Assessora especial do presidente, pesquisadora
do NEPP está incumbida de unificar programas sociais
Vencer as desigualdades é o
maior desafio, diz Ana Fonseca
CLAYTON LEVY
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Ana Fonseca, socióloga e pesquisadora da Unicamp: União, estados e municípios devem atuar conjuntamente |
Ela foi chamada para botar ordem na casa. Nomeada no final de setembro assessora especial do gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a socióloga e pesquisadora da Unicamp Ana Fonseca chega ao governo com uma missão bem definida: unificar os programas federais de transferência de renda, como Bolsa-Escola, Cartão-Alimentação, Bolsa-Alimentação e Vale-Gás, até então espalhados por vários ministérios. Para muitos, sua chegada a Brasília nove meses após a posse do presidente é prenúncio de profundas reformas envolvendo os ministérios de Segurança Alimentar e da Assistência e Promoção Social. Para outros, é uma tentativa, ainda que tardia, de reverter a paralisia do governo na área social. Seja qual for a intenção de Lula, essa cearense de Fortaleza, torcedora fanática do Corinthians, recusa a imagem de "salvadora da pátria" e aposta no seu perfil técnico para ajudar o país no combate à pobreza.
"Estamos aqui para desenvolver um trabalho técnico", diz a socióloga, garantindo que as implicações políticas que rondam o governo não deverão interferir no resultado final. "As discussões políticas estão embutidas, mas o desafio colocado para a nação é o mesmo para todo mundo: como vencer as desigualdades e a pobreza", afirma. "Esse é um desafio posto não apenas para o governo federal mas também para todos os entes da federação. Como todos concordam com isso, então não estamos tendo dificuldades", completa.
À frente da secretaria executiva, Ana Fonseca irá administrar um orçamento de R$ 5,2 bilhões em 2004, o que corresponde a um aumento da ordem de R$ 1 bilhão em relação ao orçamento dos programas sociais do governo para este ano. O governo anuncia que o número de famílias beneficiadas com a unificação aumentará de 7 milhões para 10 milhões. Deverão aumentar também os valores a que terão acesso as titulares do novo cartão único, verde-amarelo. As famílias carentes passarão a receber, em média, R$ 83 (o máximo que o Bolsa-Escola oferece é R$ 45.) O governo terá R$ 5,3 bilhões para transferir no próximo ano; o remanejamento de verbas orçamentárias permitiria elevar esse total para R$ 7 bilhões.
A unificação, segundo ela, também deverá pôr fim a algumas discrepâncias causadas por programas paralelos, que tinham os mesmos objetivos mas adotavam critérios diferentes para beneficiar a população mais pobre. Essa situação chegou a ser denunciada pela própria Ana Fonseca no início do governo Lula, quando integrou a equipe de transição. Na época, falando ao Jornal da Unicamp, ela alertava para o fato de haver municípios com programas sociais no âmbito da secretaria da Promoção Social e outro no âmbito da secretaria de Educação.
"Com isso, num mesmo município há famílias recebendo R$ 200,00 e outras ganhando R$ 30,00", embora apresentem as mesmas necessidades", diz. "Às vezes são famílias vizinhas, atendidas por programas diferentes", completa. Para Ana Fonseca, o mais importante é instituir uma cultura em que União, estados e municípios atuem de forma associada e não mais competindo entre si.
Como exemplo, ela cita o trabalho que vinha desenvolvendo na prefeitura de São Paulo, onde foi responsável pelos programas de distribuição de renda. "Temos o programa do estado com uma cota de 14 mil famílias, o programa do governo federal com 70 mil famílias e o programa municipal com 180 mil famílias, mas não há diferenças porque eles são complementares e não paralelos", diz. "O importante é que os recursos públicos não sejam pulverizados".
