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Estudo teórico de docente do IFGW ajudou a
estabelecer conceitos que explicam o fenômeno

O pioneirismo de Guillermo Cabrera no
campo da magneto-resistência gigante

MANUEL ALVES FILHO

O físico Guillermo Cabrera: “Penso que o que mais nos falta é um programa efetivo e duradouro de financiamento à ciência”  (Foto: Antoninho Perri)As pesquisas sobre magneto-resistência gigante (GMR na sigla em inglês) que asseguraram o Prêmio Nobel de Física de 2007 ao francês Albert Fert e ao alemão Peter Grünberg contaram com a colaboração de um professor da Unicamp, o físico Guillermo Cabrera. Estudo teórico desenvolvido por ele em 1974, quando realizava o doutorado na Universidade da Califórnia, no campus de Berkeley, ajudou a estabelecer os conceitos que explicariam os efeitos da GMR. O trabalho original de Fert, datado de agosto de 1988, faz referências às investigações de Cabrera. Os papers dos pesquisadores agraciados com o Nobel podem ser conferidos no sítio eletrônico da American Physical Society, no endereço www.aps.org.

Estudos começaram nos EUA em 1974

Apesar da contribuição do seu trabalho às pesquisas vencedoras do mais relevante prêmio científico mundial, o professor Cabrera, um chileno de coração brasileiro, não demonstra qualquer vaidade. Ao contrário, prefere relativizar a sua participação. “Recebi a notícia do Nobel com satisfação, pois demonstra que a área à qual tenho me dedicado há algumas décadas está sendo reconhecida. Pessoalmente, sinto-me gratificado, mas é preciso destacar que os dois pesquisadores premiados foram fundamentais para o desenvolvimento da GMR”, afirma. Docente do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), Cabrera começou a estudar temas relacionados à GMR em 1974, dois anos antes de se transferir para a Unicamp.

À época, ele participava de uma linha de pesquisa que se ocupava de investigar o transporte de materiais magnéticos. “Quanto comecei a me envolver com esse assunto, a magneto-resistência já era aplicada comercialmente em técnicas de gravação de dados. Buscava-se, porém, um efeito que permitisse compactar ainda mais a informação. A magneto-resistência gigante só viria a ser descoberta em 1988, por meio de trabalhos simultâneos, mas sem colaboração mútua, realizados por Fert e Grünberg”, explica Cabrera.

O grande feito dos ganhadores do Nobel, conforme o professor da Unicamp, foi produzir um sistema formado por múltiplas camadas de materiais magnéticos e não-magnéticos, controlando a configuração magnética e a resistência elétrica com campos magnéticos externos.  Dito de outro modo, a GMR significa uma grande mudança da resistência elétrica com a aplicação do campo magnético. A descoberta permitiu, por exemplo, a ampliação do espaço de armazenamento em discos rígidos de computadores e a conseqüente redução de seu tamanho. Além disso, abriu caminho para a popularização de discos rígidos portáteis, como os encontrados em telefones celulares e tocadores de MP3. “Possibilitou, ainda, o surgimento da ‘spintrônica’, uma espécie de nova eletrônica baseada no grau de liberdade intrinsecamente quântico chamado de ‘spin’ das partículas que formam a matéria”, acrescenta Cabrera.

Um dado curioso é que as medições que detectaram a magneto-resistência gigante contaram com a participação de um brasileiro, o também físico Mário Norberto Baibich, atualmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Naquela oportunidade, Baibich trabalhava no laboratório comandando por Fert, na Universidade de Paris-Sul. Em entrevista publicada recentemente pela imprensa, ele contou como foi sua participação nos experimentos que levaram à identificação da GMR: “O pessoal estava testando as multicamadas e me interessei, estimulado por Fert, em medir a magneto-resistência das camadas. Peguei os resultados, levei-os ao Fert e, numa noite de inspiração, conseguimos achar a explicação para o fenômeno que acabou se mostrando correta”. Após o anúncio da premiação, o professor Cabrera trocou e-mails com Baibich, que aparece como o autor principal do artigo sobre a descoberta, para cumprimentá-lo. “Ainda não tive oportunidade de travar contato com o Fert, mas ainda penso em fazê-lo”, afirma o docente da Unicamp.

Questionado se o fato de dois pesquisadores sul-americanos terem tido participação nas pesquisas que conquistaram o Nobel de Física representaria um reconhecimento à ciência feita abaixo do Equador, Cabrera considerou que a despeito dos avanços obtidos nos últimos anos, a América do Sul ainda precisa desenvolver-se mais para participar dos chamados grandes estudos científicos. “De alguma forma, ainda nos ressentimos de pessoal e de infra-estrutura adequada. Mas penso que o que mais nos falta é um programa efetivo e duradouro de financiamento à ciência. Embora possa parecer para alguns, a ciência não é um luxo. Os países desenvolvidos só conquistaram essa condição graças, entre outros fatores, à produção científica e ao conseqüente desenvolvimento tecnológico”, analisa.

