Junia explica que o estudo teve como objetivo central investigar a trajetória da praça brasileira, que considera importante elemento compositivo urbano, a partir da noção de espaço de uso coletivo. Nesse sentido, diz ela, “procurou-se compreender sua gênese no território brasileiro, tendo como ponto de partida a chegada dos portugueses, o processo de colonização implementado, as transformações históricas em sintonia com o desenvolvimento político da nação e, como ponto de ruptura, a divulgação dos princípios modernistas e a experiência de consolidação da cidade moderna brasileira, cristalizada na elaboração do Plano Piloto de Brasília”.
A investigação obedeceu duas vertentes. A primeira fundamentou-se no desenvolvimento dos espaços coletivos oriundos dos processos urbanos decorrentes da civilização ocidental, em particular do capitalismo. Neste caso, ela considera que a praça reflete uma forma de ocupação e apropriação do espaço inerente à sociedade capitalista, independente da geografia. A segunda teve como fio condutor a trajetória da praça no Brasil e está atrelada ao desenvolvimento dos processos urbanos no território brasileiro.
A pesquisadora diz que para entender a configuração da praça brasileira na modernidade é necessário compreender o desenvolvimento teórico e prático da urbanística internacional e o conceito de cidade daí advindo. Para ela “essas duas linhas de orientação cruzaram-se de forma incisiva na transposição e divulgação desses princípios no Brasil e tiveram como personagens principais os arquitetos Le Corbusier e Lúcio Costa”.
Além de abordar o desenvolvimento formal da praça como desenho, o estudo apresenta também sua trajetória do ponto de vista funcional, associando as principais mudanças no uso e na apropriação da praça ao desenvolvimento do seu papel no contexto urbano e ao seu caráter simbólico. Foi possível observar que, em alguns casos, o desenho da praça foi decisivo na definição de seu caráter simbólico e, em outros, seu papel como marco urbano funcionou como principal motor das mudanças estéticas. Na seqüência, a autora detém-se na análise do conceito de praça idealizado no projeto de Lúcio Costa no Plano Piloto de Brasília, referência mundial de organização espacial modernista.
O começo O interesse de Junia pelo tema começou acompanhando a intervenção realizada na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, sua cidade natal, que de degradada volta novamente a constituir-se em espaço público de convivência, depois de uma grande restauração.
No doutorado enveredou primeiro pelo resgate histórico. Como surgiu a praça na cidade brasileira? Que espaço é esse? O que contém? Que modelos de praças existem? Como eles se constituíram a partir dos processos urbanos e dos desenvolvimentos das cidades?
Ao mudar-se para Brasília para exercer a docência, ouvia dos que a identificavam como pesquisadora de praças: “aqui não tem praça!”. Ou, então “você vai falar da Praça dos Três Poderes!” - única que conseguiam identificar como tal. Estava estabelecida a dicotomia entre um espaço simbólico e a negação do modelo de espaço na cidade. A partir daí incluiu Brasília na pesquisa.
Junia desenvolveu o trabalho buscando a trajetória do espaço da praça da sua origem às transformações da cidade e a importância que esses espaços vão adquirindo em algumas das principais cidades brasileiras no contexto político, caso de Salvador, a primeira capital, Rio de Janeiro, São Paulo, que refletem a história urbana do Brasil, e sua capital, Brasília.
A pesquisadora constata que a praça como espaço coletivo, como espaço de domínio público, não constitui elemento urbano apenas brasileiro: “Por isso, parte da minha pesquisa cobre o conceito de praça a partir da formação das cidades. Na antiguidade greco-romana, a praça era o espaço urbano mais importante, o que também vai acontecer nas praças das primeiras cidades coloniais brasileiras. Nela se encontram todos os edifícios administrativos e cívicos: a casa da redenção, câmara, cadeia, praça do pelourinho. É ela o centro irradiador da cidade”.
