São os avanços na medicina que vêm contribuindo decisivamente para o aumento da população idosa no mundo. Mas a preocupação de Laura Ward se justifica quando a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) informa possuir, atualmente, menos de 3 mil associados, o que significa apenas um especialista para quase 4 milhões de idosos.
“Três mil é o número de endocrinologistas, que tratam de doenças bem mais específicas. Deveríamos ter pelo menos dez mil geriatras, o equivalente ao quadro da clínica médica no país. Vamos precisar de quem nos trate no futuro, mas estamos formando poucas pessoas capacitadas a cuidar do indivíduo idoso”, adverte a professora.
Vem daí o certo inconformismo de Laura Ward com o fato de que mesmo a Unicamp, uma referência na formação de profissionais da saúde, ainda não possa oferecer um curso específico de geriatria, por falta de espaço na grade curricular de medicina. Faz tempo que ela luta pela criação da residência na especialidade, a exemplo de USP e Unifesp, que sustentam cursos já tradicionais.
Como parte deste empenho, a professora da FCM montou há cinco anos um curso de especialização em geriatria e gerontologia, aberto a alunos de graduação em medicina e a outros profissionais que assistem ao idoso enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais. “A intenção era aglutinar pessoas e formar o núcleo da geriatria da Unicamp”.
A característica multidisciplinar do curso, que é promovido através da Escola de Extensão da Unicamp, tem atraído pessoas de todo o interior de São Paulo e de estados próximos. A grande procura, na opinião de Laura Ward, evidencia a carência de cursos de bom nível na área. “Temos capacidade para 80 alunos e, todos os anos, é preciso selecioná-los entre 150 ou 200 candidatos”.
A professora explica que o curso possui enfoque principalmente geriátrico (referente à parte médica), mas também aborda a gerontologia (os demais cuidados ao idoso), pois ambos não podem estar desvinculados. São 400 horas de aulas formais, mais o tempo exigido dos alunos para pesquisas. “Eles devem apresentar uma monografia para obter o diploma de especialização”.
Dentre dezenas de temas de pesquisa para 2007, encontramos: política nacional do idoso, idoso na sociedade, biologia do envelhecimento, déficit cognitivo e demências, delírio, depressão e ansiedade, instabilidade postural e quedas, problemas cardiológicos, sono do idoso, sexualidade, nutrição, e assim por diante.
A docente da FCM pretende transformar em livro as monografias produzidas no curso, mas precisa arrumar tempo para isso, pois recebe perto de 40 trabalhos por ano, todos de boa qualidade alguns publicados por importantes revistas médicas. “Muitos alunos, empolgados com a pesquisa, partem para a pós-graduação”.
Ambulatório Com o aumento da expectativa de vida, patologias como o AVC (acidente vascular cerebral), o Alzheimer e o mal de Parkinson que acometem especificamente os idosos tornam-se cada vez mais comuns. Por isso, paralelamente ao curso, Laura Ward ajudou a viabilizar a montagem do Ambulatório de Geriatria, onde uma equipe multidisciplinar recebe os pacientes todas as quintas-feiras à tarde. Participam deste ambulatório vários professores, entre os quais o médico Jamiro da Siva Wanderley e docentes da Enfermagem da FCM.
Este atendimento também conta com a colaboração fundamental e voluntária da professora e geriatra Vera Bellinazzi, especializada neste curso pela Unifesp, que comparece semanalmente para orientar os casos do ambulatório. Em breve, vários desses casos serão debatidos em um espaço na Internet, que está sendo criado para veiculação de informações e troca de idéias sobre temas do curso.
Luciana de Lima Barreto, que é terapeuta ocupacional, procurou o curso de especialização em geriatria e gerontologia não apenas para aperfeiçoar seus conhecimentos, mas sobretudo pela oportunidade de trabalhar com uma equipe multidisciplinar. “Ganhamos aqui uma visão ampla do atendimento à saúde, que deve ser integral, preocupada com todos os aspectos do ser humano”.
O projeto de pesquisa de Luciana Barreto será uma aula prática sobre terapia ocupacional, com destaque para o atendimento domiciliar ao idoso. “A terapia envolve atividades associadas ao lazer que contribuem para a reabilitação física e psicológica desses pacientes, resgatando sua autonomia para executar tarefas do dia-a-dia”.
