De forma mais específica, a importância ecológica do solo está relacionada com algumas de suas principais funções: conservação, armazenamento e liberação de água para plantas e subsolo; retenção e liberação de nutrientes; degradação de produtos químicos; promoção e sustentação do crescimento radicular; manutenção de condições favoráveis à atividade biológica e ao habitat e desenvolvimento de plantas e animais; e resiliência, que corresponde à capacidade de retomar a sua forma original.
Nesse contexto, está sendo desenvolvido projeto de pesquisa pela professora Mara de Andrade M. Weill e equipe, da qual participam os professores Edson Eiji Matsura e Paulo Graziano Magalhães, além de alunos de iniciação cientifica, mestrado e doutorado, todos da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp (Feagri). Os estudos envolvem sistemas de produção agrícola e sua influência na qualidade do solo. As variáveis de controle incluem a erosão do solo, o desenvolvimento e a produtividade das culturas. A pesquisadora revela que constituem objetivos específicos do projeto a seleção de um conjunto mínimo de atributos ou indicadores para avaliação da qualidade do solo sob diferentes sistemas de manejo, o monitoramento quantitativo e qualitativo do material erodido (água e terra) durante o ciclo da cultura, no caso milho no verão e feijão no inverno, e o estudo da relação entre sistema de manejo e qualidade do solo com erosão e produtividade.
De acordo com Mara, o trabalho avalia dois sistemas de produção: o convencional, com grade aradora e o plantio direto. Para ela, os resultados preliminares indicam que as maiores produtividades ocorreram nas áreas experimentais sob sistema de plantio direto em comparação com aquelas obtidas nas áreas em que foi utilizado o sistema convencional. “A diferença entre as médias chegou a ser superior a mil kg/ha em alguns casos. Constatou-se também que, em algumas parcelas cultivadas no sistema convencional, as perdas por erosão excederam em mais de 100% às perdas oriundas das áreas cultivadas no sistema de plantio direto”, revela a docente.
Plantio direto A estrutura de um solo funcional se caracteriza pela ocorrência de grandes agregados estáveis, do que resultam entre eles poros grandes, que permitem a livre passagem de ar e água e por onde as raízes das plantas facilmente encontram caminhos para crescimento. Em oposição, solos com estrutura deficiente, adensados ou compactados, pela ausência dos agregados grandes ou macro-poros, impõem restrições ou mesmo impedimento aos processos de transferência de energia e materiais em seu corpo.
Segundo a professora, quando o solo é trabalhado para atividade humana, especialmente no caso da agricultura convencional, sua estrutura é alterada. Na produção agrícola pretende-se utilizá-lo ininterruptamente e por isso a degradação precisa ser minimizada, embora sempre ocorra de alguma forma. Na moto-mecanização convencional uma certa camada do solo é revolvida comumente em uma certa profundidade. “A camada superficial revolvida apóia-se sobre um fundo que com o tempo assemelha-se a uma superfície espelhada, pouco permeável, chamada de pé de arado ou pé de grade. A água penetra rapidamente na parte trabalhada pelo implemento e atinge a superfície espelhada em que se acumula ou escorre, dependendo da declividade do terreno. Ambas as situações causam problemas e por isso de tempo-em-tempo essa superfície precisa ser rompida. Esse sistema de produção convencional tem sido associado à ocorrência de elevadas taxas de erosão e de degradação do solo”.
Como alternativa, diz a docente, foi desenvolvida a técnica do plantio direto, em que a mobilização do solo se dá apenas na linha de plantio. Em uma única operação, a semeadora de plantio direto abre o sulco, segundo a linha do plantio, coloca a semente, o adubo e fecha a abertura. Previamente e antes da semeadura da cultura principal, o terreno recebe uma planta de cobertura, gramínea ou leguminosa, que por dessecamento com herbicida deixa sobre o solo uma cobertura morta. Segundo a pesquisadora, a tecnologia de plantio direto, devidamente estudada, testada e avaliada pela pesquisa oficial, foi implementada ao nível dos produtores no Sul do País, a partir de 1972, onde a cultura de grãos é intensa e a erosão constituía grande preocupação.
Segundo a Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha, a área sob plantio direto no Brasil evoluiu de cerca de l00 ha em 1972/73 para quase 22 milhões de ha em 2003/04, considerando as culturas de verão e inverno e a safrinha.
A professora lembra que o sistema de plantio direto na agricultura é considerado conservacionista e que sua tecnologia já está bem desenvolvida para grãos como trigo, milho, soja, feijão e também algodão, com grandes áreas plantadas no Sul e Centro-Oeste do Brasil. No Estado de São Paulo, o sistema não teve tanta penetração, o que pode ser explicado pelo fato de nossa agricultura ser diferenciada, com predomínio de cana-de-açúcar, cítricos, café e de pastagens, além do fato de as condições climáticas de São Paulo exigirem a superação de alguns problemas na aplicação do sistema.
