Inovação gerada no campus
Empresa fundada por cinco pesquisadores
vai criar ampla plataforma genômica
CLAYTON LEVY
Quando, em março deste ano, cinco pesquisadores brasileiros montaram a Alellyx Applied Genomics, primeira empresa brasileira de genômica aplicada, não imaginavam que o novo negócio iria prosperar com tanta rapidez. Hoje, passados apenas seis meses, o grupo se prepara para inaugurar um laboratório de dois mil metros quadrados, em Campinas, onde a empresa passará a desenvolver pesquisas em genética molecular. Dos cinco cientistas, três são da Unicamp, um é da USP e um da Unesp. Como empresários, eles agora trabalham no seqüenciamento genético de produtos agrícolas de grande importância econômica.
Estamos crescendo aos poucos, mas de forma consistente, diz o diretor científico da Alellyx, Paulo Arruda, que também coordena o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp. Além dele, compõem o grupo os pesquisadores João Carlos Setúbal e João Paulo Kitajima, do Instituto de Computação da Unicamp, Ana Claudia Rasera, do Instituto de Química da USP, e Jesus Aparecido Ferro, da Unesp. Os cinco ganharam destaque ao coordenar o Projeto Genoma, financiado pela Fapesp, que decifrou o sequenciamento genético da bactéria Xyllela fastidiosa, causadora da praga do amarelinho nos laranjais; a Xanthomonas axonopodis pv. citri, causadora do cancro cítrico também em laranjas; a Xylella fastidiosa, causadora da doença de Pierce na uva, e a Agrobacterium tumefaciens, bactéria conhecida por suas aplicações em engenharia genética.
"O seqüenciamento genômico é apenas o primeiro passo para o desenvolvimento da biotecnologia moderna", diz Arruda. Segundo ele, a Alellyx levará adiante este desenvolvimento, criando e utilizando uma ampla plataforma genômica para aumentar a produtividade, a competitividade e a qualidade de produtos agroindustriais. O foco inicial será nas culturas de soja, laranja, uva, eucalipto e cana-de-açúcar. Para isso, o novo laboratório, localizado na altura do quilômetro 104 da rodovia Anhanguera, contará com uma equipe de aproximadamente 40 cientistas liderados por seus fundadores. Pelo menos um terço deles, segundo Arruda, deverá sair da Unicamp. "Manteremos estreita colaboração com as universidades e os centros de pesquisa e desenvolveremos programas conjuntos com empresas agroindustriais nacionais e internacionais", diz Arruda.
Os recursos para o empreendimento virão da Votorantim Ventures, um fundo de capital de risco ligado ao Grupo Votorantim, que resolveu apostar no grupo após o sucesso alcançado no Projeto Genoma. Só nos cinco primeiros anos, deverão ser investidos R$ 30 milhões. Embora a inauguração esteja marcada para outubro, o novo laboratório já iniciou as operações, trabalhando em laranja, eucalipto e cana-de-açúcar. Num segundo momento, soja e uva também serão alvo das pesquisas. A expectativa, porém, é de que a empresa só comece a dar lucro dentro de cinco anos.
"Mesmo assim estamos animados, porque o potencial do negócio é grande", diz Arruda. Pesquisa realizada pela empresa revela que, se todos os males que hoje afetam as culturas de laranja, uva, soja, cana-de-açúcar e eucalipto fossem resolvidas, a economia gerada chegaria a R$ 1 bilhão. Entre os principais males, está a morte súbita dos citros (MSC), que causa perdas aos laranjais paulistas da ordem de R$ 10 milhões por safra. Por essa razão, a citricultura é um dos principais alvos da Alellyx. Os negócios com laranja no país movimentam cerca de R$ 10 bilhões por ano.
O seqüenciamento genético da laranja, segundo Arruda, poderá reduzir em um terço os custos de produção por hectare, que atualmente giram em torno de R$ 300,00 a R$ 600,00. No processamento industrial, fase em que os custos de produção chegam a R$ 1 bilhão por ano, a redução poderá alcançar 50%. "Isso significa que poderemos produzir uma quantidade maior de suco a um custo mais baixo", explica o pesquisador. Este salto, segundo ele, deverá gerar um impacto positivo nas exportações do produto. A idéia, de acordo com o pesquisador, é terminar o sequenciamento genético da laranja até março de 2003.
