Desnacionalização foi benéfica
para o setor de eletrodomésticos, conclui tese
MANUEL
ALVES FILHO
|
A
economista Adriana Marques da Cunha: previsões
pessimistas colocadas por terra |
O processo de desnacionalização
da indústria brasileira de eletrodomésticos
de linha branca nos anos 90 trouxe efeitos positivos
para o setor, como a intensificação
da reestruturação e o incremento da
produtividade do trabalho de suas principais empresas.
Além disso, ampliou a inserção
dos produtos no mercado externo. As conclusões
estão na tese de doutorado de Adriana Marques
da Cunha, defendida no último dia 26 de setembro
junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Em
seu trabalho, a economista também considerou
o transbordamento dessas conseqüências
para os fornecedores das montadoras, de modo a ter
uma avaliação acerca da cadeia produtiva
como um todo.
Até o início dos anos
90, a indústria brasileira de eletrodomésticos
era totalmente nacional. Ainda na primeira metade
da década, foi deflagrada uma onda de aquisições
das empresas que compõem o setor por grandes
multinacionais. Em 1993, a sueca Eletrolux fechou
um acordo de transferência de tecnologia com
a Refripar, então proprietária da marca
Prosdócimo. Dois anos depois, houve a compra
definitiva. Em 1994, a alemã Bosch Siemens
adquiriu a Continental e, em 1997, a americana Whirpool
assumiu o controle acionário da Multibrás
(Brastemp e Cônsul), Brascabo e Embraco, esta
última fornecedora do mais importante componente
dos refrigeradores, o compressor. Até mesmo
a campineira Dako, tradicional fabricante de fogões,
foi encampada pela americana General Eletric, em 1996.
Atualmente, conforme Adriana, cerca de 90% do faturamento
do setor é controlado pelas grandes empresas
líderes mundiais.
A entrada desses gigantes no Brasil
deu-se por dois fatores em especial. Primeiro, por
conta da ação estratégica desenvolvida
pelas multinacionais, interessadas na conquista de
um novo e amplo mercado, que apresentava como diferencial
uma bem estruturada cadeia produtiva, aqui considerados
os fornecedores de componentes. A autora da tese lembra
que exportar eletrodomésticos, sobretudo os
não-portáteis, como geladeiras, fogões
e lavadoras de roupa, é uma tarefa complicada.
Além de volumosos, os equipamentos não
apresentam um elevado valor agregado. Assim, estando
no Brasil, seria mais fácil para as multinacionais
colocarem seus produtos nos países sul-americanos.
Estes, por sua vez, reúnem um número
extremamente interessante de consumidores potenciais.
Só
para se ter uma idéia, tome-se como exemplo
o próprio Brasil. Em 2000, de acordo com a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), instrumento de investigação
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), apenas 19% dos lares brasileiros tinham fornos
de microondas. Já as secadoras de roupa estavam
presentes em somente 5% das residências do País.
O segundo fator que favoreceu a desnacionalização
do setor foi o interesse dos empresários nacionais
na possibilidade de extensão de seu horizonte
de rentabilidade, por meio do acesso à capacitação
tecnológica e organizacional das grandes empresas
líderes mundiais.
Diante dessa perspectiva, os proprietários
das montadoras brasileiras foram, pouco a pouco, transferindo
o controle das empresas para as gigantes do ramo.
Para compreender melhor os efeitos dessa desnacionalização,
Adriana realizou um exaustivo trabalho. Ela analisou
tanto dados primários, colhidos junto aos novos
controladores, como secundários, obtidos a
partir de fontes como o IBGE. Ao processar, cruzar
e interpretar essa massa de informações,
a pesquisadora chegou a conclusões que contrariaram
as primeiras expectativas sobre o resultado dessas
aquisições.
A autora da tese conta que, inicialmente,
imaginava que a desnacionalização provocaria,
por exemplo, a substituição dos componentes
nacionais dos eletrodomésticos pelos importados.
Ou que a presença das multinacionais no País
favoreceria a importação dos equipamentos
produzidos por elas no exterior em detrimento das
exportações dos produtos aqui fabricados,
decisão que ajudaria a piorar o desempenho
da balança comercial brasileira. Mas
o que minha tese constatou foi algo bem diferente
disso, afirma Adriana. De acordo com ela, três
aspectos colocaram por terra as previsões pessimistas.
Primeiro, a multinacionais intensificaram
a reestruturação produtiva e organizacional
que já vinha sendo executada pelas empresas,
com ênfase na introdução de tecnologias
inovadoras. Segundo, essas mudanças, associadas
a outros métodos, ampliaram a produtividade
dos trabalhadores. No caso das montadoras tomadas
para estudo, houve um incremento de 70,4% do valor
médio da produção industrial
entre 1994 e 1997, frente a uma redução
de 16,6% das pessoas ocupadas no mesmo período.
Por fim, os novos controladores ainda acentuaram a
presença dos produtos brasileiros no mercado
externo, inclusive Europa e Estados Unidos. O
interessante é que, por já contar com
uma cadeia produtiva bem-estruturada, houve um transbordamento
dessas ações também para os fornecedores,
explica.
Em sua tese, Adriana reforça
a necessidade da realização de novos
estudos setoriais com metodologias coerentes, que
permitam uma compreensão mais ampla e precisa
sobre os efeitos dos investimentos diretos em determinados
setores industriais brasileiros, bem como acerca das
cadeias produtivas domésticas por eles controladas.
Creio que somente a análise de dados
primários não basta para entender um
processo tão complexo, pondera. O trabalho
da economista foi orientado pelo professor Mariano
Francisco Laplane, do IE. A autora não contou
com bolsa de estudo, mas alguns pesquisadores que
participaram de uma pesquisa que ajudou a subsidiar
o seu estudo tiveram o apoio do CNPq e da Fapesp.