Apesar da contribuição do seu trabalho às pesquisas vencedoras do mais relevante prêmio científico mundial, o professor Cabrera, um chileno de coração brasileiro, não demonstra qualquer vaidade. Ao contrário, prefere relativizar a sua participação. “Recebi a notícia do Nobel com satisfação, pois demonstra que a área à qual tenho me dedicado há algumas décadas está sendo reconhecida. Pessoalmente, sinto-me gratificado, mas é preciso destacar que os dois pesquisadores premiados foram fundamentais para o desenvolvimento da GMR”, afirma. Docente do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), Cabrera começou a estudar temas relacionados à GMR em 1974, dois anos antes de se transferir para a Unicamp.
À época, ele participava de uma linha de pesquisa que se ocupava de investigar o transporte de materiais magnéticos. “Quanto comecei a me envolver com esse assunto, a magneto-resistência já era aplicada comercialmente em técnicas de gravação de dados. Buscava-se, porém, um efeito que permitisse compactar ainda mais a informação. A magneto-resistência gigante só viria a ser descoberta em 1988, por meio de trabalhos simultâneos, mas sem colaboração mútua, realizados por Fert e Grünberg”, explica Cabrera.
O grande feito dos ganhadores do Nobel, conforme o professor da Unicamp, foi produzir um sistema formado por múltiplas camadas de materiais magnéticos e não-magnéticos, controlando a configuração magnética e a resistência elétrica com campos magnéticos externos. Dito de outro modo, a GMR significa uma grande mudança da resistência elétrica com a aplicação do campo magnético. A descoberta permitiu, por exemplo, a ampliação do espaço de armazenamento em discos rígidos de computadores e a conseqüente redução de seu tamanho. Além disso, abriu caminho para a popularização de discos rígidos portáteis, como os encontrados em telefones celulares e tocadores de MP3. “Possibilitou, ainda, o surgimento da ‘spintrônica’, uma espécie de nova eletrônica baseada no grau de liberdade intrinsecamente quântico chamado de ‘spin’ das partículas que formam a matéria”, acrescenta Cabrera.
Um dado curioso é que as medições que detectaram a magneto-resistência gigante contaram com a participação de um brasileiro, o também físico Mário Norberto Baibich, atualmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Naquela oportunidade, Baibich trabalhava no laboratório comandando por Fert, na Universidade de Paris-Sul. Em entrevista publicada recentemente pela imprensa, ele contou como foi sua participação nos experimentos que levaram à identificação da GMR: “O pessoal estava testando as multicamadas e me interessei, estimulado por Fert, em medir a magneto-resistência das camadas. Peguei os resultados, levei-os ao Fert e, numa noite de inspiração, conseguimos achar a explicação para o fenômeno que acabou se mostrando correta”. Após o anúncio da premiação, o professor Cabrera trocou e-mails com Baibich, que aparece como o autor principal do artigo sobre a descoberta, para cumprimentá-lo. “Ainda não tive oportunidade de travar contato com o Fert, mas ainda penso em fazê-lo”, afirma o docente da Unicamp.
Questionado se o fato de dois pesquisadores sul-americanos terem tido participação nas pesquisas que conquistaram o Nobel de Física representaria um reconhecimento à ciência feita abaixo do Equador, Cabrera considerou que a despeito dos avanços obtidos nos últimos anos, a América do Sul ainda precisa desenvolver-se mais para participar dos chamados grandes estudos científicos. “De alguma forma, ainda nos ressentimos de pessoal e de infra-estrutura adequada. Mas penso que o que mais nos falta é um programa efetivo e duradouro de financiamento à ciência. Embora possa parecer para alguns, a ciência não é um luxo. Os países desenvolvidos só conquistaram essa condição graças, entre outros fatores, à produção científica e ao conseqüente desenvolvimento tecnológico”, analisa.
No Brasil, acrescenta Cabrera, um programa bem-sucedido é o da pós-graduação, principalmente no que se refere ao sistema de concessão de bolsas de estudos. “Não há pararelo na América Latina. Entretanto, considero que ainda podemos melhorar o financiamento à ciência como um todo, de modo que o país se torne competitivo internacionalmente e agregue valor aos seus produtos. Até aqui, as universidades é que têm cumprido o duplo papel de formar pessoal e promover o desenvolvimento tecnológico, mas esse modelo não é o ideal”, afirma. Atualmente, o docente do IFGW tem dado prosseguimento aos estudos em torno da GMR, mas também está envolvido com outros temas.
