“Cerca de 40% das proteínas são metaloproteínas, que estão presentes, por exemplo, nos vegetais e no sangue. De um lado, o que se faz atualmente é determinar o metal total na proteína e avaliar sua toxicologia; do outro lado, a proteômica verifica possíveis alterações na proteína sob certas condições de estresse. A metalômica vem para agregar ambas as informações”, explica o professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, do Instituto de Química (IQ).
Mostrar o quanto um metal é importante para o funcionamento adequado da proteína, bem como o malefício causado quando ele se encontra em excesso, é um trabalho que o Grupo de Espectrometria, Preparo de Amostras e Mecanização (Gepam), coordenado por Marco Arruda, começou há apenas quatro anos.
Os primeiros trabalhos de separação, caracterização e quantificação de metais em proteínas envolveram calos embiogênicos de Citrus, a soja e o girassol. A metalômica comparativa entre a soja transgênica e a não-transgênica já rendeu ao grupo um prêmio internacional, concedido no mais importante encontro sobre espectroscopia, realizado na China (veja texto nesta página). Já o interesse pelo girassol possui viés ambiental, devido à capacidade da planta de absorver metais de solos contaminados.
Outra vertente e talvez a mais promissora está na saúde, sendo que o Gepam começou pela busca de um biomarcador em pessoas que sofrem de transtorno afetivo bipolar (TAB), até pouco tempo chamada de doença maníaco-depressiva. “Algumas proteínas já foram separadas em plasmas sanguíneos e, no próximo ano, elas começarão a ser caracterizadas por uma aluna, com a ajuda de um grupo de medicina experimental na Alemanha”, informa Arruda.
O professor observa que a metalômica é uma área obrigatoriamente interdisciplinar e que seu grupo, do Departamento de Química Analítica, conta com parcerias fundamentais, como os professores Marcos Eberlin, Fabio Gozzo e Ljubica Tasic (do Departamento de Química Orgânica), Cláudio Banzatto (da Faculdade de Ciências Médicas) e Ricardo Antunes Azevedo (do Departamento de Genética da Esalq/USP).
“Somos o único grupo brasileiro a estudar a metalômica em suas várias nuances e, para isso, fomos favorecidos pelos recursos disponíveis no entorno, como a espectrometria de massas dentro do próprio Instituto e a proximidade do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Contamos ainda com financiamentos de agências de fomento como a Fapesp e o CNPq”, afirma o docente.
Soja e girassol Segundo Marco Arruda, a soja foi escolhida por sua importância comercial, pelo aspecto da transgenia e também por possuir um banco de dados de proteínas bastante extenso. “A partir da identificação estrutural de uma proteína, fica fácil encontrá-la no banco de dados para correlacionar a função do metal dentro dela. O banco obviamente traz algumas metaloproteínas, mas já identificamos outras”.
Embora os estudos estejam em sua fase inicial, o Gepam já identificou grandes mudanças na expressão de diversas proteínas, bem como no metaloma das mesmas, com uma grande variação nas concentrações de cálcio, cobre e ferro entre as sojas transgênica e não-trangênica. Esses primeiros resultados serão publicados no Journal of Analytical Atomic Spectrometry.
“É cedo para confirmar, mas os metais, aparentemente, passam a se ligar muito mais a proteínas específicas. Isto é bom, pois indica que a planta transgênica seria capaz de amenizar o excesso de metais no solo”, diz o professor.
Uma dúvida que fica é se o biocombustível produzido a partir da soja modificada não afetaria, por exemplo, os catalisadores de veículos, devido à absorção de metais. “A soja concentra muitas proteínas, mas apenas durante a fase sólida. Eu entendo que o metal vai permanecer ligado à proteína, dificilmente chegando à fase oleosa”.
Especulações à parte, Marco Arruda observa que a simples observação destas mudanças na concentração de metais na soja transgênica já é um registro importante, inclusive para se chegar, no final dos estudos, a um biomarcador para identificar imediatamente se o produto é modificado ou não.
