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Pelo melhor lance
Trabalho premiado aponta alternativas para
acelerar a reforma agrária no Brasil

PAULO C. NASCIMENTO

A grande demanda de terras que existe por parte dos agricultores de baixa renda, os altos preços do hectare, a inexpressividade do Imposto Territorial Rural (ITR) e as baixas metas atingidas até hoje pelo programa de reforma agrária evidenciam a necessidade de intervenções nesse mercado a fim de conseguir aumentar, rápida e drasticamente, o acesso à terra no Brasil.

Fomentar, por meio de leilões, o poder de monopsônio (situação em que existem muitos vendedores, mas apenas um comprador) que, na atualidade, tem o Estado no processo de aquisição de terras, aumentar a eficiência na cobrança do ITR e adotar um critério científico baseado no “preço histórico” para estabelecer o valor de mercado de imóveis rurais são medidas capazes de complementar significativamente o processo de reforma agrária no país.

É o que mostra a tese de doutorado de Ludwig Einstein Agurto Plata, pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola (NEA) do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O estudo “Mercado de Terras no Brasil: Gênese, Determinação de seus Preços e Políticas”, orientado pelo professor Bastiaan Philip Reydon, do IE, demonstra como a redução do preço da terra rural possibilitaria o aumento do poder de compra do orçamento governamental para desapropriações, facilitando o acesso aos agricultores.

“A democratização da terra por meio da reforma agrária, basea-da na desapropriação, acelerou-se nos últimos cinco anos, porém não suficientemente. A grande maioria dos agricultores profissionais não tem renda para arcar com os altos preços dos imóveis”, observa Ludwig, filho de camponeses peruanos e ex-secretário de Planejamento e Orçamento de Piura, a mais importante cidade peruana depois da capital, Lima.

Especulação – De acordo com ele, os preços no Brasil mantêm-se elevados por causa da possibilidade de ganhos especulativos e dos baixos custos de manutenção. A ausência de qualquer ônus sobre a propriedade improdutiva incentiva os proprietários a manter vastas áreas ociosas, intensificando ainda mais a concentração de terras.

Nos últimos 20 anos, o preço da terra rural tem sido, em média, quatro vezes maior que no Uruguai. Isso ocorre, segundo o pesquisador, porque o país vizinho cobra efetivamente um conjunto de impostos diretos que têm como fato gerador a propriedade da terra, ao passo que do lado de cá da fronteira não existe cobrança eficiente de imposto. Para desencadear uma desvalorização desse ativo e levar à perda de riqueza acumulada pelos proprietários é necessária a cobrança efetiva do ITR, defende o economista.

“A tributação catalisaria a queima de gordura, reduzindo significativamente o componente especulativo do preço”, argumenta Ludwig. “Porém, passados mais de 35 anos da criação do Estatuto da Terra, verifica-se que o ITR não cumpriu os objetivos propostos. Pelo contrário, mostrou-se absolutamente inócuo, de tal forma que sua participação na arrecadação do governo é inexpressiva: apenas 0,242% da arrecadação total do país”.

Preço histórico – O autor da tese propõe ainda uma metodologia própria para determinação do preço da terra rural e que, segundo ele, também contribuiria para minimizar a valorização especulativa. O método consiste de um minucioso estudo do histórico do imóvel ao longo dos últimos seis anos, para o levantamento de características como qualidade do solo, cultivos realizados, produção alcançada, negócios de compra e venda ante-riormente registrados em cartório, entre outras.
A aplicação de técnicas estatísticas e fórmulas matemáticas sobre essas informações resultaria no que Ludwig chama de “preço histórico”, em sua opinião mais fiel ao perfil produtivo da terra e, portanto, mais justo do que o preço estabelecido pelo proprietário apenas no momento em que se dispõe a vender o imóvel.

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Tese ganha prêmio da Sober

O trabalho de Ludwig ganhou o prêmio “Edson Potsch Magalhães”, entregue anualmente pela Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (Sober) para a melhor tese de doutorado em economia rural. Selecionado pelo NEA para concorrer ao prêmio, o estudo foi o melhor em sua categoria, entre trabalhos apresentados em agosto deste ano no 39o Congresso da Sober, em Recife.

