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SAÚDE
Como
o Projeto Catarata faz história
Projeto Catarata completa 15 anos de combate
à cegueira,
com cinco milhões de consultas e um milhão de
cirurgias
Até
meados da década de 60, o problema de cegueira por catarata
no Brasil não merecia nenhum tipo de programa por parte
das autoridades ou unidades de saúde. Ensinava-se a cirurgia
de catarata desde o final do século anterior, e os hospitais
operavam de acordo com a demanda, dentro da capacidade instalada.
Isso levava uma certa tranqüilidade aos oftalmologistas
da época.
Apesar
da espera dos pacientes pela cirurgia, que eventualmente podia
chegar até a um ano, não existiam levantamentos
que explicitassem os índices de atendimento, nem mesmo
a demanda reprimida, resultante dos que não conseguiam
ou sequer procuravam o hospital, por conhecer as dificuldades
de atendimento cirúrgico. Os hospitais universitários
realizavam muito poucas cirurgias.
Segundo
dados do Ministério da Saúde, em 1966 eram realizadas
cerca de 60 mil cirurgias de cataratas por ano. Mesmo somando
cerca de 20% de operações particulares e por convênios,
os números eram infinitamente menores que os de países
onde haviam levantamentos consistentes, como os da Europa Ocidental
e os Estados Unidos.
Em
1989, por meio de um convênio com o Instituto Nacional
de Olhos dos EUA e a ajuda da Hellen Keller, uma organização
não-governamental norte-americana, o programa deu um
salto qualitativo significativo em termos de planejamento de
atuação junto às comunidades, no sentido
de eliminar barreiras de acesso ao atendimento. Foram realizadas
pesquisas populacionais em Campinas e no Peru. A conclusão
foi de que, mesmo nas cidades desenvolvidas como Campinas, 55%
dos indivíduos com cegueira por catarata não tinham
acesso à cirurgia.
Desenhou-se
então o projeto chamado à época de Zona
Livre de Catarata, com o objetivo de implantar gradativamente
programas de divulgação da doença, orientação
sobre sintomas e definição de estratégias
facilitadoras do acesso do paciente ao Hospital das Clínicas
da Unicamp, em dia específico, com atendimento imediato.
Barreiras
O programa foi baseado em pesquisas sobre o comportamento
dos pacientes e a melhor forma operacional para atendê-los.
Até aquele momento, as pessoas que procuravam o HC atrás
da cirurgia necessitavam de 14 ou 15 visitas, uma barreira intransponível
para a maioria da população com menos recursos.
O indivíduo cego por catarata tem de ser acompanhado
por outra pessoa, o que fatalmente dificulta seu retorno. Além
desse entrave, some-se o dos custos pelo traslado.
A
cirurgia é gratuita, mas as despesas com transporte,
refeições e medicamentos oneram o orçamento
das famílias e, na grande maioria dos casos, tornam impeditivo
o tratamento. Por isso foram organizados projetos assistenciais
e educativos, com sistemas descentralizados ou direcionados
para núcleos e centros populacionais, levando a informação
e consultas iniciais às comunidades. Manteve-se o sistema
tradicional de atendimento na Unicamp para a procura espontânea.
A técnica escolhida para o tratamento cirúrgico
foi a mais sofisticada, e também a mais eficiente e produtiva.
É um procedimento simples, rápido e indolor, com
alto índice de sucesso.
Os
recursos para viabilizar o projeto principalmente compra
de equipamentos - foram obtidos majoritariamente do orçamento
da Universidade, mas com significativa contribuição
da União, prefeituras, órgãos públicos,
órgãos não-governamentais, Lions, indústrias
e óticas. Estima-se que esses recursos superaram R$ 1
bilhão nesses 15 anos de projeto.
América
Latina Em 1988 a Unicamp, em conjunto com a Helen
Keller, convocou uma reunião em São Paulo com
doze países da América Latina, onde os resultados
brasileiros foram apresentados. Os países participantes
se comprometeram a iniciar projetos semelhantes. Paralelamente,
o programa da Unicamp foi levado para diversas partes do Brasil,
da Amazônia à Paraíba e Espírito
Santo, além de cidades do interior de São Paulo
e Vale do Paraíba, mostrando a viabilidade e eficácia
do processo.
Em
1994 o projeto ganhou impulso através de uma campanha
conjunta do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e do Lions Club,
intitulada Sight First, que espalhou o conceito de atendimento
a várias capitais brasileiras. Em 1996, ou seja, dez
anos depois de iniciados os primeiros trabalhos, um megaprojeto
foi implantado em 151 cidades do Brasil, com oftalmologistas
de todo o País reproduzindo o modelo proposto e desenvolvido
pela Unicamp.
Somente em 1998, por iniciativa do ministro José Serra,
o Governo Federal assumiu um investimento maciço no programa.
Os recursos liberados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) eram limitados até então. O apoio do Ministério
permitiu a realização de 142 mil cirurgias a mais
naquele ano, e de 200 mil cirurgias/ano nos períodos
subseqüentes. Em 1999, aproximadamente 250 mil cirurgias
foram realizadas. Hoje o Brasil faz mais de 300 mil cirurgias/ano,
sem filas em nenhum hospital público. O paciente que
se apresenta hoje na Unicamp consegue submeter-se à cirurgia
em poucos dias, após completar os exames clínicos.
