Estudo prolonga
efeitos de anestésicos
ISABEL GARDENAL
A formulação de três anestésicos de uso consagrado no mercado bupivacaína, benzocaína e lidocaína sofreu adaptações na Unicamp a fim de diminuir os efeitos colaterais e aumentar o tempo de duração. A farmacêutica Luciana Alves Pinto agregou às mudanças o emprego inédito de dois veículos, os lipossomas (cápsulas aplicadas predominantemente na área cosmética e médica) e as ciclodextrinas (responsáveis pelo aumento da solubilidade aquosa das moléculas) com resultados promissores.
Testes de caracterização físico-química realizados pela pesquisadora com os anestésicos apontaram que, tecnologicamente, eles foram preparados com sucesso, tendo potencial para serem testados também in vivo.
Em todas as formulações, a toxicidade in vitro diminuiu em relação às originais, efeito já esperado por Luciana. De acordo com o anestésico, ou o lipossoma ou a ciclodextrina foram melhores como condutores. Estes resultados estão disponíveis na tese de doutorado "Formulações anestésicas locais de longa duração", recentemente defendida no Instituto de Biologia.
Testes - O primeiro anestésico de ação local clinicamente utilizado foi a cocaína, presente em grandes quantidades nas folhas da Erythroxylon coca, um arbusto que cresce em grandes altitudes. Atualmente, há muitos anestésicos comerciais. Só o Laboratório de Biomembranas, do Departamento de Bioquímica, trabalha com dez, dos quais Luciana selecionou a bupivacaína - mais utilizada em anestesias peridurais (cesáreas), a lidocaína - na odontologia e a benzocaína - para uso tópico. Apesar de muito potentes, relata a farmacêutica, estes anestésicos ainda apresentavam um certo grau de toxicidade.
"Os experimentos abriram caminho para testar outros anestésicos em uso e examinar veículos que chegassem a uma formulação que aumentasse a potência e não a toxicidade", diz Luciana. Daí a escolha dos lipossomas, que representam a mais avançada tecnologia em transporte de substâncias, e das ciclodextrinas, bem freqüentes em nanotecnologia e na indústria alimentícia, dissolvendo produtos pouco solúveis em água.
No caso da benzocaína, esta baixa solubilidade impedia seu uso por via infiltrativa. Com a adaptação, Luciana produziu uma formulação que permitirá ser injetada, como outros anestésicos comerciais.
A bupivacaína então é o mais potente anestésico da clínica médica. Testes de potência com a droga se mostraram favoráveis em animais, com tempo de anestesia mais longo do que a bupivacaína que está no mercado, e o mesmo ocorrendo com a lidocaína.
"A tese mostrou que as novas formulações garantirão menor risco ao paciente e maior biodisponibilidade das drogas existentes, provando que veículos com características diferentes podem ser melhores, a depender da droga adotada. É, portanto, desbravadora, porque teve que buscar os métodos de preparação aceitáveis na literatura", salienta Luciana.
A professora Eneida de Paula, orientadora da tese, acrescenta que, em geral, as indústrias farmacêuticas não têm laboratórios de pesquisa no Brasil, o que envolve computação pesada, química orgânica, e despende muito dinheiro. Ela defende que, com competência, é possível usar o conhecimento básico para aprimorar a tecnologia, e a um custo melhor.
A tese obteve financiamento da Fapesp, sendo ainda co-orientada pela professora Maria Helena Santana, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), que tem ampla experiência com lipossomas, sistema de liberação controlada e medicamentos.