Informação nutricional e mercado: um
desafio para o governo e a universidade
ELISABETE
SALAY
Não
contém colesterol;
enriquecido com ferro;
contém glúten;
bebida de baixa caloria.
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Estes são alguns exemplos das diversas informações
disponíveis no dia-a-dia ao consumidor e que,
mesmo que não preponderantemente, podem influir
na tomada de decisão dos indivíduos
sobre sua alimentação. Se estas alegações
são adequadas ou suficientes ou estão
em excesso são questões que se pode
responder partindo-se da abstração de
mercado onde forças de demanda e oferta interagem,
fornecendo um certo nível de informação
nutricional sobre o produto.
Por várias razões,
no entanto, esse mercado, operando por suas próprias
forças, não supre necessariamente
um volume e adequação de informação
nutricional necessários à orientação
do consumidor. Primeiramente, porque o consumidor
nem sempre estará preocupado com a alimentação
e nutrição, demandando fracamente
este atributo. Com pouca demanda, então,
nem sempre as empresas terão incentivos
para inovar e oferecer informações
nutricionais.
Uma
outra razão é que o fornecedor teria
um custo muito alto se disponibilizasse voluntariamente
dados nutricionais pouco atrativos de seu produto,
como o alto teor de sódio ou o baixo teor de
vitaminas. A tendência é enfatizar as
propriedades positivas dos alimentos oferecidos, como,
por exemplo, o alto teor de fibras ou de minerais.
Grande parte, todavia, das informações
científicas nutricionais têm o caráter
público, isto é, quando disponíveis
no mercado podem produzir benefícios para
toda a sociedade. Neste sentido elas devem ser
geradas e atualizadas freqüentemente, e estarem
disponíveis aos cidadãos.
A contradição
exposta gera duas implicações importantes
para o governo e universidades. A primeira é
que o governo precisa controlar o tipo e quantidade
de informação disponível
no mercado. Exemplos deste tipo de intervenção
pública são as regulamentações
de rótulos e propagandas. E, no Brasil,
pode se relatar a Resolução nº
19 de 1999 sobre o registro de alimentos com alegação
de propriedades funcionais e a Resolução
nº 40 de 2001 sobre a rotulagem nutricional
obrigatória de alimentos e bebidas embalados,
ambas do Ministério da Saúde.
A segunda implicação
é que o mercado por si só, não
gerando informações nutricionais
suficientes para a promoção da saúde
pública, passa para o governo a responsabilidade
de planejar e também financiar pesquisas
nesta área. E, neste caso, as universidades
que desenvolvem estudos de excelência científica
têm papel fundamental, como no caso do Brasil.
As recomendações nutricionais e
a composição dos alimentos ilustram
perfeitamente este argumento.
O processo de elaboração
de padrões de recomendação
de ingestão diária de nutrientes
e energia é extremamente dependente de
pesquisa básica e deve ser desenvolvido
sistematicamente. Quando foram sugeridas as primeiras
recomendações de consumo diário
de energia e proteínas, ainda nem se tinha
identificado os aminoácidos essenciais
e seu papel no organismo. Desde 1940, o Food and
Nutrition Board foi estabelecido nos Estados Unidos
para propor padrões de ingestão
de nutrientes. Ao invés de um indicador,
isto é, Recommended Dietary Allowances
(RDAs), conforme orientação de 1989,
o Food and Nutrition Board recentemente propôs
a aplicação de quatro indicadores,
para o planejamento e análise da alimentação
da população, incluindo limites
máximos de consumo de certos elementos
que são as Dietary Reference Intakes (DRIs).
Estes novos indicadores mudarão a concepção
e planejamento, desde programas governamentais
até cardápios em estabelecimentos
comercias, com impactos evidentes na saúde
publica. O Brasil tem direcionado esforços
para adaptações das recomendações
desenvolvidas por organismos internacionais à
população brasileira, como, por
exemplo, os trabalhos meritórios elaborados
pela Universidade de São Paulo e pela Sociedade
Brasileira de Alimentação e Nutrição.
Todavia, ainda não se alocou a devida prioridade
política para o desenvolvimento de pesquisa
científica nesta área.
Visando promover o debate, o
Núcleo de Estudos Pesquisas em Alimentação
(Nepa) da Unicamp está organizando um seminário
para discussão e divulgação
das DRIs em conjunto com a Universidade de São
Paulo, incluindo a Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, e a Universidade
Metodista de São Paulo. Este evento conta
com a promoção do V Simpósio
Latino-Americano de Ciência dos Alimentos
e ocorrerá em 02 de novembro de 2003 (http:www.unicamp.br/nepa
ou http://www.slaca.com.br).
A composição dos
alimentos é outro tipo de informação
de caráter público incompletamente
gerada pelo mercado. Sabe-se que a composição
dos alimentos pode variar de acordo com fatores
diversos, tais como o clima, o processamento,
a variedade, etc. Essas variações
podem ser de expressiva magnitude e, o uso, portanto,
de tabelas de outros países pode induzir
graves erros na compreensão do valor nutricional
da alimentação e dos rótulos
alimentares, nas prescrições de
dietas, e até na identificação
de impactos ambientais. Deste modo, cada país
deve constituir, com metodologia científica
adequada, sua tabela de composição
de alimentos. O projeto TACO (Tabela Brasileira
de Composição de Alimentos) que
vem sendo coordenado pelo Nepa desde 1996, veio
de encontro a esta necessidade. Com pioneirismo
na América Latina e envolvendo dezenas
de laboratórios de todo o Brasil, já
se analisou a composição de 198
alimentos graças ao suporte financeiro
do Ministério da Saúde (MS). Mais
recentemente, o projeto encontrou o apoio também
do Ministério Extraordinário da
Segurança Alimentar (Mesa) que em conjunto
com o MS e, provavelmente parceiros do setor privado,
possibilitarão a continuidade e consolidação
da Tabela Brasileira de Composição
de Alimentos.
Mercado, informação nutricional,
governo e universidade, formam, portanto, um arranjo
adequado para a promoção da nutrição
e da saúde pública.
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Elisabete Salay é coordenadora
do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação
(Nepa) e professora da Faculdade de Engenharia
de Alimentos (FEA) da Unicamp