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Estudo com quatro tipos de árvores revelam sua eficácia em algum nível de atividade antitumoral
Pesquisadores testam resíduos de madeira na produção de fármacos
O Brasil, a cada ano, cerca de 10 milhões de toneladas de resíduos de madeiras são descartadas ou, quando muito, queimadas em substituição ao carvão. Graças a um estudo conduzido por pesquisadores do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, este material pode ganhar uma função bem mais nobre: fornecer insumos para a produção de novos fármacos destinados ao tratamento do câncer. Embora as pesquisas ainda estejam no início, os resultados preliminares indicam que os especialistas estão no caminho certo.
Uma das linhas de pesquisa do CPQBA compreende justamente a triagem de plantas com propriedades medicinais. Dentro desta, há um segmento que se ocupa de investigar aquelas que porventura possam conter substâncias anticancerígenas. O trabalho com os resíduos de madeiras foi realizado pela farmacêutica Luciana Jankowsky para a sua dissertação de mestrado. A idéia nasceu do seu contato com os professores José Otávio Brito e Ivaldo Jankowsky, ambos do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP), que desenvolvem estudos junto a madeireiros legalizados. O segundo, como o sobrenome indica, é pai de Luciana.
De acordo com o professor João Ernesto de Carvalho, orientador da dissertação, o trabalho da sua aluna consistiu em usar os resíduos de madeiras (lascas e pedaços do troco) para a obtenção de um extrato retirado do cerne da planta. Isso é feito da seguinte forma. Primeiro, a madeira é separa e moída. Em seguida, o pó é misturado a um solvente, medida que permite a extração de compostos com polaridades diferentes. O processo de extração foi realizado na Esalq pelo grupo do professor Brito e na Divisão de Fitoquímica do CPQBA pela pesquisadora Mary Ann Foglio. Por último, essas substâncias têm a sua atividade farmacológica analisada. Luciana trabalhou com quatro espécies diferentes de árvores, todas nativas brasileiras: ipê roxo, cabreúva vermelha, sucupira e cumaru. Todas elas, conforme a farmacêutica, demonstram algum nível de atividade antitumoral.
Para chegar a essa conclusão, a pesquisadora trabalhou com nove linhagens de células tumorais humanas, fornecidas pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. O extrato obtido das madeiras foi aplicado em quatro concentrações diferentes nessas células, para identificar qual deles inibia o crescimento ou provocava a morte celular. Os resultados dos experimentos, afirma Luciana, foram satisfatórios. “O ipê, por exemplo, teve boa atividade e provocou a morte celular”. O professor João Ernesto explica que um dos desafios desse tipo de pesquisa é verificar se há algum grau de seletividade na ação dessas substâncias.
Ocorre, segundo ele, que as células cancerígenas são muito semelhantes às células sadias. Assim, o objetivo dos pesquisadores é chegar a uma substância que mate as células tumorais, mas conserve as saudáveis. “Se a substância não tem essa propriedade, provavelmente ela tem uma toxicidade inespecífica”, diz. Ainda conforme o docente, cada extrato retirado das madeiras tem uma centena de componentes. O próximo passo da pesquisa, desse modo, é separar cada um deles para tentar identificar qual é o princípio ativo que ajuda a combater o câncer. “Ainda temos um longo caminho a trilhar antes de alcançarmos essa meta. Todavia, as pesquisas realizadas até aqui são muito promissoras”, analisa.
Além de investigar a propriedade anticancerígena dos extratos das madeiras, Luciana realizou outros tipos de experimentos com essas substâncias, sobretudo a extraída da cabreúva vermelha. Em testes feitos com camundongos, o extrato dessa árvore produziu um acentuado efeito depressor do sistema nervoso central desses animais. Ou seja, provocou a anestesia geral das cobaias. Em outro teste, a substância potencializou o efeito depressivo do éter etílico. “Apenas com o uso do extrato, os animais dormiram por três horas e meia. Ao ser associado ao éter, o efeito anestésico foi prolongado. Um dado positivo é que todos os camundongos voltaram. Não houve um óbito sequer”, afirma Luciana.
A autora da dissertação também testou o efeito analgésico do extrato da cabreúva vermelha, e constatou que ele é semelhante ao causado pela morfina. “Isso ocorre, possivelmente, por causa da depressão do sistema nervoso central”, inferem Luciana e João Ernesto. Por fim, a pesquisadora analisou se a substância tinha ou não a capacidade de inibir a úlcera gástrica nos animais de laboratório. Para isso, ela utilizou dois modelos distintos, provocando a doença nos camundongos por meio da administração de altas doses de álcool e de antiinflamatórios. “O que nós apuramos é que o extrato ajuda a reduzir a produção do ácido gástrico. Agora nos resta investigar como isso ocorre”, esclarece Luciana.
Estudos desse tipo revestem-se de dois aspectos importantes, no entender do professor João Ernesto. Primeiro, ajudam a formar profissionais extremamente qualificados. “Aqui, nossos alunos colocam a mão na massa e aprendem a atuar nas diversas fases que envolvem a pesquisa”, afirma. Ademais, contribuem para o avanço científico e tecnológico do país, que tende a tornar-se cada vez menos dependente do conhecimento externo. Há, ainda, um terceiro elemento que merece destaque em relação ao trabalho realizado por Luciana. Caso ele venha a contribuir para o desenvolvimento de algum fármaco no futuro, é bem possível que também favoreça a geração de emprego e renda, bem como colabore com eventuais programas voltados à exploração sustentável da madeira brasileira. A dissertação contou com o financiamento da Capes, CNPq e Fapesp.