A nata do soro
Proteína retirada de subproduto do leite
reforça defesa do organismo
MANUEL ALVES FILHO
Pesquisadores da Unicamp em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) estão encontrando aplicações nobres para o soro do leite bovino, material normalmente descartado pela indústria de laticínios e que ajuda a poluir os mananciais brasileiros. Usada como suplemento alimentar, a proteína obtida a partir desse subproduto do queijo tem a propriedade de reforçar a defesa natural do organismo humano contra doenças. Estudos realizados junto a crianças portadoras do vírus HIV constataram que, após a ingestão da substância, elas tiveram melhora no equilíbrio das células que atuam no sistema imunológico e apresentaram menor incidência de infecções oportunistas.
As pesquisas desenvolvidas em torno do uso do leite para a extração de componentes com propriedades especiais fazem parte de um projeto temático que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De acordo com Valdemiro Carlos Sgarbieri, professor do Departamento de Planejamento Alimentar e Nutrição (Depan) da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp e pesquisador científico do Ital, onde boa parte do projeto foi executada, o programa reúne perto de dez estudos. Todos eles comprovaram ou estão comprovando a propriedade funcional da proteína. Alimento funcional é aquele que, além de nutrir, também ajuda a proteger o organismo de enfermidades.
No caso da pesquisa feita junto às crianças portadoras do HIV, o procedimento foi rigoroso. Foram selecionados 30 pacientes que estavam sob tratamento médico regular. Durante seis meses, os cientistas acompanharam o padrão alimentar e o estado imunológico de cada indivíduo. Em seguida, foram formados três grupos. O primeiro recebeu o suplemento alimentar durante quatro meses, enquanto o segundo tomou apenas placebo pelo mesmo período. Ao terceiro e último grupo não foi administrada qualquer substância.
Ao final do estudo, foi verificado que as crianças que ingeriram a proteína extraída do soro do leite bovino apresentaram um quatro nutricional e imunológico superior ao das demais. “Além disso, elas também tiveram uma menor incidência de doenças oportunistas”, revela o professor Sgarbieri. Ele afirma que outras pesquisas do mesmo projeto temático constataram que o produto também é eficaz no controle e redução do colesterol, no combate aos tumores intestinais induzidos por carcinógenos específicos e na prevenção de lesões gástricas induzidas por diferentes agentes ulcerogênicos.
Pó é colocado nos alimentos
A proteína do soro do leite bovino vem sendo usada em larga escala em países desenvolvidos. No Brasil, segundo o professor da FEA, isso ainda não ocorre em razão da falta de sofisticação dos laticínios. Para produzir o queijo, as fábricas promovem a coagulação do leite por intermédio de um tratamento térmico, que também tem a função de combater as bactérias. Após a coagulação, obtém-se a caseína, base para o preparo de derivados, e o soro. Acontece, porém, que esse aquecimento praticamente elimina a propriedade funcional da proteína do soro, situação agravada pela adição de sal no início do processo.
Nos testes feitos em laboratório e em planta piloto, os especialistas da Unicamp e das demais instituições envolvidas no projeto temático tomaram caminho diferente. Ou seja, a coagulação do leite é feita sem aquecimento. Depois, o soro é concentrado por meio de ultrafiltração. Em seguida, as moléculas de maior peso são separadas das de menor peso por diafiltração. Com isso, obtém-se o permeado, composto basicamente por lactose, e o retentado, formado por 85% de proteína e 15% de lactose, gordura e minerais. Este último é desidratado, gerando um pó que pode ser acrescentado a alimentos como iogurtes, sorvetes e bebidas.
Conforme o professor Sgarbieri, matéria-prima é o que não falta para transformar o soro, que é um subproduto sem valor, em um suplemento alimentar com alto valor agregado. De cada dez litros de leite, diz, são gerados um quilo de queijo e nove litros de soro, com aproximadamente 1% de proteína. A partir dessa quantidade de soro seria possível extrair cerca de 100 gramas de retentado. Sabendo-se que a produção mundial de soro gira em torno de 100 bilhões de litros anualmente, pode-se ter uma idéia do potencial nutricional e econômico do componente.
"Pelo interesse que as pesquisas têm despertado nessas classes de produtos alimentícios, acredito que em duas décadas nós as estaremos usando em larga escala, o que representará também uma melhoria dos processos industriais", estima o docente da FEA. Participam do projeto temático, além dos especialistas do Ital e da UFPR, docentes e pós-graduandos das seguintes unidades e órgãos da Unicamp: FEA, Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) e Centro de Investigação em Pediatria (CIPED), pertencente à Faculdade de Ciências Médias (FCM).