Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 308 - 7 a 13 de novembro de 2005
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Estudos de professor da Unicamp ajudam a determinar suscetibilidade e agressividade da doença

Pesquisadores buscam nos genes as marcas da artrite reumatóide

 

LUIZ SUGIMOTO

Foto: DivulgaçãoEstima-se que a artrite reumatóide atinja 1% da população no Brasil. Como falamos de aproximadamente 1,8 milhão de brasileiros doentes, falamos de uma doença importante. É uma doença inflamatória que agride predominantemente as articulações – mãos, punhos, cotovelos, ombros, pés, tornozelos, joelhos – e que por vezes adquire caráter sistêmico, lesando, por exemplo, tecidos do coração, pulmão, rins, olhos e vasos sanguíneos. O paciente pode ficar com deformidades articulares e a evolução mais severa acarreta em incapacitação. Geralmente a artrite reumatóide manifesta-se depois dos 30 anos de idade, com prevalência maior em mulheres, embora essa manifestação não seja tão incomum em crianças e idosos. O tratamento dos casos agressivos chega a custar R$ 5 mil por mês, um complicador que torna a doença particularmente preocupante num país com nossas condições socioeconômicas.

Tratamento de casos graves chega a 5 mil reais por mês

As causas da artrite reumatóide ainda são desconhecidas, sabendo-se que é uma doença auto-imune, sem cura, que resulta de um processo inflamatório desencadeado pelo próprio sistema imunológico do paciente. Não se podendo atacar o problema pela raiz, a alternativa escolhida por várias instituições de pesquisa, no Brasil e no mundo, tem sido a busca de sinais genéticos ou biológicos que permitam identificar grupos de pessoas mais suscetíveis à doença, ou grupos nas quais ela se torna mais agressiva. Na Unicamp, o professor Manoel Barros Bértolo, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), coordenou em 1996 um estudo com 60 pacientes caucasóides (brancos) do Hospital das Clínicas e, até dezembro, terá os resultados de outra avaliação, agora junto a pacientes afro-brasileiros. Ambas as pesquisas foram viabilizadas com recursos da Fapesp.

Coordenador de Assistência do HC e presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia, Manoel Bértolo explica que a incidência de artrite reumatóide varia entre grupos populacionais, lembrando que em tribos indígenas norte-americanas o índice chega a 10%. Seu trabalho envolvendo grupos de brasileiros é inédito. “Lidamos com uma doença incapacitante e há necessidade de determinar fatores genéticos que permitam saber em quais grupos ela pode evoluir de forma mais leve, moderada ou grave. Isso permitirá escolher o tipo de tratamento mais adequado, como por exemplo, antecipando ou postergando o uso de drogas agressivas, o que é importante também por causa dos efeitos colaterais e do ônus financeiro que esses medicamentos representam para o paciente e para o sistema de saúde”, observa.

Foto: Divulgação Já se sabe que moléculas denominadas HLA (antígeno leucocitário humano) são os marcadores genéticos da artrite reumatóide, e que essas moléculas são altamente polifórmicas, ou seja, apresentam vários subtipos. Em pesquisas anteriores, um dos subtipos, o HLA-DR4, foi vinculado à doença em algumas populações e etnias, mas em outros grupos houve freqüência maior do subtipo HLA-DR1. “Ao contrário do esperado, não encontramos nos pacientes caucasóides um aumento estatisticamente significativo do DR-4, e sim do DR-1. Por isso, mudamos os planos e aprofundamos os estudos não apenas do DR-4, que seria o marcador principal, mas também do DR-1”, justifica o professor.

Seqüências - Aprofundar os estudos implicou determinar, no grupo de pacientes brancos, os marcadores desses subtipos que se relacionam com a suscetibilidade e a agressividade da artrite reumatóide. “Vimos que a maioria dos pacientes era de DR-1. Mas, dentre aqueles que apresentavam um quadro mais grave da doença, a maioria pertencia ao grupo de DR-4. Então, o DR-4 ficou como marcador de agressividade”, afirma. Mesmo esses subtipos, entretanto, possuem seqüências de aminoácidos diferentes. Nos pacientes DR-1, as mais freqüentes são as seqüências *0101 e *0102; nos DR-4 são as seqüências *0401 e *0404. Em resumo, de acordo com o pesquisador, as seqüências *0101 e *0102 marcaram a suscetibilidade e manifestações mais leves da artrite reumatóide, enquanto as *0401 e *0404 ficaram vinculadas às formas mais graves da doença.

O professor Manoel Barros Bértolo, do Departamento de Clínica Médica da FCM: incidência da artrite reumatóide (fotos acima) varia entre grupos populacionais (Foto: Antoninho Perri) Este conhecimento permite extrapolar do prognóstico para o tratamento, pois se o paciente apresentar os subtipos 0404 e 0401, espera-se nele uma evolução mais grave da moléstia. É um fator importante para nós, que podemos determinar um tratamento mais agressivo já na fase inicial da doença. Da mesma forma, saberemos que o paciente com os subtipos *0101 e *0102 poderá receber uma medicação mais leve. A doença não tem cura, mas há pessoas que nem aparentam carregar o problema, sendo inclusive dispensadas da medicação depois de um período de tratamento”, acrescenta o pesquisador.

