Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 310 - de 28 de novembro a 4 de dezembro de 2005
Leia nesta edição
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O tamanho do preconceito
DIU
Rabiscos na França
Produção de fármacos
Bacia do Piçarrão
Utopia e Renascimento
Nas bancas
Mortadela e salsicha de tilápia
Ecologia: teoria deve se
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Estudo da Unicamp é endereçado a médicos que trocam
o dispositivo intrauterino antes dos 10 anos de validade

Grupo de mulheres usa o mesmo DIU
por 16 anos, sem troca e sem gravidez




O professor Luis Bahamondes, coordenador do estudo: "O DIU é um método cuja eficácia não depende da usuária" (Foto: Antoninho Perri)O dispositivo intrauterino (DIU) com cobre – única versão distribuída no Brasil e denominada TCu 380A – é um contraceptivo de longuíssimo prazo e de altíssima eficácia, e que pode ser usado pelo menos durante dez anos, sem necessidade de troca. Este prazo de validade está comprovado e regulamentado tanto pela rigorosa FDA (Food and Drug Administration) americana como pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) brasileira. Ainda assim, muitos médicos do nosso sistema de saúde, ignorando a norma, promovem a troca do DIU a cada três ou quatro anos, o que praticamente triplica o número de intervenções, acarretando maiores gastos para o setor público e onerando pacientes do setor privado.

Pesquisa foi feita com 228 mulheres

Esses médicos devem saber, agora, que o uso do TCu 380A pode ser estendido não por dez, mas por até 16 anos. É o que mostra um estudo realizado no Ambulatório de Reprodução Humana da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, parcialmente financiado pela Fapesp e publicado na revista Contraception. “A pesquisa envolveu 228 mulheres, todas acima de 35 anos de idade e que usavam o DIU havia dez anos. Propusemos a elas que permanecesse com o mesmo dispositivo por mais seis anos. A combinação da baixa fertilidade nesta faixa etária e da alta eficácia deste método contraceptivo resultou em gravidez zero entre as usuárias”, afirma o professor Luis Bahamondes, que coordenou o estudo e assina o artigo.

As evidências encontradas na pesquisa estão expressas em comunicado enviado ao Ministério da Saúde, não com o intuito de propor o uso do DIU por 16 anos, segundo o professor, mas para que as autoridades reforcem ao menos o cumprimento do prazo de 10 anos junto aos médicos brasileiros. “Depois dos 35 anos, a mulher poderia manter o contraceptivo até a menopausa. O estudo serve como parâmetro para o Ministério e transmite uma mensagem clara aos médicos de que é possível seguir a norma com toda a segurança”, acrescenta o professor do Departamento de Tocoginecologia da FCM. Ele avalia que o TCu 380A custa cerca de 2 dólares a unidade para o setor público, enquanto que no setor privado o preço do dispositivo varia e vem acrescido dos honorários médicos.

Eficácia – O TCu 380A é um pequeno objeto de plástico em forma de “T”, com 380mm quadrados de cobre enrolados nas hastes horizontal e vertical. Depois de um exame ginecológico cuidadoso para verificar a posição do útero, o médico pinça o colo uterino para inserir o DIU, o que é feito com um fino tubo de plástico que funciona como aplicador. Dois fios que saem pelo colo e permanecem na vagina permitem controlar se o dispositivo está no lugar correto. “O cobre tem o poder de imobilizar os espermatozóides, reduzindo a possibilidade de fertilização do óvulo”, explica Bahamondes.

Estima-se que o dispositivo intrauterino seja utilizado por 100 milhões de mulheres no mundo, com um índice baixíssimo de gravidez, aproximadamente de 3 casos por 1.000 usuárias. No caso da pílula anticoncepcional, este índice deveria ser teoricamente de 0,1%, mas na prática a gravidez chega a 5% e até 12%. “A pílula é um excelente contraceptivo. Ocorre que tomar um medicamento todos os dias é um ato de disciplina. Se você comprar 28 comprimidos de antibiótico, porque lhe receitaram um a cada seis horas, por sete dias, é normal que sobrem algumas drágeas no frasco quando o tratamento deveria ter terminado. Para a mulher, dois dias sem a pílula aumentam bastante o risco de gravidez. O DIU é um método cuja eficácia não depende da usuária”, observa o médico.

Também é verdade, porém, que cerca de 14% das mulheres com DIU apresentam aumento do sangramento menstrual, freqüentemente acompanhado de dor, exigindo sua remoção. Outros 3% expelem o dispositivo, a maioria no primeiro ano de uso, porque são mais jovens ou nunca tiveram filhos, ou ainda porque têm menstruações dolorosas ou volume anormal de fluxo menstrual. Apesar disso, o DIU é usado por mais tempo do que outros métodos anticoncepcionais. Estudos multicêntricos realizados em países em desenvolvimento indicaram que entre 70 e 90 usuárias, em cada 100, mantiveram o dispositivo um ano depois da colocação. Outro levantamento, da OMS, mostrou que o TCu-380A era preservado por 44% das mulheres depois de sete anos.

Prevalência – O dispositivo intrauterino é pouco disseminado no Brasil. Na memória de Bahamondes vêm de pronto os exemplos do Chile, França e países escandinavos, onde mais de 25% das mulheres que adotam métodos contraceptivos recorrem ao DIU. “A busca do que chamamos de ‘contracepção de longo tempo’, a baixíssimo custo e poucas implicações, é uma questão sobretudo cultural. As vantagens são várias. Para citar apenas uma delas, pensemos na mulher que inicia as relações sexuais aos 18 anos, tem dois filhos e entra na menopausa aos 50 anos. Nesses 32 anos, descontando os períodos em que tenta engravidar, de gestação e de amamentação, ela precisa de 28 anos de anticoncepção, tomando pílulas ou injeções intramusculares todos os dias. Então, por que não optar por um método de longo alcance?”, questiona.

O próprio professor aponta diferentes razões da baixa prevalência, além da cultural, como a falta de capacitação para a inserção do contraceptivo e o ritmo de trabalho imposto aos profissionais da rede pública. “O médico do centro de saúde atende a 16 mulheres em quatro horas. É muito mais rápido e fácil prescrever uma pílula do que colocar o dispositivo intrauterino. Outro detalhe: quando a paciente se dá mal com a pílula ou injeção, a culpa é do laboratório; quando ela se dá mal com o DIU, as conseqüências recaem sobre quem fez a intervenção médica”, compara. Luis Bahamondes fala ainda dos mitos que assustam as mulheres, um deles de que o DIU se desloca para outras partes do corpo, como coração e cérebro. “Há quem acredite que se o método falhar e ocorrer a gravidez, o bebê vai sair com o DIU na mão”.