Professor da Unicamp assinou
trabalhos com Nobel de Física
CLAYTON
LEVY
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O professor Amir Caldeira, do Instituto de Física
da Unicamp: parceiro e orientando do britânico
Anthony Leggett |
Amir Caldeira, professor titular
do Instituto de Física da Unicamp, é
conhecido no meio acadêmico por suas pesquisas
sobre tunelamento e perda de coerência em sistemas
quânticos dissipativos, que hoje servem de referência
para pesquisas sobre a possibilidade de desenvolvimento
de processadores quânticos em computadores de
última geração. Como cientista,
chegou a ocupar o primeiro lugar no ranking dos físicos
brasileiros mais citados no exterior, com 3.258 artigos
publicados até 1999. Na semana passada, porém,
um fato novo recolocou seu nome em evidência
entre a comunidade científica. O físico
britânico Anthony Leggett, que orientou a sua
tese de doutorado de 1976 a 1980, e com quem o brasileiro
assina cinco importantes trabalhos no terreno da física
quântica, acabara de ser anunciado como um dos
ganhadores do Nobel de Física 2003.
Meu telefone não pára
de tocar, disse Caldeira na última terça-feira,
quando a premiação foi anunciada. De
sua sala, no departamento de física da matéria
condensada, ele virou referência nacional para
falar sobre Leggett. Atendeu a dezenas de chamados,
tanto de seus pares quanto da imprensa, para comentar
o prêmio e dar informações sobre
uma das novas estrelas da física. As outras
duas são os russos Vitaly Ginsburg e Alexei
Abrikosov, que dividiram o Nobel com o britânico.
Trabalhando separadamente, Abrikosov e Ginsburg desenvolveram
abordagens fenomenológicas para a teoria dos
supercondutores, enquanto Leggett explicou como os
átomos interagem e se ordenam em superfluidos.
Os três dividirão o prêmio de US$
1,3 milhão.
Materiais supercondutores são
aqueles que, abaixo de determinada temperatura, não
apresentam resistência e permitem que a corrente
elétrica passe sem dissipação.
Isto é, o material não esquenta e a
energia não se perde, como nos sistemas convencionais.
Assim, esses materiais impediriam, por exemplo, a
perda de quase 40% de energia que ocorre na transmissão
convencional de eletricidade. A superfluidez
é quase a mesma coisa, só que aplicada
a fluidos, diz Caldeira.
O brasileiro cita o seguinte exemplo
para facilitar o entendimento: se você
pega um balde cheio dágua e gira, e a
água, por causa de sua viscosidade, vai girar
dentro dele. Já o superfluido é um líquido
que não tem viscosidade. A Academia do
Nobel, por sua vez, foi mais formal ao justificar
a premiação. Leggett formulou
uma teoria decisiva para explicar como
os átomos se comportavam e se ordenavam no
estado de superfluidez, diz uma nota divulgada
pela entidade.
Ao contrário dos supercondutores,
o trabalho de Leggett sobre superfluidos ainda não
tem uma aplicação prática. Mesmo
assim, segundo Caldeira, não significa que
seja menos importante do ponto de vista científico.
Não se faz pesquisa unicamente pensando
em colocar produtos nas prateleiras, afirma.
Física básica é geração
de conhecimento; e sem esse conhecimento não
dá para entender a matéria, completa.
O caso dos superfuidos, segundo Caldeira, exemplifica
esse quadro. Entendê-los e fazer as analogias
necessárias é muito importante para
compreender como a matéria reage a temperaturas
muito baixas, diz. Segundo o brasileiro, o estudo
poderá ser útil de outras maneiras no
futuro. O conhecimento adquirido sobre determinadas
características do superfluido pode ser um
laboratório para se entender o que ocorre em
outros sistemas que tenham aplicação
mais imediata.
Por essa razão, a premiação
a Leggett não chegou a ser surpresa para Caldeira.
Estou muito feliz porque sempre achei que ele
(Leggett) merecia, disse. Os artigos que o brasileiro
assina em parceria com o britânico não
estão relacionados ao trabalho premiado pela
Academia Real de Ciências da Suécia,
mas ainda assim ele não esconde a admiração
por Leggett, com quem conviveu e trabalhou, tanto
na Inglaterra como nos Estados Unidos. Tony
(é assim que Caldeira se refere ao amigo) não
se limita a analisar o mecanismo dos fenômenos;
ele vai sempre além, tentando entender as suas
causas, conta.
O trabalho de Caldeira com Leggett
trata basicamente de tunelamento quântico em
sistemas dissipativos, tendo resultado nos seguintes
artigos: Influence of damping on quantum interference
an exactly soluble model (PHYSICAL REVIEW A),
com 216 citações; Path integral approach
to quantum Brownian-motion (PHYSICA), 782 citações;
Quantum tunneling in a dissipative system (ANNALS
OF PHYSICS), 1576 citações; Probabilities
for quantum tunneling through a barrier with linear
passive dissipation comment (PHYSICAL REVIEW
LETTERS), 26 citações; e Influence of
dissipation on quantum tunneling im macroscopic systems
(PHYSICAL REVIEW LETTERS), 902 citações.
Caldeira foi orientando de Leggett
na Universidade de Sussex, na Inglaterra, mas também
já trabalhou com o físico na Universidade
de Illinois, nos Estados Unidos, onde ele mora atualmente.
Embora tenha dedicado toda sua vida à física,
Leggett, segundo Caldeira, pode ser descrito como
um boa praça. Casado com uma japonesa
que atua na área das ciências sociais,
Leggett adora uma bebidinha e jantar com os
amigos. A única dificuldade, de acordo
com Caldeira, é entender o que o físico
fala e escreve. Ele fala rápido demais
e sua letra é muito pequena.
Carioca da gema e torcedor
revoltado do Flamengo, Caldeira graduou-se
em física pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, onde também
fez o mestrado. No início, queria fazer
engenharia elétrica. Mas a maneira de abordar
a ciência não era a mesma que me atraía.
Queria entender o por quê das equações
e só encontrei isso na física,
conta. Sua tese de doutorado, orientada por Leggett,
tem o título de Tunelamento macroscópico
e tópicos relacionados.
O trabalho foi concluído
em 1980. Da Inglaterra, Caldeira veio direto para
a Unicamp, onde tornou-se uma das referências
em mecânica quântica, teoria que descreve
o comportamento da matéria na escala do muito
pequeno, ou seja, é a física dos
componentes da matéria; átomos, moléculas
e núcleos, que por sua vez são compostos
pelas partículas elementares.
Para Caldeira, o Brasil vai bem
em termos de pesquisa básica. Tem muita
gente séria. O que precisa é não
mexer com o que está funcionando bem,
diz, referindo-se às mudanças que o
setor de Ciência e Tecnologia sofre a cada mudança
de governo. A gente vive num estado de tensão
constante, sem saber se vai cortar aqui ou ali.
Segundo ele, o que falta não é pesquisa
na universidade, e sim um contato maior dos formandos
com o mercado. A nossa função
é geração de conhecimento e formação
de pessoal de alto nível. O grande desafio
é ir para o mercado de trabalho desenvolver
a inovação, conclui.