Vestibular da Unicamp
registra recorde de inscritos
Inscrição vai passar
a ser feita exclusivamente pela Internet a partir
do ano que vem
CLAYTON
LEVY
Criado
há 18 anos, o Vestibular da Unicamp sempre
se destacou como um dos mais concorridos do país.
Entretanto, o novo recorde de inscrições
registrado esse ano para o processo seletivo de 2004
superou todas as expectativas.São 50.307 candidatos
de todo o território nacional, número
8,2% maior que as 46.492 inscrições
contabilizadas no ano anterior. Ao todo, eles disputarão
2.934 vagas distribuídas em 58 cursos. Três
deles são novidades: Midialogia, Farmácia
e Telecomunicações. Ao realizar o seu
primeiro vestibular, em 1987, a universidade teve
13.260 candidatos.
Outras duas novidades também marcaram o processo
de inscrições. Pela primeira vez a Internet
foi utilizada como meio para fazer a pré-inscrição,
e outras duas capitais, Goiânia e Porto Alegre,
passaram a integrar o circuito de cidades credenciadas
para a realização das inscrições
e das provas, aumentando a cobertura territorial do
processo. Com isso, subiu para 19 o total de municípios
onde os candidatos puderam se inscrever, entre eles
sete capitais. Diante do novo recorde alcançado
e das mudanças introduzidas, o Jornal da Unicamp
decidiu ouvir o coordenador da Comissão Permanente
para o Vestibular (Comvest), Leandro Tessler.
Graduado em física pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado na Unicamp
e doutorado na Tel Aviv Universit, esse gaúcho
de Porto Alegre fala com segurança sobre os
números alcançados e anuncia mudanças
para o futuro. Entre elas, um sistema de inscrições
totalmente via Internet e uma possível renovação
do atual modelo de prova, que poderá apresentar
novidades já a partir do vestibular 2005.
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O
coordenador da Comvest, professor Leandro Tessler:
prova privilegia raciocínio e espírito
crítico |
JU - Em
sua opinião, a que se deve esse novo recorde
no número de inscritos para o vestibular?
Leandro Tessler Há vários
aspectos. Se analisarmos com cuidado a origem dos
inscritos, constataremos que houve um aumento significativo
na capital do estado e na Grande São Paulo,
e também na região Centro Oeste do país,
onde o número praticamente dobrou. Houve ainda
um esforço da Unicamp para facilitar a inscrição.
Esse foi o primeiro ano em que a Internet foi usada
como forma de pré-inscrição.
Isso fez com que um terço dos inscritos adotassem
a Internet para o preenchimento do formulário.
JU - O senhor citou o caso da
Grande São Paulo, onde se concentrou praticamente
metade do acréscimo registrado nas inscrições.
Haveria alguma razão específica para
esse fato?
Tessler São Paulo foi realmente um ponto
de destaque. É possível que o pessoal
de São Paulo esteja em busca de uma melhor
qualidade de vida no interior do estado aliada a um
curso superior de qualidade. A abertura de cursos
com perfis diferenciados, como Midialogia, Telecomunicações
e Farmácia, pode ter também despertado
o interesse das pessoas em São Paulo.
JU - Historicamente, cerca de
um terço dos inscritos vêm da escola
pública. Curiosamente, cerca de um terço
dos aprovados também vêm da escola pública.
Como o senhor analisa esse fato?
Tessler Isso certamente tem a ver com o tipo
de prova que a Unicamp faz. O modelo de vestibular
criado há 18 anos busca ser inclusivo. Ou seja,
o tipo de prova que propomos privilegia o raciocínio
e o espírito crítico frente ao conhecimento
informativo. Estamos interessados em candidatos capazes
de raciocinar perante um problema novo. Como imaginamos
que essa capacidade está distribuída
homogeneamente entre alunos de escolas públicas
e particulares, nada mais natural que essa proporção
se mantenha entre os inscritos e os matriculados.
JU - O senhor está afirmando
que o vestibular da Unicamp é inclusivo. Que
outros fatores de inclusão poderiam ser apontados?
Tessler Além do modelo de prova há
outros mecanismos de inclusão que estamos utilizando.
Por exemplo, as isenções e meias isenções.
Neste ano atendemos toda a demanda por isenções.
Todos os solicitantes que atendem aos requisitos para
receber o benefício (renda familiar de até
R$ 390,00 por membro do domicílio, ter realizado
todo o seu ensino básico e médio em
escola pública e ser residente no estado de
São Paulo), foram aceitos. No total, foram
4.592 candidatos que tiveram isenção
total da taxa de inscrição. Desses,
3.939 efetivamente se inscreveram. A maior concentração
ocorreu em São Paulo, com 1.811. Em Campinas,
foram 1.084. Outra iniciativa que favorece a inclusão
é a política de buscar os talentos onde
eles estiverem. Temos o Serviço de Apoio ao
Estudante (SAE), que é muito eficiente e nos
permite buscar alunos em todo o Brasil. Alunos com
necessidades sócio-econômicas conseguem
se manter durante todo o curso com apoio institucional.
JU - E em relação
à cor ou raça, tema que vem concentrando
boa parte do debate no país sobre o vestibular?
Tessler Até 2002 a Comvest não
perguntava no questionário sócio-econômico
qual era a raça ou cor do candidato. A partir
desse ano, incluímos essa pergunta. Usamos
a tabela do IBGE para perguntar como o candidato se
auto-declara. Entre os candidatos, 10,5% se declararam
pretos ou pardos, ou seja, afro-descendentes. Em relação
aos matriculados, 10,3% são pretos ou pardos,
ou seja, nosso vestibular, assim como mantém
a proporção de escola pública,
também mantém a proporção
de raça. Isso mostra que, ao contrário
do que muitos acreditam, o mais importante mecanismo
de exclusão é a auto-exclusão.
