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Unidade do Instituto de Química desenvolve 40 trabalhos, cujos investimentos somam US$ 3 milhões
A proteômica e os novos paradigmas
CLAYTON LEVY
A nova fronteira científica aberta pela proteômica está provocando uma corrida de pesquisadores ao Laboratório Thomson, no Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Coordenada pelo professor Marcos Eberlin, a unidade está colaborando atualmente com 40 trabalhos, que somam investimentos da ordem de US$ 3 milhões por ano. Desse total, 32 projetos foram apresentados por pesquisadores da própria Universidade, enquanto os demais são oriundos de outras instituições estaduais ou federais.
Laboratório tornou-se referência nacional
“Essa alta demanda pode ser atribuída ao fato de que nosso laboratório tornou-se uma referência nacional”, diz o doutorando Gustavo H.M.F. de Souza, que acompanha vários projetos na unidade. Considerado um dos mais bem equipados do país, o laboratório conta com sete espectrômetros de massas, equipamentos fundamentais para estudos na área de proteômica. “Esse número elevado de projetos é favorável à Universidade porque sempre resulta em artigos científicos de qualidade”, observa.
Considerada o futuro da biologia molecular, a proteômica estuda o conjunto de proteínas que pode ser encontrado numa célula. O termo “proteoma” foi originalmente cunhado para descrever o conjunto de proteínas codificadas pelo genoma. Proteínas são as complexas moléculas responsáveis por praticamente tudo que acontece em organismos vivos, desde a formação e a composição até a regulação e o funcionamento. Elas são montadas dentro do corpo com base na informação contida nos genes, e é a forma específica que adquirem depois de construídas que determina como (e se) vão atuar na célula.
A identificação da presença de proteínas específicas de um câncer, por exemplo, pode denunciar a ação de um tumor bem antes que ele se torne um problema incontornável. Isso sem falar nos possíveis usos no estudo de substâncias potencialmente nocivas ao organismo e no desenvolvimento de novos medicamentos. É exatamente o que Gustavo H.M.F. de Souza vem buscando em sua tese de doutorado em Farmacologia Bioquímica, desenvolvida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM). O pesquisador está usando a proteômica para chegar a novos fármacos potencialmente ativos para hipertensão e anestesia.
Há, porém, um diferencial no trabalho do doutorando. Em vez de analisar proteínas, ele está examinando os peptídios presentes no veneno. Compostos resultantes da união entre dois ou mais aminoácidos, os peptídios são fragmentos que compõem a estrutura da proteína. “Fomos um pouco mais fundo e estamos estudando o peptidoma”, diz. A idéia, segundo ele, é utilizar os peptídios seqüenciados como substratos para outras enzimas que, quando modificadas pelo DNA, podem causar doenças. “Os peptídios inativam estas enzimas e evitam que a doença ocorra, principalmente as metabólicas e genéticas”, explica.
Os estudos do proteoma têm-se desenvolvido principalmente através da separação das proteínas por eletroforese de gel bidimensional. Na primeira dimensão, as proteínas são separadas por focagem isoelétrica, que distingue as proteínas em função da sua carga. Na segunda dimensão, as proteínas são separadas por peso molecular. O gel é corado com azul de coomassie ou com prata para tornar as proteínas visíveis. Pontos no gel são proteínas que migraram para locais específicos. Mas é na espectrometria de massa que a proteômica tem encontrado uma de suas principais aliadas.
A técnica é comumente utilizada para “pesar” moléculas e, a partir disso, determinar os elementos presentes em uma amostra. O procedimento consiste em ionizar a molécula a ser pesada (arrancando ou doando elétrons, dando a ela carga positiva ou negativa) e então submetê-la a um campo elétrico, que faz com que ela se desloque. A identificação acontece a partir da observação de como a molécula interage com o campo e com qual velocidade se desloca, já que cada molécula deve ter características mais ou menos particulares (dependendo dos átomos que a compõem).
Até 1988 esta técnica estava limitada a moléculas que evaporavam facilmente, o que restringia o seu campo de ação. Moléculas consideradas muito pesadas, como as proteínas, não podiam ser analisadas. Naquele ano, porém, o químico norte-americano John Fenn descobriu a forma de transferir estas moléculas para a fase gasosa, através de uma técnica de ionização em espectrometria de massas denominada Electrospray. O feito rendeu a Fenn o Prêmio Nobel de Química em 2002, juntamente com o japonês Koichi Tanaka.
A inovação de Fenn foi conseguir o efeito de ionização recobrindo superficialmente a proteína de uma substância ácida a partir de um jato líquido “disparado” por um campo elétrico. A técnica é conhecida como ionização por electrospray. Ele conseguiu isso invertendo o processo até então utilizado, que consistia em primeiro evaporar a molécula, para depois ionizá-la. “Essa técnica já havia sido tentada mas não funcionava porque o resfriamento rápido impedia a ionização”, explica Eberlin. Fenn encontrou o meio de corrigir o problema, e a molécula, enfim, foi “ejetada”. “Isso mostra como em ciência os estudos fundamentais são importantes”, observa Eberlin. Também em 1998, Tanaka obteve o mesmo efeito de ionização, mas em vez de usar um spray líquido usou um gás. E, para dispará-lo, em vez de um campo elétrico, usou a energia de um laser.