No Brasil, acrescenta Cabrera, um programa bem-sucedido é o da pós-graduação, principalmente no que se refere ao sistema de concessão de bolsas de estudos. “Não há pararelo na América Latina. Entretanto, considero que ainda podemos melhorar o financiamento à ciência como um todo, de modo que o país se torne competitivo internacionalmente e agregue valor aos seus produtos. Até aqui, as universidades é que têm cumprido o duplo papel de formar pessoal e promover o desenvolvimento tecnológico, mas esse modelo não é o ideal”, afirma. Atualmente, o docente do IFGW tem dado prosseguimento aos estudos em torno da GMR, mas também está envolvido com outros temas.

Um deles é o transporte quântico magnético, uma área considerada pelo próprio físico como “bastante promissora”. As pesquisas desenvolvidas por Cabrera contam com a colaboração de um ex-aluno dele de pós-graduação, César Augusto Dartora, hoje docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Espera-se que as pesquisas nesse campo levem futuramente ao desenvolvimento do computador quântico, que, comparado aos equipamentos convencionais, deverá ter maior capacidade para processar e armazenar dados. “Ainda estamos relativamente longe disso, mas não podemos perder o objetivo de vista”. De acordo com Cabrera, o limite para o armazenamento de dados parece ser o átomo.

Atualmente, as soluções investigadas estão aquém disso, na chamada dimensão nanométrica. Um nanômetro equivale à bilionésima parte do metro. Mas há quem já tenha dito que chegará o dia em que toda a história da humanidade poderá ser inscrita num dispositivo do tamanho da cabeça de um alfinete. “Não sei se será exatamente assim. De toda forma, o desafio da ciência não está somente em compactar e armazenar a informação, mas também em recuperá-la, em lê-la”, ressalva o docente da Unicamp. Caso isso venha a acontecer, não será surpresa se o responsável pelo feito também for cogitado para receber o Nobel.

Pelo telefone – Um dos agraciados com o Prêmio Nobel de Física de 2007, o francês Albert Fert, 69 anos, foi comunicado da distinção por meio de uma ligação feita para o seu telefone celular. “Quando senti o telefone vibrar no meu bolso, deixei a sala de reunião para atender. Percebi que se tratava de uma ligação da Fundação Nobel. Faltavam 15 minutos para a divulgação oficial, então senti que poderia ser algo no sentido da premiação. Mas aguardei para ouvir a informação, até porque não era muito fácil entender o sotaque sueco. Quando fui informado, me senti recompensado. Quando comecei a pesquisar, não tinha tanta confiança em mim. Sempre pensamos que tudo está feito, e de repente vemos que há muito a ser feito. É fantástico”, afirmou, durante entrevista coletiva concedida em Paris.

Sobre a possibilidade de o Brasil vir a fazer parte do seleto grupo de países que fazem pesquisa de ponta em sua área de atuação, Fert considerou tratar-se de um objetivo difícil de ser alcançado. “A pesquisa na área da Física vem se tornando cada vez mais cara em todo o mundo. O que é difícil para países ricos é ainda mais para os outros países. Mas o Brasil é uma nação que caminha no bom sentido. Claro que a competição com os Estados Unidos ou o Japão é muito difícil, porque como disse o desenvolvimento da ciência está mais caro. Nós, na França, temos dificuldades de competir com os japoneses, por exemplo. O investimento que eles fazem é muito elevado”

O alemão Peter Grünberg, de 68 anos, estava em seu escritório quando foi avisado do prêmio pelos promotores do Nobel. “Estava na expectativa porque se sabe que a ligação de Estocolmo chega, geralmente, por volta das 11h30”, afirmou o cientista, de forma bem-humorada. Embora tenha descoberto a GMR simultaneamente a Fert, o alemão foi quem a patenteou.  Grünberg trabalha desde 1972 no Instituto de Pesquisa de Estado Sólido do Centro de Pesquisas de Jülich. Questionado sobre se vale a pena pesquisar na Alemanha, ele respondeu: “Sim, definitivamente”. O pesquisador informou que destinaria parte do prêmio (1,42 milhão de euros) para sua família e utilizaria o restante para que “finalmente possa pesquisar sem ter que fazer um pedido de ajuda de pesquisa para qualquer bagatela”.

O que é o fenômeno

Instigado a explicar a magneto-resistência gigante de forma didática, Fert a descreveu da seguinte forma: “Trata-se de um fenômeno resultante da superposição de camadas atômicas de dois materiais, um magnético e outro não – cobalto e cobre, por exemplo. Essas multicamadas apresentam a propriedade de, ao entrarem em contato com um campo magnético, permitir a passagem de correntes de uma forma muito mais fácil. Logo, podemos utilizá-las para detectar o campo magnético em um disco rígido. Com essa ‘cabeça de leitura’ de grande sensibilidade, detectamos campos magnéticos muito menores e inscrições também muito menores. Assim, podemos armazenar mais informação em um disco”.

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