Trabalho conjunto de pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e da Unicamp vem buscando avaliar a expressão ambiental de uvas paulistas ou de castas européias, na produção da uva e do vinho representativos do Estado de São Paulo. Estes esforços correm na direção da revitalização da vitivinicultura paulista, que conta com a participação do governo e da iniciativa privada. No âmbito dessas ações, ocorre nos próximos 21 e 22 de novembro, no Centro de Convenções da Unicamp, o II Simpósio em Pesquisa e Desenvolvimento em Vitivinicultura no Estado de São Paulo, que inclui na programação o I Painel do Vinho Paulista (veja texto nesta página).
Na direção da revitalização, cabe ressaltar que São Paulo foi o berço da vinha no Brasil, graças a Martin Afonso de Souza e ao fidalgo Brás Cubas, este um vitivinicultor nascido no Porto e responsável pela introdução dos primeiros bacelos de castas Vitis vinifera para a produção de vinho.
No entanto, o local desta primeira introdução, São Vicente, dadas suas condições climáticas, de temperatura e umidade elevadas, fez com que as vinhas sofressem com a incidência de pragas e doenças, não permitindo que elas se desenvolvessem a contento, já que preferem locais com clima seco, com baixa umidade relativa e bastante insolação.
Em razão do insucesso, as vinhas foram então levadas por Brás Cubas para as terras de Piratininga, onde, na região de Tatuapé, prosperou o primeiro vinhedo em solo brasileiro, segundo escreve Carlos Ernesto Cabral de Mello em seu livro Presença do Vinho no Brasil.
Durante 300 anos, a vitivinicultura brasileira esteve fundamentada em variedades originárias da Europa, nunca chegando a constituir cultura de relevante importância. Somente entre 1830 e 1840 as variedades americanas aqui chegaram, entre estas a Isabel, que logo prosperaram em razão da maior resistência às doenças fúngicas, além de acentuadas características de adaptação às nossas condições ambientais. Se por um lado estas trouxeram benefícios, por outro foram responsáveis pela introdução de inúmeras pragas, como a filoxera, e moléstias causadas por fungos como o oídio e o míldio.
Ainda hoje as variedades americanas correspondem a 76% da área do vinhedo nacional. A liderança é da Vitis labrusca, com 67%. Os 9% restantes cabem à V. aestivalis e à V. bourquina. No grupo de V. labrusca, temos as variedades Isabel, Ives, Niagara Branca, Niagara Rosada e Concord. Todas podem originar bons vinhos e servem para a mesa e a produção de sucos. No entanto, é sabido que os melhores vinhos são obtidos de Vitis vinifera. Assim, a busca por híbridos produtivos, aptos para vinificação e resistentes às doenças e pragas, foi o objetivo de muitos pesquisadores europeus.
No Brasil, a história se repetiu e, na década de 1940, teve início no IAC um programa de melhoramento varietal da videira, que contou com a participação de destacados pesquisadores, como José Ribeiro de Almeida Santos Neto, da Seção de Viticultura; Júlio Seabra Inglez de Sousa, da Estação Experimental de Jundiaí; e Wilson Corrêa Ribas, da Estação Experimental de São Roque.
No que se refere às uvas destinadas à vinificação, o foco do trabalho de melhoramento era reunir em uma mesma variedade as qualidades das finas castas de Vitis vinifera, com maior resistência às doenças fúngicas e maior adaptação as nossas condições ambientais apresentadas pelas variedades americanas e híbridas.
Entre as obtidas, uma se constitui a variedade tinta mais promissora: conhecida pelo nome de Máximo ou, tecnicamente, IAC 138-22. Foi obtida por Santos Neto, em 1946, como resultado do cruzamento das variedades Seibel 11342 e Syrah. É reputada como a melhor entre todas as variedades lançadas pelo Instituto Agronômico, para a elaboração de vinhos tintos. Suas plantas são vigorosas, muito produtivas, com boa resistência às doenças, comportando-se bem quando conduzidas sob o regime de poda curta. Os cachos são de médios a grandes, cilíndricos e pouco compactos, com bagas de tamanho pequeno, oval-arredondadas, de coloração preto-azulada, sucosas, com sabor neutro e de maturação precoce.
Atualmente, o plantio desta variedade vem sendo feito em diferentes regiões do Estado de São Paulo. Entre os municípios, temos São Miguel Arcanjo, Indaiatuba, Jundiaí, Jarinu, Louveira, Vinhedo, Valinhos e Monte Alegre do Sul. Vários produtores de vinho da região têm utilizado esta variedade para a obtenção de um vinho de excelente qualidade, obtido com as tecnologias atuais de vinificação.