Em relação ao girassol, o pesquisador da Unicamp lembra que as características estruturais permitem a disseminação de seu uso para a chamada fitorremediação de solos contaminados. “Estamos plantando o girassol em terrenos com diferentes condições de estresse metálico, a fim de avaliar seu desempenho ao longo do tempo e conforme a carga de metais tóxicos, principalmente chumbo, cádmio, zinco e cobre”, afirma o pesquisador do Instituto de Química.
Arruda observa que, neste caso, a metalômica comparativa aparece como uma ferramenta eficiente para entender os mecanismos de defesa do girassol e enriquecer a literatura. “O banco de dados de proteínas do girassol possui apenas 400 ou 500 entradas [informações], em comparação com milhares da soja. Já identificamos oito novas seqüências, que foram depositadas no banco e que serão descritas em artigos”.
Transtorno bipolar Na área da saúde, o Gepam decidiu investigar o metaloma de células que seriam responsáveis pelo transtorno afetivo bipolar (TAB), uma doença caracterizada por episódios repetidos de mania (extrema alegria, euforia e humor) e de profunda depressão. O distúrbio acomete aproximadamente 1,6% da população.
Marco Arruda explica que a doença é complexa, sendo que a natureza e a duração dos episódios variam muito de uma pessoa para outra. “A bipolaridade também apresenta diversos graus. Não raramente, o portador do transtorno é tratado durante anos como um depressivo, apenas porque essa fase é a mais acentuada”.
Sabe-se que alguns dos sintomas do transtorno bipolar podem estar relacionados com a enzima denominada inositol monofosfatase (IMPase) e, ainda, que diversos íons metálicos como cálcio, cobre, magnésio e zinco, entre outros teriam ligação com problemas depressivos.
Arruda acredita que se possa chegar a um marcador molecular como uma determinada proteína modificada com uma concentração de metal associada que acuse a predisposição de uma pessoa para o transtorno bipolar. “Com este biomarcador, a doença poderia ser diagnosticada mais precocemente, possibilitando o tratamento preventivo".
Livro nos EUA e prêmio na China
No laboratório do Gepam, o professor Marco Arruda mostra imagens de três géis de plasma humano, que servem para os estudos sobre o transtorno afetivo bipolar. O preparo adequado de amostras é um trabalho fundamental da química analítica e que também atende aos propósitos tanto da proteômica como da metalômica.
O que há de mais novo em preparo de amostras está no livro Trends in Sample Preparation, organizado por Marco Arruda e lançado recentemente pela Editora Nova Science, de Nova York. “O livro reúne colaborações de autores de vários países, como Brasil, Espanha, Áustria e Argentina, e abre novas possibilidades de pesquisa para a nossa área”.
O Gepam conta com cinco pós-graduandos realizando estudos voltados a metalômica e que se referem à avaliação de possíveis biomarcadores tanto para o TAB, como para o entendimento de sistemas de defesa das plantas nos processos de estresse.
As técnicas utilizadas possuem nomes complicados, como a eletroforese bidimensional para separação de proteínas; a espectrometria de massas para a caracterização dessas proteínas; a fluorescência de raios-X com radiação síncrotron para identificação de elementos metálicos; e absorção e/ou emissão atômica para medir a quantidade de metal na proteína.
Na verdade, estas e outras técnicas estão no bojo da espectroscopia, que a cada dois anos atrai especialistas do mundo todo para o Colloquium Spectroscopicum Internationale. Em 2007, ele foi realizado na cidade de Xiamen, na China, com cerca de 620 participantes. “É o mais antigo e abrangente evento sobre espectroscopia”, afirma o coordenador do Gepam.
Daí, a importância que Arruda atribui ao prêmio recebido por seu grupo no colóquio, por conta da metalômica comparativa das sojas transgência e não-transgênica. “Foi apenas o nosso trabalho inicial, mas já tivemos esse reconhecimento mundial. Além disso, tive o prazer de conhecer e conversar pessoalmente com o professor Haraguchi, que propôs a área de metalômica”.
Mais do que isso, o pioneirismo do grupo da Unicamp nesta linha de pesquisa no país também contribuiu para que o Brasil fosse escolhido para sediar o Colóquio Internacional de 2011, já marcado para Búzios, tendo o professor Marco Arruda como um dos membros do comitê organizador do evento.