195 - ANO XVII - 21 a 27 de outubro de 2002
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Um mercado de US$ 1 trilhão ao ano

Falta de investimentos no setor da microeletrônica condena o país à periferia da economia globalizada

MANUEL ALVES FILHO

O professor  Jacobus  Swart: "Não estamos em condições de desprezar um segmento tão estratégicoEm plena era da globalização, em que os conceitos de inovação e competitividade estão presentes em praticamente todas as atividades produtivas, o Brasil ainda não despertou para um mercado mundial que movimenta cerca de US$ 1 trilhão ao ano. O setor em questão é o da microeletrônica, cujo crescimento tem sido, nas duas últimas décadas, da ordem de 17% anualmente. Nenhum outro segmento apresentou desempenho sequer parecido no mesmo período. A despeito disso, o país não fabrica atualmente um único chip ou circuito integrado (CI) completo. As indústrias nacionais limitam-se a importar componentes para a montagem de equipamentos, situação que se não for revertida condenará a nação ao atraso e ao crescente déficit da balança comercial. A avaliação, em tom de advertência, é de Jacobus Willibrordus Swart, coordenador do Centro de Componentes Semicondutores (CCS) da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. Segundo ele, "é hora de o Brasil acordar e decidir se quer continuar sendo um país periférico ou se deseja participar ativamente da economia globalizada".

De acordo com Swart, as raras tentativas de impulsionar o setor não saíram do papel. Até mesmo o Programa Nacional de Microeletrônica, lançado em julho de 2001 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), ainda não surtiu qualquer resultado prático. O docente da FEEC conta que foi solicitado ao MCT, em caráter emergencial, um pacote de bolsas de estudos para várias universidades que participam do Programa (21 para doutorado e 74 para mestrado). Os recursos, no total de R$ 2,36 milhões para 4 anos, ainda não foram liberados, mas existe a expectativa que isso ocorra até o final do ano. "É preciso ficar claro que isso servirá apenas para tapar buraco. Independente dessa iniciativa, o país continuará carecendo de uma política de desenvolvimento mais densa e duradoura para a área", afirma o especialista.

Mas por que é tão importante para o Brasil, que detém indicadores sociais dramáticos, ingressar no seleto grupo de países que domina esse tipo de tecnologia? A explicação, conforme o professor Swart, é simples. Somente a importação de componentes e equipamentos eletrônicos contribuiu com um déficit de cerca de US$ 8 bilhões ao ano na balança comercial brasileira. O mercado potencial de componentes semicondutores no Brasil, segundo cálculos da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) é de US$ 5,5 bilhões. "Nós não estamos em condições de desprezar um segmento tão estratégico. O desenvolvimento da microeletrônica gerará empregos e riquezas para o país, o que certamente trará ganhos sociais", argumenta.

Swart lembra que todos os equipamentos eletrônicos são produzidos com chips, e que a aplicação desses componentes tem sido ampliada fortemente. Eles estão presentes no forno de microondas, na geladeira, no sistema de iluminação residencial e no automóvel. São empregados até mesmo nas atividades ligadas ao agronegócio. Muitas fazendas voltadas à criação de gado controlam o plantel com a ajuda da microeletrônica. Cada vaca tem um chip, onde está armazenado todo o histórico do animal. "O chip está ficando cada vez mais importante como base econômica", reforça o professor da FEEC. Mesmo assim, insiste o especialista, o Brasil não tem sequer uma fábrica produzindo CI.

Avanço depende de recursos

Algumas empresas nacionais dedicam-se, no máximo, ao encapsulamento do chip ou à produção de componentes discretos. Existem, ainda, unidades voltadas ao desenvolvimento de projetos, mas que não têm qualquer vínculo com a inovação tecnológica propriamente dita. "São segmentos importantes, mas que não asseguram ao país o domínio da tecnologia", pondera Swart. De acordo com ele, para que o Brasil avance nesse setor é necessário que o Programa Nacional de Microeletrônica deslanche de vez. Isso significa injetar recursos para a ampliar o mercado nacional e formar pessoal especializado. No campo dos recursos humanos, destaca o professor da FEEC, a situação nacional é razoável, mas precisa melhorar.

Ele explica que, por falta de indústrias que produzam chips, o interesse em promover pesquisas em torno de componentes foi afetado. Ainda assim, algumas instituições, como a própria Unicamp e a USP, têm realizado excelentes trabalhos. "Nós da FEEC produzimos chips em nível acadêmico, com estruturas micrométricas. Também realizamos, em laboratório, pesquisas em dimensões sub-micrométricas. Mas, infelizmente, ainda não temos quem fabrique esses chips em escala industrial", exemplifica. Segundo Swart, é preciso superar a mística de que só o Primeiro Mundo é capaz de dominar esse tipo de tecnologia. Outro tabu a ser derrubado é o que estabelece que uma fábrica de semicondutores é muito cara. De fato, isto é válido para uma unidade que produz microprocessadores. Esta, porém, tem como alvo os grandes mercados.

O docente da Unicamp afirma que é possível criar fábricas menores que não exijam a adoção de tecnologias de ponta. "Uma unidade que produz sistema de alarme para carros, por exemplo, não precisará ser tão sofisticada assim", assegura. O Brasil, na opinião de Swart, poderia enfrentar esse desafio a partir da experiência de outras nações. Vários países formaram consórcios, entre empresas e/ou centros de pesquisa, para investir na área de pesquisa e desenvolvimento. "Os resultados obtidos por meio desse modelo foram muito bons. Nós também poderíamos seguir esse exemplo, superando nossa dificuldade de trabalhar em conjunto", sugere.

Segundo Swart, investir em microeletrônica também abre perspectivas para desenvolvimento em várias áreas correlatas e de importância crescente como as de microssistemas (MEMS) e de nanotecnologias. "MEMS representam um segmento de forte crescimento, pois cada vez mais é preciso ter microssensores e microatuadores para automatizar e melhorar a qualidade de processos com aplicações diversas (saúde, agricultura, segurança e automação industrial)", avalia. De acordo com o professor, as nanotecnologias estão começando a despertar muito interesse nos países do Primeiro Mundo, por representarem novas oportunidades e um grande mercado no futuro. "As tecnologias de microeletrônica servem de base para muitas idéias no campo das nanotecnologias. Um dos temas da nanotecnologia refere-se à síntese e aplicações de nanotubos de carbono. Recentemente, o pesquisador do CCS, Dr. Stanislav, obteve as primeiras amostras com este material, sintetizado por sistema de CVD com plasma de microondas".