Por meio do manejo do vinhedo, com a realização de duas podas, tem-se a produção durante o inverno, quando a amplitude de temperatura, altas durante o dia e baixas durante a noite, permite a boa maturação da uva e um bom desenvolvimento dos taninos, com elevado grau Brix acima de 20º Brix no qual a chapitalização, adição de açúcar de cana, pode ser muito reduzida, permitindo a obtenção de um vinho de graduação alcoólica de 11º a 12º GL.
Durante degustação didática conduzida na Casa do Professor Visitante-Funcamp pelo professor Sérgio Inglez de Souza, da Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (SBAV-São Paulo), realizada durante o I Simpósio em Pesquisa e Desenvolvimento em Vitivinicultura, ocorrido na Unicamp em novembro do ano passado, foram avaliados, às cegas, cinco vinhos tintos, sendo dois obtidos de Bordô e três de Máximo. Os Máximo, oriundos de uvas cultivadas em Indaiatuba e vinificados por um produtor artesanal da região de Valinhos, tomaram os primeiros lugares. Dada a qualidade da variedade para a produção de vinho, estão sendo conduzidos estudos pelo grupo Vitivini/Unicamp, formado por especialistas em vitivinicultura.
Esta equipe congrega professores e pesquisadores de várias unidades da Unicamp (FEA, Feagri, IQ-Lab.Thomson e Instituto de Economia), além dos parceiros do IAC, entre eles o professor Fernando Picarelli Martins, e do Ital.
Entre os objetivos do grupo, um é identificar características responsáveis pela qualidade e segurança alimentar, como também determinar a presença e a quantificação de elementos biofuncionais, como, por exemplo, a presença de polifenóis como o resveratrol, um dos mais importantes devido à sua contribuição para a saúde pelas suas propriedades anticancerígenas e de prevenção de doenças cardiovasculares.
Essas substâncias contribuem também com a estabilidade do vinho, e são os mais importantes constituintes, já que são responsáveis pela cor e pelo aroma. Assim, pela vinificação desta uva, muito bem-adaptada às nossas condições de solo e clima, poderá ser obtido um vinho genuinamente paulista. Como ocorre em várias regiões produtoras de vinho, as uvas são caracterizadas geograficamente. Assim, temos: o Carmenère, no Chile; o Malbec, na Argentina; o Tanat, no Uruguai; o Chardonnay, na região de Borgonha, o Cabernet Sauvignon, em Bordeaux, ambas na França; e o Zinfandel, na Califórnia, EUA, entre outros.
Dentro do projeto em Políticas Públicas de que participamos com financiamento Fapesp, e o planejamento estratégico para a vitivinicultura paulista em desenvolvimento pelo grupo Vitivini/Unicamp, com a participação e apoio da Agência Paulista de Tecnologias do Agronegócio (APTA), esta uva estará entre as indicadas pois, além de produzir um vinho de excelente qualidade, permite a utilização para cortes com varietais viníferas, assim como pode ser utilizada para a produção de sucos, contribuindo com a coloração. Esta dupla aptidão favorece ao produtor, pois lhe oferece alternativas na comercialização.
Todas estas variedades, legado de pesquisadores do IAC (veja quadro ao lado), contam com características apropriadas e indicadas à produção de vinhos. Outras também podem ser incluídas neste conjunto, como as castas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Syrah, assim como variedades desenvolvidas pela Embrapa-Bento Gonçalves, pelo grupo do professor Umberto Camargo. Porém, precisam ser reavaliadas em testes fitotécnicos. Precisa ainda ser estudada a expressão ambiental em diferentes manejos em nível regional, e em avaliações de laboratório para expressão em vinificação.
E assim, na revitalização da cadeia produtiva do vinho em SP, há uma série de variedades originárias do trabalho de pesquisadores paulistas, assim como castas européias viníferas que poderão ser reavaliadas e gerar um vinho característico.
Agradecemos aos pesquisadores Fernando Picarelli Martins (IAC/APTA), pela contribuição na elaboração do texto e do material fotográfico; José Luiz Hernandes (IAC/APTA-Centro de Frutas Jundiaí) e Erasmo José P. Pires (IAC/APTA-Campinas), pela contribuição na revisão do texto.
