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SERVIÇO
Olhares
amazônicos
Projeto em comunidades do médio Solimões
busca novas formas de pensar a ação social a partir
da interação de culturas e conhecimentos distintos
FRANCISCO
BELDA
Era
uma quarta-feira nublada, final de janeiro, época em
que a cheia das águas transforma a paisagem da floresta
amazônica. Na pequena cidade de Alvarães, no médio
curso do rio Solimões, um grupo recém-chegado
de jovens vestidos de palhaço ganhava as ruas e a atenção
dos habitantes locais, não mais que cinco mil pessoas.
As crianças se aproximaram, num misto de riso e curiosidade,
e não demorou para que se formasse uma roda. Era a primeira
troca de olhares, dentre tantas nas semanas seguintes, entre
a comunidade e a turma de forasteiros.
Ali
começava a primeira etapa do Projeto Ajuri, um trabalho
multidisciplinar elaborado majoritariamente por alunos da Unicamp
e voltado à ação social em comunidades
amazônicas. Mas nada a ver com assistencialismo. A
idéia é criar pontes entre a nossa forma de conhecimento
e aquelas populações, contribuir para que elas
se desenvolvam a partir de suas próprias poten-cialidades,
explica o engenheiro agrícola e aluno de pós-graduação
Marcelo Mazzola, um dos quinze integrantes do grupo. Estão
envolvidos na iniciativa acadêmicos e profissionais já
formados em pedagogia, química, geografia, artes cênicas
e outras especialidades. Eles fazem parte da organização
não-governamental Warã Associação
para Fomento, Desenvolvimento e Encontro de Projetos Sociais,
entidade que assina o programa. Para sua execução,
o grupo vem recebendo apoio da Pró-Reitoria de Extensão
e Assuntos Comunitários (Preac) da Unicamp, de órgãos
federais como o Comunidade Solidária e a Sociedade Civil
Mamirauá, e das prefeituras dos municípios de
Alvarães e Uairi, as duas cidades escolhidas para implantação
do projeto.
Algumas
palavras-chaves das atividades do grupo são diálogo,
interação e, literalmente, ajuri,
que no linguajar das comunidades ribeirinhas transmite a idéia
de mutirão, um esforço conjunto por transformação.
Não queremos transmitir saberes, mas sim colocar
esses saberes que temos em discussão, ressalta
Paulo Bexiga Júnior, aluno de artes cênicas e integrante
do Núcleo de Comunicação e Arte do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
E, como a prática mostraria, naquele primeiro encontro
entre palhaços e ribeirinhos, esta discussão
ainda na forma de sorrisos estava apenas começando.
Ação
social O trabalho de campo que marcou a primeira etapa
do Projeto Ajuri aconteceu entre os meses de janeiro e fevereiro
deste ano. Uma vez aportado nas cidades amazônicas, o
grupo passou a se relacionar com agricultores, pescadores, professores,
grupos de mães, jovens, esportistas e crianças,
segmentos considerados representativos da comunidade local.
Nas reuniões quando possível semanais
vinham à tona as chamadas demandas específicas
de cada segmento, para as quais se discutia meios de solução
e transformação.
Um exemplo interessante surgiu no grupo de professores de Uarini.
Nas conversas ficou constatado que era possível aprofundar
a integração entre a equipe da escola local e
as famílias dos alunos. Os pais geralmente delegavam
aos professores a educação de seus filhos e não
tinham maior participação no processo de aprendizado.
Era preciso refletir sobre a relação mantida
entre a comunidade escolar e o resto do município,
conta a aluna de pedagogia Caroline Ladeira de Oliveira.
Para fortalecer esse relacionamento, o grupo programou, junto
com os professores, uma reunião de pais e mestres e oficinas
de arte e educação, atividades que fizeram parte
da recepção festiva para o primeiro dia de aula
do semestre. O pessoal de São Paulo, novamente
vestido de palhaço, deu as boas-vindas a pais e alunos,
deixando implícito o convite para que os adultos participassem
mais ativamente da vida escolar. As respostas não
saíam nem daqui nem de lá. Saíam desse
diálogo, dessa troca de experiências, acrescenta
Caroline, sintetizando um pouco da metodologia do trabalho.
Agricultores
Essa troca de experiências levou estímulo
à transformação, também, para um
grupo de agricultores que responde pela principal atividade
econômica local: a plantação e o beneficiamento
da farinha de mandioca, comercializada por meio de atravessadores
em Manaus. A maneira como estão estruturados, porém,
impede que os próprios trabalhadores de Uarini se responsabilizem
pela revenda do produto, conseguindo assim uma melhor remuneração.
É esta a maior preocupação deles.
Como
explica Marcelo Mazzola, que se envolveu diretamente com os
agricultores, levantou-se a possibilidade de se criar uma associação
de agricultores, que pudesse responder pela categoria e articular
formas de aprimoramento de sua atividade. Três reuniões
levaram a uma proposta de estatuto da associação,
que no futuro mantenha um representante em Manaus para a venda
da farinha, controlando diretamente o preço.
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A atuação social da Universidade
Um
pouco da experiência acumulada nesta primeira fase do
Projeto Ajuri foi exposta pelos estudantes em um seminário
no Centro de Convenções da Unicamp, em 21 e 22
de maio. O evento, que incluiu uma exposição de
fotos e peças de artesanato, permitiu uma discussão
com outros grupos do campus sobre a responsabilidade e a atuação
social da universidade, e sobre estratégias visando obter
financiamento para que etapas seguintes do projeto possam ser
colocadas em prática.
Pela
proposta, a equipe manterá suas atividades até
março de 2003, inclusive com a perspectiva de continuidade
em função dos resultados obtidos. Entendemos
que o trabalho requer uma estratégia de longo prazo,
se quisermos um efeito real, duradouro, explica Elcio
de Souza Magalhães, engenheiro agrícola.
O
cronograma prevê o retorno à Amazônia, dando
continuidade às ações de parceria comunitária
já estabelecidas. O trabalho teria duas linhas temáticas:
a primeira envolvendo educação, arte e lazer;
e a outra abordando economia, trabalho, subsistência e
associativismo.
Por
enquanto, os contatos entre o grupo e as comunidades amazônicas
são mantidos por cartas, já que telefone é
um meio de comunicação ainda incipiente naquelas
cidades. Mas, como dizem os jovens universitários, o
importante é que o espírito da iniciativa continue
pulsando em cada uma das partes envolvidas. E a proposta de
transformação norteia cada um da equipe.
Terceiro
olhar Geralmente tendemos a pensar nos benefícios
que o projeto trouxe para as comunidades de lá. Mas esse
diálogo é importante também para nós,
a fim de que possamos repensar e reformular nossa instituição,
ressalta Caroline, da pedagogia. Para ampliar seu raciocínio
diante do público no Centro de Convenções,
a estudante recorreu a uma citação do teólogo
Leonardo Boff, que retrata esse processo de interação:
A construção de soluções é
um processo coletivo, ainda mais no Brasil, com a formação
diversificada de seu povo. Muitas vezes o que falta é
uma possibilidade de comunicação e de articulação
para se ver o conhecimento produzido de outras formas.
É
por aí que acontece o Projeto Ajuri, como pontua a aluna
de engenharia de alimentos Silvia Freitas Caetano. A junção
do nosso olhar com o olhar daquelas comunidades fez surgir um
terceiro olhar: esse novo olhar, mesclado, miscigenado talvez,
que vê mais longe, além da curva do rio, no mar
em que ele irá um dia desaguar.
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