Os estudos se remetem à organização espacial indígena que serve de contraponto para mostrar a ruptura com a estrutura que existia no Brasil com a chegada dos portugueses. As cidades jesuítas também desmontam a organização espacial indígena, colocando no centro da praça o cruzeiro e a igreja. Para Junia, tanto eles como os portugueses usufruem certa forma da centralidade que já existia, e desta simbiose se originam várias cidades brasileiras. Mas destaca que a imposição das novas formas espaciais funcionaram como mecanismo de domínio.
Com a ampliação e consolidação da política colonial, diversas cidades criadas durante a vigência das Capitanias Hereditárias são redesenhadas por especialistas, casos de Salvador e Rio de Janeiro. No século XVII, muitas cidades surgem de projetos urbanos e seus autos de fundação instituem praças em que deverão ser instalados edifícios, igreja, pelourinho, estabelecendo regras de ocupação que refletem o momento social e político e atendem determinados valores simbólicos.
O Rio de Janeiro sofre drásticas transformações com a chegada da Corte e passa a ser o centro político da nação. A atual Praça XV, então Largo do Carmo, dá lugar ao Paço Imperial. Mas a cidade cresce e o advento da República determina outro tipo de organização espacial. Surgem várias praças que alojam o poder municipal, o palácio do governador, a igreja, as atividades de lazer.
Algumas cidades se destacam pelo crescimento, caso de São Paulo, e novos espaços começam a aparecer. A praça única se fragmenta em outras, o que de certa forma conduz também à fragmentação de sua conotação simbólica, diz Junia. A partir de praças símbolos, a tese analisa três cidades que passaram por esse processo: a Praça da Sé, em São Paulo; a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte: e o Largo do Carmo, no Rio de Janeiro.
Novos modelos Na modernidade, as cidades crescem cada vez mais, as pessoas perdem os espaços de lazer e a convivência espacial para se confinarem em shoppings, cafés, restaurantes, bares, e o local público deixa de ser o espaço de convívio, perdendo força como espaço simbólico.
Surgem modelos mundiais que estabelecem outro repertório urbanístico para as grandes cidades, agora voltado para o automóvel, o que leva o poder público a abrir vias, a resolver problemas de congestionamentos, de moradias. Essas questões, diz a pesquisadora, levam à criação dos grandes eixos, grandes espaços de circulação. Os espaços de praças surgem, mas completamente desvinculados do cotidiano da cidade, o que dificulta sua apropriação para atividades de lazer ou mesmo atividades cívicas.
Ela analisa então a manifestação dos princípios da cidade moderna no Brasil e a influência européia. A idéia dos grandes eixos, de liberar espaços, da cidade aberta, dos edifícios altos, manifesta-se no urbanismo brasileiro. Junia analisa então como o espaço se dá nesse novo modelo e distingue algumas conotações. Uma delas é a refundação do poder no meio do Brasil com a construção da nova capital o poder deixa a praça e se transfere para a cidade.
A outra foi a inserção do urbanismo brasileiro em nível internacional e, em decorrência, a grande oportunidade de urbanistas e arquitetos brasileiros aplicarem as teorias e os conceitos que vinham discutindo modelo de cidade, cidade do automóvel, cidade setorizada, grandes espaços livres, grandes edifícios, grandes avenidas, grandes eixos na criação de Brasília. Nesse contexto, diz ela, “analiso a forma como Lucio Costa aborda a praça modernista e o conceito de praça que criou”.
Junia diz que o urbanismo modernista substitui os espaços confinados pelos grandes espaços livres e que esse conceito de espaços livres permeia quase todas as propostas de cidades modernas. E conclui: “No modernismo, a praça tem grande dimensão morfológica, mas se transforma em um espaço vazio, desarticulado do cotidiano urbano, o que a faz deserta e apenas ocupada em situações muito particulares. Já a praça contemporânea, a praça de hoje, tem a preocupação de recuperar o sentido de urbanidade, depois das criticas que se fizeram à cidade modernista. Nela busca-se resgatar, com certa nostalgia, os espaços das praças históricas, de modo a recuperar-lhe o sentimento de pertencimento”.