Um deles é o transporte quântico magnético, uma área considerada pelo próprio físico como “bastante promissora”. As pesquisas desenvolvidas por Cabrera contam com a colaboração de um ex-aluno dele de pós-graduação, César Augusto Dartora, hoje docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Espera-se que as pesquisas nesse campo levem futuramente ao desenvolvimento do computador quântico, que, comparado aos equipamentos convencionais, deverá ter maior capacidade para processar e armazenar dados. “Ainda estamos relativamente longe disso, mas não podemos perder o objetivo de vista”. De acordo com Cabrera, o limite para o armazenamento de dados parece ser o átomo.
Atualmente, as soluções investigadas estão aquém disso, na chamada dimensão nanométrica. Um nanômetro equivale à bilionésima parte do metro. Mas há quem já tenha dito que chegará o dia em que toda a história da humanidade poderá ser inscrita num dispositivo do tamanho da cabeça de um alfinete. “Não sei se será exatamente assim. De toda forma, o desafio da ciência não está somente em compactar e armazenar a informação, mas também em recuperá-la, em lê-la”, ressalva o docente da Unicamp. Caso isso venha a acontecer, não será surpresa se o responsável pelo feito também for cogitado para receber o Nobel.
Pelo telefone Um dos agraciados com o Prêmio Nobel de Física de 2007, o francês Albert Fert, 69 anos, foi comunicado da distinção por meio de uma ligação feita para o seu telefone celular. “Quando senti o telefone vibrar no meu bolso, deixei a sala de reunião para atender. Percebi que se tratava de uma ligação da Fundação Nobel. Faltavam 15 minutos para a divulgação oficial, então senti que poderia ser algo no sentido da premiação. Mas aguardei para ouvir a informação, até porque não era muito fácil entender o sotaque sueco. Quando fui informado, me senti recompensado. Quando comecei a pesquisar, não tinha tanta confiança em mim. Sempre pensamos que tudo está feito, e de repente vemos que há muito a ser feito. É fantástico”, afirmou, durante entrevista coletiva concedida em Paris.
Sobre a possibilidade de o Brasil vir a fazer parte do seleto grupo de países que fazem pesquisa de ponta em sua área de atuação, Fert considerou tratar-se de um objetivo difícil de ser alcançado. “A pesquisa na área da Física vem se tornando cada vez mais cara em todo o mundo. O que é difícil para países ricos é ainda mais para os outros países. Mas o Brasil é uma nação que caminha no bom sentido. Claro que a competição com os Estados Unidos ou o Japão é muito difícil, porque como disse o desenvolvimento da ciência está mais caro. Nós, na França, temos dificuldades de competir com os japoneses, por exemplo. O investimento que eles fazem é muito elevado”
O alemão Peter Grünberg, de 68 anos, estava em seu escritório quando foi avisado do prêmio pelos promotores do Nobel. “Estava na expectativa porque se sabe que a ligação de Estocolmo chega, geralmente, por volta das 11h30”, afirmou o cientista, de forma bem-humorada. Embora tenha descoberto a GMR simultaneamente a Fert, o alemão foi quem a patenteou. Grünberg trabalha desde 1972 no Instituto de Pesquisa de Estado Sólido do Centro de Pesquisas de Jülich. Questionado sobre se vale a pena pesquisar na Alemanha, ele respondeu: “Sim, definitivamente”. O pesquisador informou que destinaria parte do prêmio (1,42 milhão de euros) para sua família e utilizaria o restante para que “finalmente possa pesquisar sem ter que fazer um pedido de ajuda de pesquisa para qualquer bagatela”.
O que é o fenômeno
Instigado a explicar a magneto-resistência gigante de forma didática, Fert a descreveu da seguinte forma: “Trata-se de um fenômeno resultante da superposição de camadas atômicas de dois materiais, um magnético e outro não cobalto e cobre, por exemplo. Essas multicamadas apresentam a propriedade de, ao entrarem em contato com um campo magnético, permitir a passagem de correntes de uma forma muito mais fácil. Logo, podemos utilizá-las para detectar o campo magnético em um disco rígido. Com essa ‘cabeça de leitura’ de grande sensibilidade, detectamos campos magnéticos muito menores e inscrições também muito menores. Assim, podemos armazenar mais informação em um disco”.