Para desenvolver a pesquisa, Eliana Hebling colheu o depoimento de 12 mulheres portadoras de HIV/Aids, com idades entre 20 e 39 anos e diferentes níveis de escolaridade. Destas, quatro estavam grávidas quando receberam o diagnóstico e quatro decidiram ter filhos após tomarem conhecimento da contaminação. As outras quatro optaram por não engravidar, porque temiam transmitir o vírus para os bebês. Estas últimas, todavia, já tinham pelo menos um filho. Conforme a pesquisadora, a maioria era casada ou vivia uma união estável durante o estudo.
Um dos aspectos identificados pela psicóloga junto às mulheres que estavam grávidas ou que planejaram ter um filho após o diagnóstico é que todas encaravam a maternidade como uma extensão da própria vida. Ademais, elas se sentiram estimuladas a cuidar melhor da saúde, como forma de prolongar a vida e acompanhar o crescimento dos filhos. “A maioria procurava não pensar na morte, pois isso, segundo elas, seria uma forma de apressar o próprio fim. Além disso, grande parte seguiu as recomendações médicas e se submeteu a tratamentos para a redução da carga viral, iniciativa que reduz o risco da transmissão do vírus para o feto”, afirma. Todas as crianças nasceram soronegativas.
Eliana Hebling conta que a despeito de procurarem não pensar na morte, essas mulheres evidentemente consideravam a possibilidade de os filhos ficarem órfãos. Diante disso, elas estabeleceram estratégias que visavam a proteger as crianças. Uma delas foi a aproximação dos familiares. “Elas passaram a estabelecer acordos com irmãos, pais e padrinhos para que estes viessem a cuidar do filho caso elas morressem. Esse dado mostra o quanto é importante que os serviços de saúde que atendem essas mulheres também trabalhem na orientação dos seus familiares”, diz. Um outro ponto detectado pela autora da tese foi o fato da maioria das mulheres não receber apoio do parceiro, que não conseguiu lidar com a situação de soropositividade da companheira. Assim, muitas acabaram se separando, mas depois encontraram alguém que as aceitasse e incentivasse. Em poucos casos houve estreitamento no relacionamento original.
Uma das mulheres que participou da pesquisa viveu uma situação bastante interessante, na opinião da psicóloga. Antes de ter conhecimento de que era portadora de HIV, ela começou a enfrentar problemas no casamento. Algum tempo depois, a relação mostrou-se de fato inviável. Entretanto, enquanto os procedimentos para a separação estavam sendo adotados, o marido adoeceu. Posteriormente, foi constatada a sua soropositividade. Na seqüência, ela também tomou conhecimento de que era portadora do vírus. “Esse acontecimento serviu para reaproximar o casal, que decidiu ter um filho. Ambos passaram a tomar ainda mais cuidado com a saúde e a se apoiarem mutuamente. O resultado foi que o filho deles nasceu soronegativo”, afirma a psicóloga.
Segundo Eliana Hebling, as mulheres que tiveram filhos após tomarem ciência de que eram soropositivas viveram um drama em comum: a questão da amamentação. Para elas, se a maternidade era a essência da feminilidade, a amamentação era a essência da maternidade. O fato de não poderem oferecer o seio aos filhos, como medida de prevenção contra a transmissão do vírus aos bebês, sempre foi motivo de tristeza para elas. “Isso sem falar na pressão que a sociedade exerce sobre ato da amamentação. Ao serem questionadas por desconhecidos do motivo de não amamentarem seus filhos, essas mulheres se viam num beco sem saída: ou passavam por relapsas ou expunham a sua condição de soropositivas”, esclarece a autora da tese.
Um exemplo que ajuda a explicar a importância da maternidade para essas mulheres vem de outra personagem entrevistada por Eliana Hebling. Essa mulher, conforme a psicóloga, ficou sabendo que era portadora de HIV/Aids ao abrir imediatamente o resultado do exame que fora buscar no posto de saúde. Entretanto, quando foi pegar o exame para saber se o filho era ou não soropositivo, ela não teve coragem de lê-lo antes de estar na presença do médico. “A preocupação com o bem-estar da criança, para essas mulheres, começa antes da gravidez, passa pelo parto e segue pelo resto da vida”.
Justamente para evitar todas essas dores, dúvidas e preocupações é que algumas das mulheres ouvidas pela autora da tese escolheram não engravidar. Entretanto, todas elas já tinham pelo menos um filho quando receberam o diagnóstico de que eram portadoras de HIV. “Para estas, o desejo da maternidade já havia sido preenchido. Mas fiquei com a nítida impressão de que se elas já não fossem mães, possivelmente teriam optado pela gravidez, mesmo sabendo que eram soropositivas”, arrisca. A orientadora de Eliana Hebling foi a professora Ellen Elizabeth Hardy, professora do Departamento de Tocoginecologia da FCM.