Uma
revolução Atualmente, no Estado de
São Paulo, cerca de 130 centros realizam a cirurgia de
catarata pelo SUS, contrapondo-se às quatro ou cinco
unidades que ofereciam o procedimento no início do programa,
em 1986, quando não havia nenhum plano de atendimento
aos cegos por catarata.
Ao dar caráter nacional ao Projeto Catarata, o Brasil
atingiu o nível de pouquíssimos países
do mundo, e inexistente no Terceiro Mundo, para onde vem sendo
expandido. Foi uma revolução. Antes, quem
conseguia uma cirurgia era um privilegiado, hoje podemos atender
a todos. Não pára mais, comemora o oftalmologista
Newton Kara José. (C.T.)
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É
o paraíso
Estive
aqui ontem e fiquei sabendo que ia ter o projeto. Voltei pra
minha terra e trouxe um grupo de mais nove pessoas, contava
animada Maria do Carmo Pereira da Silva, de 55 anos, moradora
de Cambuí, inte-rior de Minas Gerais. Isso aqui
é uma maravilha, o paraíso. Lá em Minas
não temos nada disso, enfatizava. Alugamos
uma Topic e viemos logo cedo. Eu sempre trago o pessoal de lá,
às vezes de ônibus, mas hoje até eu vou
fazer o exame.
José
Martins dos Santos, 72 anos, pegou condução na
Rodovia Anhangüera para fazer o exame pela primeira vez,
depois de avisado pelo vizinho de que haveria o mutirão.
Foi um dos primeiros a chegar, às 7 horas; depois de
preencher seu cadastro e passar pela triagem de acuidade, aguardava
a segunda etapa, de auto-refração. É
difícil, porque tenho problema de cirurgia e, quando
fico de pé, dói. Mas vai dar tudo certo, vale
a pena, confiava.
Nos
olhos de Manoel Messias de Sousa, de 72 anos, a catarata era
evidente. O problema é que dá choradeira,
dizia, olhos lacrimejantes. Desde o ano passado ouço
gente falar que tinha esse projeto, mas não sabia que
era assim. Tenho um vizinho em Sumaré, perto de Aparecidinha,
que trabalha aqui. Ele me avisou e eu vim de perua, explicou.
Filomena da Conceição Silva, de 83 anos, aguardava
sentada no banco enquanto sua filha e a neta permaneciam na
fila. Minha colega foi operada na semana passada e já
está bem da vista. Ela falou do mutirão e trouxe
minha mãe, dizia a filha.
A
enfermeira Ana Paula Araújo Oliveira Costa se dividia
entre orientar os exames e organizar a fila de idosos. Atenção,
quem estiver de óculos pode tirá-los, porque esse
exame é feito sem óculos, gritava, enquanto
encaminhava mais um paciente. Próximo!, anunciava,
ao perceber o término de um exame. Neusa Heli Zenoveli
dos Santos, outra das três enfermeiras responsáveis
pelo atendimento na Oftalmologia do HC (a terceira é
Jane Alice Giusio Tolucci), explicava que os exames são
muito rápidos, e entre os mais demorados estão
a auto-refração e a refração, porque
exigem cooperação do paciente. Algumas variáveis
têm de ser levadas em conta, como a quantidade de pacientes
na fila, ponderou. O mais recomendável é
que pes-soas idosas, que não podem ficar muito tempo
em pé, venham com um acompanhante para guardar a fila.
Teoria
e prática Os alunos da FCM participam como
voluntários dos mutirões do Projeto Catarata.
Além do sentimento de solidariedade, é uma boa
oportunidade para exercitar a medicina. A maioria dos mutirões
ocorre no próprio hospital, mas existem ações
também em comunidades. Eu já participei
de um mutirão no Ouro Verde (uma das regiões mais
pobres de Campinas) no ano passado, os outros foram aqui,
contou Vanessa Gonçalves Crespi, quartanista de medicina,
voluntária desde 1998. Não participo de
todos, mas quando posso me ofereço, acrescentou.
O
Núcleo de Prevenção à Cegueira,
da Oftalmologia, avisa quando haverá o mutirão.
Grande parte dos voluntários é indicada pela Liga
dos Estudantes de Graduação da Medicina, que submete
os quartanistas a uma prova e seleciona vinte alunos por ano
para participar do projeto. Dessa maneira temos mais contato
com a disciplina, ressaltava Juliana Rosa Pompeu de Camargo.
Para a estudante Helena Luiza Reiner, o curso de oftalmologia
é muito curto e a participação no projeto
permite ampliar o aprendizado não oferecido nas aulas
convencionais. Durante o projeto praticamos mais com os
aparelhos e melhoramos o conhecimento, avalia.
O
grupo participava dos exames de acuidade visual. Existe
um limite de visão. Abaixo dele, significa que o paciente
tem algum problema e segue para os outros exames, simplificou
Eliane Cristina Meyer, também voluntária.
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