Em relação ao grupo de pacientes afro-brasileiros (com algum traço negro), Manoel Bértolo ressalva que ainda não foram determinados todos os subtipos, o que deve acontecer em dois ou três meses. O que os dados preliminares permitem adiantar, segundo o professor, é que nesta população miscigenada um outro subtipo, HLA-DRB1*09, aparece vinculado à suscetibilidade da artrite reumatóide.

O esforço - O professor admite que a determinação de marcadores genéticos ainda está distante de se tornar uma rotina, por se tratar de procedimento caro, possível apenas no âmbito da pesquisa e graças aos recursos da Fapesp. Mas ele lembra que os exames laboratoriais praticados hoje, na grande maioria, venceram este impedimento e acabaram barateados e disseminados. “Aqui mesmo na FCM, no centro de estudos multicêntricos, estudamos outras drogas biológicas contra a artrite reumatóide, e que inicialmente deverão ser mais caras que as disponíveis no mercado”, exemplifica.

Manoel Bértolo observa, também, que a Unicamp responde apenas por pequena parte de um esforço em nível nacional contra a doença. Uma descoberta recente e que vem sendo alvo de pesquisas paralelas às nossas, é que dentro de um pequeno trecho do HLA existe uma seqüência de aminoácidos que se repete mesmo em raças diferentes. É a teoria do epítopo compartilhado, segundo a qual esta seqüência determinaria a evolução da artrite reumatóide”, esclarece o professor.

 

Recorrendo a drogas agressivas

A artrite reumatóide muitas vezes é denominada apenas de artrite, quando não é confundida com a artrose. Na verdade, artrite é uma denominação genérica de qualquer inflamação que atinja as juntas, podendo ser provocada por lesões traumáticas, pela gota ou por bactérias. Já a artrose é o desgaste natural que as juntas sofrem conforme a idade avança. O professor Manoel Bértolo, da FCM, afirma que a forma de tratamento da artrite reumatóide mudou muito nos últimos anos. “Antes eram usados apenas corticóides, antiinflamatórios e algumas drogas-base como cloroquina e methotrexate. Há cerca de sete anos, passou-se para um tratamento mais agressivo por meio de agentes biológicos. Essas drogas inibem o fator de necrose tumoral (uma citocina), que provoca a inflamação e a dor nas articulações. Há três medicamentos comercializados, que oferecem uma resposta muito boa: etanercepte, infliximabe e adalimumabe. O problema é que são caríssimos, a um custo médio de 4 a 5 mil reais por mês”, reitera o pesquisador.
Farmácias de auto-custo, como a instalada no Hospital das Clínicas da Unicamp, fornecem gratuitamente as drogas leves e também o infliximabe, mas não apenas os pacientes, como alguns médicos da rede pública de saúde, ignoram o direito de ter esses medicamentos disponibilizados pelo governo. “Como toda doença crônica, a população carente é a que mais sofre, devido a vários fatores, como a falta de acesso aos remédios e alimentação pobre que leva à desnutrição. Além disso, muitos pacientes se submetem a trabalhos que sobrecarregam as articulações e, quando vêm ao ambulatório e fica constatada a artrite reumatóide nas mãos ou joelhos, não há como orientá-los a mudar sua rotina. São trabalhadores braçais que se ocupam do serviço que aparece”, constata.
O professor explica que a artrite reumatóide envolve com maior freqüência as pequenas articulações das mãos – como interfalangianas proximais, metacarpo e falangianas – e os mesmos pontos dos pés. Com menor freqüência, atinge as articulações do tornozelo, joelho, coxofemoral, quadril, ombro, cotov
elo, têmporo-mandibular (ATM), coluna cervical e esternoclavicular. “Na verdade, a doença pode prejudicar todas as articulações onde se encontre a membrana sinovial”, informa. Ele esclarece que esta membrana produz o líquido sinoval, responsável pela lubrificação da cartilagem das articulações, mas na doença ela passa a fabricar uma substância inflamatória.
A artrite reumatóide é considerada leve quando o paciente apresenta dor, mas pouca inflamação e pouco aumento de volume na articulação, sem que a doença evolua para uma deformidade. Esta deformidade, como por exemplo, tortuosidade nas mãos, já aparece em algum nível na doença moderada. O caso é grave quando evolui com muita deformidade ou quando há envolvimento sistêmico, resultando em incapacidade. “As deformidades são irreversíveis do ponto de vista clínico, restando então a intervenção cirúrgica para implantação de prótese ou realinhamento articular. Há pessoas que acabam em cadeiras de rodas. Felizmente, já temos possibilidades terapêuticas capazes de conter a evolução natural da artrite reumatóide”, afirma o médico.