A docente constata, entretanto, o aumento da adesão em São Paulo, onde a área sob sistema de plantio direto cresceu de 45 mil ha em 1997/98 para um milhão de ha em 2000/01. “Em nossos estudos estamos testando o plantio direto e, para efeito de comparação, no mesmo local, realizamos o plantio com sistema convencional em um importante tipo de solo, que ocupa a significativa área de 35 mil km2 (14% do território paulista), anteriormente chamado Latossolo Roxo e, hoje, Latossolo Vermelho. Estamos estudando os efeitos dos sistemas de manejo na qualidade do solo, na produção e no controle da erosão. As parcelas experimentais do Campo Experimental da Feagri são dotadas de sistemas coletores de enxurrada, que permitem coletar e medir quanto se perde de água e de solo e, no caso deste, o que se perde. Com isso pode-se determinar como o sistema de manejo afeta a erosão e o que e quanto está sendo perdido de nutrientes e matéria orgânica, e o que precisa ser reposto. O escopo do projeto é esse”.
Mas tudo isso leva tempo, diz Mara, já que nem tudo o que acontece no solo pode ser mensurado em pouco tempo, pois algumas alterações são observáveis somente depois de anos, e o projeto é de longa duração. “Para a agricultura a produção é indicadora da qualidade do solo. E para o ambiente? Como modificações observadas repercutem e se introduzem no ambiente? A partir de que parâmetros o solo pode ser considerado degradado porque não pode mais desempenhar todas as funções que se esperaria dele? Existe na comunidade internacional a preocupação em desenvolver indicadores que permitam monitorar a qualidade do solo ao longo do tempo. Diferentes autores têm proposto conjuntos mínimos de dados para monitoramento que balizem a avaliação da qualidade e a indicação de medidas corretivas ou preventivas. É o que se busca”. Segundo a docente, o que a pesquisa faz é caracterizar vários atributos do solo que condicionam seu funcionamento, monitorando como eles se alteram com o tempo em função das práticas de manejo, e como essas mudanças influenciam a produção e a intensidade de erosão.
E a professora conclui com entusiasmo: “Completamos o segundo ano dos estudos e encontramo-nos ainda na fase de estabilização da cobertura morta no plantio direto. Estamos aprendendo muita coisa e o trabalho tem sido muito animador, pois já conseguimos detectar mudanças de qualidade nessa cobertura, na densidade de plantio, no controle da erosão. Precisamos de mais tempo para consolidar esses resultados”.
Trabalho em equipe
A professora Mara Weill enfatiza o trabalho em equipe desenvolvido na pesquisa experimental: “Hoje não se faz nada isoladamente”. Ela estuda a parte física e química do solo. O professor Edson Eiji Matsura, da área de irrigação e drenagem, orienta pesquisas para avaliar o efeito da palhada na eficiência da irrigação, na distribuição e homogeneização da água no solo, comparando com o sistema convencional. O professor Paulo Graziano Magalhães, da área de máquinas, desenvolveu com seu grupo um disco dentado a ser acoplado à semeadora de plantio direto e que tem a função de cortar a palha antes da ação do sulcador. Ele estuda a eficiência desse disco e sua influência no solo e no crescimento da planta, comparando com o trabalho realizado pelos discos lisos, mais comuns no mercado.
A professora Mara orienta oito alunos alocados no projeto, quatro de pós-graduação e quatro em iniciação científica. Uma aluna de mestrado pesquisa um indicador integrado de qualidade de solo que agrega informações de alguns atributos simples como densidade do solo, resistência à penetração e umidade, porque qualquer um desses indicadores isoladamente pode levar a uma resposta não adequada. Esse indicador é denominado intervalo hídrico ótimo.
Outra mestranda pesquisa a aplicação de métodos de valoração econômica das perdas de solo por erosão com base nos dados experimentais referentes às perdas detectadas, pois aumento de produção, qualidade e reposição de nutrientes precisam ter viabilidade econômica. Um outro mestrando faz um estudo histórico, resgatando o que aconteceu nos quinze anos anteriores em que o solo foi submetido a diferentes sistemas de preparo, e acompanha as modificações que os dois sistemas de plantio introduzem a partir destes dois últimos anos. Finalmente, um doutorando, de formação estatística, trabalha na seleção e avaliação dos métodos mais indicados de análises e modelagem de dados aplicáveis na avaliação da qualidade do solo e do sistema produtivo agrícola.