60 pacientes caucasóides
(brancos) do Hospital das Clínicas e, até
dezembro, terá os resultados de outra avaliação,
agora junto a pacientes afro-brasileiros. Ambas as
pesquisas foram viabilizadas com recursos da Fapesp.
Coordenador de Assistência do HC e presidente
da Sociedade Paulista de Reumatologia, Manoel Bértolo
explica que a incidência de artrite reumatóide
varia entre grupos populacionais, lembrando que em
tribos indígenas norte-americanas o índice
chega a 10%. Seu trabalho envolvendo grupos de brasileiros
é inédito. “Lidamos com uma doença
incapacitante e há necessidade de determinar
fatores genéticos que permitam saber em quais
grupos ela pode evoluir de forma mais leve, moderada
ou grave. Isso permitirá escolher o tipo de
tratamento mais adequado, como por exemplo, antecipando
ou postergando o uso de drogas agressivas, o que é
importante também por causa dos efeitos colaterais
e do ônus financeiro que esses medicamentos
representam para o paciente e para o sistema de saúde”,
observa.
Já se sabe que moléculas denominadas
HLA (antígeno leucocitário humano) são
os marcadores genéticos da artrite reumatóide,
e que essas moléculas são altamente
polifórmicas, ou seja, apresentam vários
subtipos. Em pesquisas anteriores, um dos subtipos,
o HLA-DR4, foi vinculado à doença em
algumas populações e etnias, mas em
outros grupos houve freqüência maior do
subtipo HLA-DR1. “Ao contrário do esperado,
não encontramos nos pacientes caucasóides
um aumento estatisticamente significativo do DR-4,
e sim do DR-1. Por isso, mudamos os planos e aprofundamos
os estudos não apenas do DR-4, que seria o
marcador principal, mas também do DR-1”,
justifica o professor.
Seqüências - Aprofundar os estudos implicou determinar, no grupo de pacientes brancos, os marcadores desses subtipos que se relacionam com a suscetibilidade e a agressividade da artrite reumatóide. “Vimos que a maioria dos
pacientes era de DR-1. Mas, dentre aqueles que apresentavam
um quadro mais grave da doença, a maioria pertencia
ao grupo de DR-4. Então, o DR-4 ficou como
marcador de agressividade”, afirma. Mesmo esses
subtipos, entretanto, possuem seqüências
de aminoácidos diferentes. Nos pacientes DR-1,
as mais freqüentes são as seqüências
*0101 e *0102; nos DR-4 são as seqüências
*0401 e *0404. Em resumo, de acordo com o pesquisador,
as seqüências *0101 e *0102 marcaram a
suscetibilidade e manifestações mais
leves da artrite reumatóide, enquanto as *0401
e *0404 ficaram vinculadas às formas mais graves
da doença.
Este conhecimento permite extrapolar do prognóstico
para o tratamento, pois se o paciente apresentar os
subtipos 0404 e 0401, espera-se nele uma evolução
mais grave da moléstia. É um fator importante
para nós, que podemos determinar um tratamento
mais agressivo já na fase inicial da doença.
Da mesma forma, saberemos que o paciente com os subtipos
*0101 e *0102 poderá receber uma medicação
mais leve. A doença não tem cura, mas
há pessoas que nem aparentam carregar o problema,
sendo inclusive dispensadas da medicação
depois de um período de tratamento”,
acrescenta o pesquisador.
Em relação ao grupo de pacientes afro-brasileiros
(com algum traço negro), Manoel Bértolo
ressalva que ainda não foram determinados todos
os subtipos, o que deve acontecer em dois ou três
meses. O que os dados preliminares permitem adiantar,
segundo o professor, é que nesta população
miscigenada um outro subtipo, HLA-DRB1*09, aparece
vinculado à suscetibilidade da artrite reumatóide.
O esforço - O professor admite que a determinação de marcadores genéticos ainda está distante de se tornar uma rotina, por se tratar de procedimento caro, possível apenas no âmbito da pesquisa e graças aos recursos da Fapesp. Mas ele lembra que os exames laboratoriais praticados hoje, na grande maioria, venceram este impedimento e acabaram barateados e disseminados. “Aqui mesmo na FCM, no centro
de estudos multicêntricos, estudamos outras
drogas biológicas contra a artrite reumatóide,
e que inicialmente deverão ser mais caras que
as disponíveis no mercado”, exemplifica.
Manoel Bértolo observa, também, que
a Unicamp responde apenas por pequena parte de um
esforço em nível nacional contra a doença.
Uma descoberta recente e que vem sendo alvo
de pesquisas paralelas às nossas, é
que dentro de um pequeno trecho do HLA existe uma
seqüência de aminoácidos que se
repete mesmo em raças diferentes. É
a teoria do epítopo compartilhado, segundo
a qual esta seqüência determinaria a evolução
da artrite reumatóide”, esclarece o professor.