A pessoa nem se inscreve. E nós estamos trabalhando
fortemente para que esse pessoal se inscreva e tente
entrar na Unicamp, porque tem boas chances de ser
aprovado.
JU - Qual o número mínimo
de candidatos que tornaria viável a realização
do vestibular em outros estados?
Tessler Praticamente todas as provas feitas
em outros estados acabam se pagando. O processo de
aplicação não é muito
caro. Por isso, é difícil falar de um
número mínimo. Se houver dez candidatos
e todos forem talentosos, então vale a pena
irmos buscá-los. Costumamos pensar nos inscritos
de outros estados não do ponto de vista financeiro.
Subvencionamos fortemente o processo porque achamos
fundamental facilitar a inscrição para
candidatos que vêm de outros estados.
JU - Há perspectivas de
ampliação do número de cidades
em que o vestibular é realizado?
Tessler Nosso sonho é realizar as provas
em todas as capitais do país, mas ainda não
estamos conseguindo. Mesmo assim, já estamos
com uma cobertura geográfica abrangente. Este
ano ainda incluímos Porto Alegre e Goiânia.
No futuro, gostaríamos de incluir uma capital
da região Norte e outra da região Nordeste.
Assim praticamente todo o país ficará
coberto.
JU - Qual a principal novidade
para o próximo ano?
Tessler Vamos acabar com a inscrição
através do papel. Todo o processo será
via Internet. Com isso, imaginamos que aumentará
ainda mais o número de inscritos.
JU - Vai chover gente...
Tessler A gente quer que chova gente porque
no meio dessa gente toda é que estão
os mais talentosos.
JU - Embora no geral tenha aumentado
o número de inscritos, observa-se uma queda
significativa em Brasília, que é uma
capital importante. A redução foi de
82% em relação ao vestibular anterior,
caindo de 608 para 107 inscritos. Ao mesmo tempo,
em Goiânia, que está na mesma região
e entrou pela primeira vez no circuito, a inscrições
explodiram, chegando a um total de 736. Há
alguma relação entre esses dois fatos?
Tessler Claro que sim. Em geral, o número
de inscritos oriundos de outros estados é grande
quando não há uma boa universidade nas
proximidades. Brasília tem a UnB, que é
de excelente qualidade. Devido a isso, muitos inscritos
em Brasília na verdade vinham de Goiânia
ou até mesmo de locais ainda mais distantes,
como Manaus. Além disso, há alguns anos,
a UnB tem feito as suas provas nas mesmas datas que
a Unicamp.
JU - Se essa tendência
de queda não se alterar, Brasília continuará
recebendo o vestibular da Unicamp?
Tessler Ainda manteremos por mais algum tempo,
mas a tendência é sair dos locais onde
há poucos inscritos. Por outro lado, estamos
apostando em novos lugares.
JU - E no caso de Porto Alegre,
que entrou pela primeira vez no circuito e também
teve um número pequeno de inscritos, apenas
63?
Tessler Embora tendo realizado um bom trabalho
de divulgação, parece que ainda não
conseguimos chegar ao interior do Rio Grande do Sul.
Muitos dos inscritos em Porto Alegre vieram do interior.
Acho que o nosso verdadeiro alvo no Rio Grande do
Sul deveria ser o interior e não a capital.
Não tivemos, por exemplo, nenhum inscrito de
Caxias do Sul, onde há um excelente ensino
médio segundo os dados do INEP. Temos de considerar,
ainda, que é o início de um trabalho
naquela região. No caso de Porto Alegre, se
dos 63 inscritos tivermos 15 aprovados (no ano passado,
dos 27 aprovados em Curitiba 15 eram do Rio Grande
do Sul), já valeu a pena. Esperamos que no
próximo vestibular, com as inscrições
pela Internet, isso possa melhorar.
JU - O atual modelo de vestibular
será mantido ou pode haver mudanças?
Tessler Nós nos demos conta de que o
nosso modelo de prova para a primeira fase, com doze
questões e uma redação, chegou
ao seu limite. O número de 50 mil candidatos
para esse modelo é exagerado. Não há
outro vestibular no Brasil que corrija um número
tão expressivo de redações e
o faça garantindo a homogeneidade entre todas
as provas. É fundamental que o critério
aplicado na primeira correção seja exatamente
o mesmo aplicado na última. Então já
iniciamos uma discussão na Câmara Deliberativa
para buscar uma nova opção.
JU - Quais as possibilidades
existentes?
Tessler Há várias. Uma possibilidade
mais ou menos óbvia é tirar a redação
da primeira fase e levá-la para a segunda.
Assim o número de redações a
corrigir cairia para menos de 15 mil. Outra possibilidade
é corrigir primeiramente as questões
e só corrigir as redações daqueles
candidatos que atingirem uma determinada média
nas questões. Há muitas coisas em discussão,
mas claramente o modelo atual muito provavelmente
não poderá ser repetido por uma questão
de logística. Nossa banca de correção
de redação já conta hoje com
132 pessoas. Não dá para aumentar porque
não há onde colocar mais corretores.
Por outro lado, se estendermos o prazo da correção
a qualidade pode cair, porque todos são humanos
e têm de manter os mesmos parâmetros da
primeira à última correção.
Então, vamos ter de trabalhar num novo modelo,
porém sem sacrificar as características
de inclusão e de qualidade do vestibular.