Empresas empregam 28 mil
O crescimento do setor de biotecnologia no Brasil mostra que o conhecimento gerado nas universidades é um importante fator de riqueza para o País. Pesquisa realizada pela Fundação Biominas revela que, nos últimos oito anos, o número de novas empresas cresceu 300%, chegando a 304 indústrias. Juntas, elas empregam 28 mil trabalhadores e faturam cerca de R$ 9 bilhões por ano, o que correspondendo a 0,9% do PIB brasileiro. Segundo o estudo, 44% das empresas de biotecnologia no Norte e Nordeste são coordenadas por pesquisadores. No Rio de Janeiro e Minas Gerais, a taxa chega a 30%. Nas regiões Central e de São Paulo, os professores estão no comando da 80% das empresas.
É o caso, por exemplo, da Scylla que, assim como a Alellyx, também é formada por professores da Unicamp e está sendo financiada pela Votorantim Ventures, empresa de capital de risco ligada ao Grupo Votorantim. A diferença é que a Scylla atua na área de bioinformática, com foco na produção de softwares para uso em montagem de seqüências de DNA e análise de proteínas. "Num primeiro momento, a idéia é explorar patentes agrícolas e, numa segunda etapa, atuar também na indústria farmacêutica", explica o pesquisador João Meidanis, do Instituto de Computação da Unicamp e um dos sócios da empresa.
Meidanis, que também participou do Projeto Genoma, conta que a idéia de montar a empresa surgiu logo após o sucesso alcançado com o sequenciamento da Xylella. "Percebemos que o ritmo de trabalho era muito intenso", conta. Segundo o pesquisador, o projeto existia há três anos, mas só agora a empresa conseguiu recursos para viabilizar a idéia. A expectativa é atender, no futuro, países da América Latina e Ásia. "Esperamos atingir condições para auto-sustentação dentro de um ano", afirma.
Engenharia genética impulsionou pesquisas
Biotecnologia consiste na aplicação em grande escala, ou transferência para indústria, dos avanços científicos e tecnológicos, resultantes de pesquisas em ciências biológicas. O próprio desdobramento da terminologia implica a biotecnologia como sendo o uso de organismos vivos (ou suas células e moléculas) para produção racionalizada de substâncias, gerando produtos comercializáveis. Embora a palavra biotecnologia tenha sido usada pela primeira vez em 1919 por um engenheiro agrícola da Hungria, as primeiras aplicações biotecnológicas pelo ser humano datam de 1800 AC, com o uso de leveduras (organismo vivo) para fermentar vinhos e pães (produtos). Desde então, o conceito de biotecnologia tem sido aplicado ao longo do tempo, como pode ser observado na listagem histórica de alguns marcos científicos e tecnológicos que contribuíram para o desenvolvimento da área.
O crescimento acelerado do campo da biotecnologia, entretanto, ocorreu a partir da década de 1970 com o desenvolvimento da engenharia genética (alteração direta do material genético) ou tecnologia do ácido desoxirribonucléico (DNA) recombinante. Esta tecnologia implica na modificação direta do genoma do organismo alvo pela introdução intencional de fragmentos de DNA exógenos (genes exógenos) que possuem uma função conhecida. Sendo assim, por meio de engenharia genética, o gene (DNA) que contém a informação para síntese de uma definida proteína de interesse pode ser transferido para outro organismo que então produzirá grandes quantidades da substância.
Estes conceitos têm definido e delimitado o que se denomina biotecnologia moderna, diferenciando-a da biotecnologia antiga. Exemplos de substâncias ou produtos que têm sido produzidos por meio da biotecnologia moderna ou engenharia genética incluem interferon humano (substância natural sintetizada no organismo humano para defesa contra vírus), insulina humana, hormônios de crescimento humano, plantas resistentes a vírus, plantas tolerantes a insetos e plantas resistentes a herbicidas. Outro uso importante da biotecnologia implica na produção de bactérias, utilizadas para biodegradação de vazamentos de óleos ou lixos tóxicos.