Para Ana Fonseca, o fato de o atual governo ter demorado nove meses para tomar uma providência capaz de eliminar as distorções nos programas sociais não significa que houve lentidão por parte do Planalto. "A sensação que tenho é de que houve aqui em Brasília um longo processo de discussão com as áreas que desenvolvem os programas", diz. "Durante todo esse tempo o projeto foi sendo construído com as áreas da saúde, educação, assistência, com os ministérios, até chegar nesse formato".
Nem mesmo o fato de o presidente Lula ter reduzido o orçamento do Ministério Especial para Segurança Alimentar, de R$ 1,7 bilhão para R$ 400 milhões em 2004, parece abalar Ana Fonseca. "Acho que isso não afetará os programas", diz. "Há uma tendência a confundir o cartão alimentação com o Fome Zero, mas na verdade o Fome Zero é algo muito mais abrangente que o cartão alimentação. Inclui muitas outras atividades como banco do povo, cooperativas, agricultura familiar, construção de cisternas, etc", pondera.
É com essa mesma diplomacia que Ana Fonseca deu o tom no encontro mantido com governadores na última terça-feira, na Granja do Torto, em Brasília. De acordo com a socióloga, estados e municípios terão um importante papel na consolidação dos programas sociais. Segundo ela, os entes federados poderão entrar com recursos próprios para complementar a transferência ou assumir responsabilidades de outro tipo, seja no controle e avaliação do programa unificado, seja na oferta de benefícios não monetários às famílias nele inscritas, como atividades de capacitação de jovens, por exemplo.
Apesar de a imprensa ter noticiado o contrário, Ana garante que pelo menos a metade dos 27 estados estão dispostos a colaborar financeiramente. "Queremos fazer essa aproximação entre os programas para que os governos entendam as transferências da União como parte do benefício para chegar ao seu teto. Se houver folga, que sirva para a ampliação da cobertura", explica.
A socióloga diz que também já está mantendo entendimentos com os municípios. Dos cerca de 40 programas existentes no Brasil, 27 deles estão no estado de São Paulo, em cidades como Campinas, Piracicaba, Santo André e Jundiaí além da própria capital. Segundo Ana Fonseca, essas discussões são muito importantes para os estados e municípios porque até hoje eles não tinham acesso à base de dados do cadastramento único. "Eles cadastravam as famílias mas não tinham retorno, o que é muito ruim porque o cadastro é rico em informações que podem facilitar bastante o planejamento das políticas públicas", explica.
Experiências - Discreta no falar, Ana Fonseca evita chamar a atenção para o trabalho que tem pela frente, mas admite que muito da maturidade alcançada se deve aos anos que atuou como pesquisadora na Unicamp. "Estou levando para o governo o resultado de meu trabalho como pesquisadora e da experiência acumulada na prefeitura de São Paulo", diz. Na Unicamp, ela trabalhou no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), onde realizou a avaliação dos primeiros programas de distribuição de renda, como o Renda Mínima e o Bolsa Escola.
"Em 1996, tive a oportunidade de visitar todos os municípios do Brasil que desenvolviam algum tipo de programa nessa linha", conta. "Conheci a fundo estas experiências municipais e estaduais. Portanto, a minha formação na Unicamp e a minha passagem pelo NEPP resultaram numa boa bagagem". Em 1997, ela avaliou o programa de Renda Mínima da prefeitura de Campinas. O estudo, concluído pouco antes da morte do prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, mostrou como as famílias usavam os recursos do programa e qual o seu impacto na melhoria das condições de vida dos beneficiados. "Constatou-se que o programa contribuiu para a fixação das crianças na escola", recorda.
A socióloga é cautelosa ao falar de prazos para reduzir o índice de pobreza no Pais. Mas mostra-se otimista em relação às iniciativas que estão sendo tomadas. "Se pensarmos o programa do ponto de vista de colocar as crianças na escola e propiciar melhor alimentação para as famílias então não será preciso um tempo muito longo", diz. Segundo ela, porém, o prazo será mais longo se for levada em conta toda a lista de carências da população. "A pobreza tem muitas caras", conclui.