A professora Laura Ward enaltece o aspecto lúdico da terapia ocupacional, onde um simples jogo de encaixe é capaz de levar o idoso a readquirir os movimentos finos para abotoar seu casaco. “Pouco adianta se eu, como médica, simplesmente receitar um remédio e virar as costas. O idoso precisa desse tipo de aporte”.
O aporte da equipe multidisciplinar se estende aos familiares, os efetivos cuidadores do idoso. A coordenadora do curso lembra que a família de um paciente que sofre AVC precisa rever toda a sua dinâmica. “Mudam os horários e alguém terá de estar sempre disponível para ajudar o paciente no banho, na alimentação, com as roupas e os remédios. A interação deve se dar principalmente no núcleo social do idoso”.
A percepção do idoso sobre o envelhecimento
A percepção que o próprio idoso possui do processo de envelhecimento e da sua relação com a sociedade é o tema da pesquisa de Larissa Garcia Sumi, graduanda de medicina e aluna do curso de especialização em geriatria e gerontologia. O trabalho ganhou o primeiro prêmio do último simpósio organizado pelos alunos da Liga de Geriatria e Gerontologia (Geenti) da Unicamp.
“Não temos ainda um curso específico de geriatria na graduação em medicina, mas desenvolvemos inúmeras atividades na área, como este simpósio anual, até porque os estudantes solicitam”, diz a professora Laura Ward, orientadora da pesquisa premiada de Larissa Sumi, que está sendo revisada para publicação.
Para comparar as informações subjetivas a respeito do envelhecimento com os parâmetros objetivos de saúde, a estudante entrevistou quatro grupos de idosos: 100 pacientes dos ambulatórios do Hospital de Clínicas (HC), 100 indivíduos saudáveis, 244 participantes da Feira de Saúde de 2007 e 202 da feira do ano anterior. A Feira de Saúde é uma atividade desenvolvida por 600 alunos da Unicamp junto à população de Campinas.
Ressalvando que os percentuais obviamente variam do grupo de idosos saudáveis para o de pacientes, Laura Ward destaca informações interessantes e pouco comuns colhidas na pesquisa de Larissa. Por exemplo, segundo os percentuais gerais, que 53,3% se consideram velhos, 70,5% se consideram saudáveis e 70,8% se consideram felizes. Os felizes são 52% mesmo no grupo de doentes.
Ou, ainda, que 77,2% realizam exames de rotina - contrariando a impressão de abandono do idoso -, 59% praticam atividades físicas e apenas 33,2% têm medo da morte. “É claro que devemos considerar as peculiaridades da população de idosos numa cidade como Campinas, onde se discute muito sobre o envelhecimento, as doenças próprias da idade e a importância da dieta e dos exercícios físicos”, observa a professora.
Por outro lado, a pesquisa também indicou que 63,2% dos idosos usam óculos (23,4% têm ou tiveram catarata), 31,4% sofrem de hipertensão, 22,5% são obesos, 1,5% apresentam sinais de subnutrição e 2,3%, alteração na tireóide. Mais um dado preocupante é que 43,4% tinham sofrido uma queda nos seis meses anteriores.
Gene guardião Outros dois trabalhos orientados por Laura Ward e que foram publicados em revistas de geriatria mostram a relação entre depressão, hipotiroidismo e idade avançada. O autor de um desses estudos, Ivan Aprahamian, já preparou projeto de doutorado focando os genes relacionados com o envelhecimento, especificamente o gene P-53, chamado de “guardião do genoma humano”.
Segundo a professora da FCM, trata-se de um gene supressor tumoral. “É um dos mais importantes genes que nos protegem das agressões ambientais. Somos bombardeados por uma série de agentes que provocam mutações em nossos cromossomos: luz ultravioleta, radiação ionizante, substâncias tóxicas que inalamos ou ingerimos na comida. Falhas ou mutações no gene P-53 são relacionados ao surgimento de câncer”.
Laura Ward ressalta que este gene é importante para a longevidade do ser humano. Seu aluno vai investigar o número de mutações que o P-53 apresenta principalmente nos indivíduos mais idosos (acima de 80 anos), realizando comparações com uma população doente de câncer e com outra população mais jovem.