Pesquisadores recorrem ao centro de análise
Embora a proteômica constitua uma das áreas de maior evidência atualmente, o Laboratório Thomson, no Instituto de Química da Unicamp, tem aplicado a espectrometria de massas nos mais variados campos do conhecimento. A técnica tem sido utilizada para o desenvolvimento de metodologias que permitem desde testes para gasolina adulterada até a diferenciação de produtos transgênicos. Após o surgimento do Electrospray, o laboratório comprou equipamentos com apoio da Fapesp e transformou-se num dos principais e mais completos centros para análise de moléculas. O efeito foi imediato. “Passamos a ser procurados por pesquisadores de todas as áreas”, diz o diretor do laboratório e presidente da Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas, professor Marcos Eberlin.
Recentemente, a equipe capitaneada por Eberlin concluiu o desenvolvimento de uma metodologia pioneira capaz de diferenciar as sojas transgênica, normal e orgânica. Pelo novo método, a caracterização dos diferentes cultivares do grão é feita em apenas 30 segundos, com altíssimo grau de precisão. A descoberta, conforme os especialistas, poderá ajudar o Brasil a certificar a origem do alimento, exigência cada vez maior por parte dos países importadores. “Nós estamos sempre interessados em bons problemas, para que possamos correr atrás de boas soluções”, afirma o docente.
No caso da soja, quem propôs o problema foi o cientista de alimentos Rodrigo Ramos Catharino, que desenvolve sua pesquisa de pós-doutorado no IQ. Seu objetivo era precisamente conceber uma metodologia que identificasse de forma rápida e precisa os diferentes tipos de soja. Desafio sugerido, os pesquisadores, com a participação do químico Leonardo Silva Santos, começaram a buscar respostas a partir do uso do espectrômetro de massas, equipamento bastante versátil e que é empregado em vários estudos envolvendo a química. Depois de incontáveis ensaios, os especialistas chegaram a um método relativamente simples, que parte da análise do extrato de isoflavonas, substâncias que conferem propriedades funcionais à soja. Estas também são conhecidas como fitoestrógenos, por apresentarem semelhança estrutural com os hormônios estrogênicos, encontrados em maior concentração nas mulheres.
Outro trabalho que obteve grande repercussão foi um método (já patenteado) para detectar adulterações através da adição de solventes à gasolina, desenvolvido pelos colaboradores Renato Haddad e Regina Sparrapam: são testes simples, com resultado quase instantâneo e que pode inviabilizar esta prática ilícita no mercado de combustíveis. Para ilustrar o método, Eberlin recorre ao teste usual em que se adiciona água à gasolina para medir o teor de álcool anidro e que o posto é obrigado a realizar caso o cliente solicite. “Realizado esse teste do álcool, que é muito simples, poucos microlitros da mesma água, injetados em nosso equipamento, são suficientes para detectar também a presença de solventes como aguarrás e querosene, mesmo a baixos teores como 1% ou 2%”.
Na mesma linha, o laboratório, com a colaboração dos pesquisadores Jens Moller, Rodrigo Ramos Catharino e Alexandra Sawaya, também desenvolveu novas metodologias para identificar eventuais adulterações em bebidas alcoólicas. Em um ou dois minutos o teste tem condições de dizer com 100% de segurança se uma amostra de uísque, cachaça ou vinho foi fraudada ou não. “A realização destes trabalhos deve-se não apenas aos equipamentos de última geração mas também à excelência de nossa equipe”, ressalta o diretor do laboratório.
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Prêmio Nobel participa de congresso
O norte-americano John Fenn, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Química em 2002, será a principal estrela do 1º Congresso Brasileiro de Espectrometria de Massas, que acontece de 20 a 22 de novembro, em Campinas. Considerado um dos “papas” da espectrometria de massas, Fenn, de 88 anos, dividiu o prêmio de US$ 1 milhão com o japonês Koichi Tanaka, pelo desenvolvimento da técnica que permitiu “radiografar, pesar e medir” as proteínas. O feito, que está permitindo desvendar a complexa rede de interações químicas responsáveis pelo fenômeno da vida, também abriu caminho para a futura cura de doenças como o câncer.
“Queremos reunir os pesquisadores que atuam nessa área para exposição de trabalhos e troca de idéias”, diz o professor Marcos Eberlin, diretor do Laboratório Thomson, no Instituto de Química da Unicamp, e presidente da Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas, organizadora do evento. Segundo ele, o objetivo do evento é promover e disseminar o conhecimento sobre aplicação, pesquisa e desenvolvimento da espectrometria de massas, uma técnica de análise instrumental da química em que se visualiza com precisão o universo molecular, entre pesquisadores nacionais e internacionais.
Além de John Fenn, participarão do congresso nomes dos mais renomados em MS como o prof. R. Graham Cooks (Purdue University:Mass Spectrometry: New Equipments, New Applications); John Yates (The Scripps Research Institute:Mass Spectrometry Driven Biological Discovery); Alan Marshall (Florida State University: Accurate Mass Measurement:Taking Full Analytical Advantage of Nature’s Isotopic Complexity); e Dominic Desiderio (University of Tenneessee: Mass Spectrometry Tools for Biomolecules), além dos principais pesquisadores e profissionais da área no Brasil. O evento ocorrerá no hotel The Royal Palm Plaza.
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