Claudio Luiz Messias é professor colaborador da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp (Feagri) e pesquisador do grupo Vitivini/Unicamp
O legado dos pesquisadores do IAC conta com uma série de variedades que estão sendo avaliadas, para características quanto ao manejo e qualidades físico-químicas e na vinificação, frente às novas tecnologias desenvolvidas. Entre essas variedades, podemos citar:
Madalena (IAC 21-14)
Produto do cruzamento de Seibel 11342 com Moscatel de Canelli, textura fundente e sabor moscatel. Presta-se para a elaboração de vinho espumante, com tênue e agradável sabor moscatel.
Rainha (IAC 116-31)
Produto do cruzamento entre Seibel 7053 e Burgunder Kastenholtz, realizado em 1946. Possui bagas de sabor neutro e agradável e baixa acidez, qualidades que são transmitidas aos vinhos. No Estado de Santa Catarina, sobre o porta-enxerto SO4, tem se sobressaído entre as variedades híbridas destinadas à elaboração de vinhos brancos, dando produto considerado de ótima qualidade.
Máximo (IAC 138-22)
Resultante do cruzamento entre as variedades Seibel 11342 e Syrah, realizado em 1946, é reputado como a melhor entre todas as variedades lançadas pelo Instituto Agronômico, para a elaboração de vinhos tintos.
Sanches (IAC 960-9)
Híbrido complexo, resultado do cruzamento entre IAC 577-8 e Máximo, realizado em 1960. Bagas com textura fundente e sabor neutro. Indicada para a elaboração de vinhos tintos.
IAC 960-12
Tem a mesma origem da Sanches, ou seja, é um híbrido complexo obtido do cruzamento entre IAC 577-8 e Máximo, realizado em 1960. Origina vinhos brancos de boa qualidade, que também proporcionam bons cortes com os tintos elaborados com a variedade Máximo.
Moscatel de Jundiaí (Jd 930)
Resultado do cruzamento de Seyve Villard 5276 com Pirovano 4. Além de se prestar como matéria-prima para a elaboração de vinhos moscatéis brancos licorosos, pode ser consumida como boa uva de mesa.
Dr. Júlio (SR 496-15)
Produto do cruzamento entre Seibel 7053 e Gewürztraminer, realizado em 1949. É produtora de vinhos brancos de qualidade, com características de aroma e sabor próprios.
Dr. Seabra (SR 496-16)
Tem a mesma origem da Dr. Júlio, ou seja, é produto do cruzamento entre Seibel 7053 e Gewürztraminer, realizado em 1949. Produz vinho branco de qualidade, bem equilibrado, de aroma e sabor neutros, características que o tornam excelente base para vinhos compostos ou correção de cortes.
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Painel e Simpósio vão debater a revitalização da cadeia produtiva
A revitalização da vitivinicultura paulista estará em pauta no I Painel do Vinho Paulista e no II Simpósio em Pesquisa e Desenvolvimento em Vitivinicultura no Estado de São Paulo. O Painel, que ocorre no dia 21 de novembro, na Casa do Professor Visitante (CPV) da Funcamp, reunirá mais de uma dezena de produtores paulistas de vinho. O evento, o primeiro do gênero, é uma iniciativa do Grupo de Pesquisadores em Vitivinicultura na Unicamp (Vitivini), com o apoio da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) e Coordenadoria de Relações Institucionais da Unicamp (Cori). O painel terá avaliação físico-química e degustativa de vinhos, a partir de uvas produzidas no Estado de São Paulo. Segundo os organizadores, o objetivo do I Painel é estimular a produção da uva e do vinho paulistas, privilegiando sua obtenção com tecnologias atuais, com qualidade e segurança ambiental e alimentar. Estarão em pauta também os sistemas produtivos sustentáveis que possibilitam a geração de emprego e renda.
No dia 22 de novembro, ocorre no Centro de Convenções da Unicamp a segunda edição do Simpósio em Pesquisa e Desenvolvimento em Vitivinicultura no Estado de São Paulo. O evento, que reunirá pesquisadores, produtores, enófilos, representantes de cooperativas, entre outros, objetiva colocar o conhecimento gerado pelas universidades e institutos de pesquisa à disposição do setor, de modo a acelerar o seu desenvolvimento. Serão debatidos temas relevantes para a sustentabilidade e a revitalização da cadeia produtiva vitivinícola no Estado de São Paulo, entre os quais as variedades de uvas potenciais para serem implantadas e novas metodologias de manejo. As inscrições, gratuitas, podem ser feitas on-line ou no dia do evento. Haverá emissão de certificados aos participantes. O programa completo do evento poderá ser visto no endereço www.cori.unicamp.br/vitivinicultura2007.