Fundada em 1959 e com sede em Brasília, a Sober é uma sociedade científica e cultural sem fins lucrativos, que promove intercâmbio entre profissionais de ciências sociais no Brasil. Também colabora para o desenvolvimento científico e tecnológico, e estimula o debate de temas e fatos de importância econômica e social. Há 20 anos a entidade edita a Revista de Economia e Sociologia Rural (RER), considerada uma das principais publicações especializadas nesta área na América do Sul.

Este ano, o prêmio para a melhor dissertação de mestrado em economia rural foi também para o trabalho de outro aluno de pós-graduação do IE da Unicamp, Otávio Valentim Balsadi. A pesquisa analisou as características do emprego rural no Estado de São Paulo nos anos 90 e será tema de próxima reportagem no Jornal da Unicamp.

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Exemplo emblemático

Um exemplo emblemático do impacto da redução do preço da terra no processo de reforma agrária pode ser observado durante o Plano Real, afirma Ludwig. Conforme seu estudo, o grande boom do preço ocorreu em 1986, com o Plano Cruzado, quando o hectare da terra de lavoura atingiu o preço médio de R$ 8,5 mil (valores constantes de 1999). A época era de inflação crescente e instabilidade econômica.

A partir da estabilidade dos preços, alcançada com a implantação do Plano Real, em 1994, a tendência de alta do valor da terra começou a se inverter. As altas taxas de juros tornaram os custos agrícolas mais elevados, a sobrevalorização da taxa de câmbio reduziu a competitividade dos produtos agrícolas no exterior e o controle da inflação eliminou grande parte do atrativo da terra como reserva de valor.

Ele reconhece que a agilização do processo de reforma agrária e a pressão pela terra impulsionada pelo Movimento Sem Terra também ajudaram na redução do preço do hectare – para a média de R$ 2,5 mil no início do plano e hoje em aproximadamente R$ 1,2 mil – e elevaram o número de áreas postas à venda.

É nesse cenário que o processo de reforma agrária se acelera, salienta Ludwig. De acordo com sua tese, em sete anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, foram assentadas cerca de 400 mil famílias, quase o triplo das 150 mil famílias assentadas de 1964 (data de criação do Estatuto da Terra) a 1994.

Para o pesquisador da Unicamp, a deflação dos preços ocasionada pelo Plano Real, que colocou expectativas pessimistas em relação ao uso especulativo da terra, torna a situação bastante propícia a que o Estado amplie ainda mais o acesso à terra no Brasil, exercendo efetivamente seu poder de monopsônio na aquisição de áreas para assentamentos.
De acordo com ele, o processo de desapropriações utilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não tem sido favorável nem ao Estado nem aos assentados, em grande parte por culpa da Constituição, que estabelece que serão desapropriadas, para fins de reforma agrária, as terras ociosas ou de baixa produtividade.

Leilões – Segundo os dados do Incra, entre 1979 e 2000 o Estado desapropriou, para reforma agrária, 4.146 imóveis, em uma área total de 18.725.112 hectares, beneficiando 373.736 famílias. Mas 35% desse total foram de terras impróprias para a agropecuária, devido à sua baixa qualidade ou porque exigiam grandes investimentos para torná-las produtivas.

Por isso, sugere Ludwig, a compra por meio de leilões daria ao Estado, neste momento de oferta aquecida, as óbvias vantagens de negociar na posição de único comprador: poderia adquirir maior quantidade de terra, de qualidade adequada para a agropecuária e por preços baixos.

Ele observa que os resultados do processo da reforma agrária, apesar do avanço nos últimos cinco anos, são ainda inexpressivos dada a elevada demanda potencial de terras. Em média, as metas obtidas cobrem apenas 11,7% das áreas necessárias e 8,27% das famílias que demandam terras para assegurar sua sobrevivência. Se esse ritmo da reforma agrária se mantiver, adverte Ludwig, serão necessários 25 anos para completá-la.

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