Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 234 - de 20 a 26 de outubro de 2003
Leia nessa edição
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Diário de Lisboa
Cartas na mesa
Tese: plano estratégico
Saúde: acidentes de trânsito
Átomos em desordem
Hospitais Universitários
(in) segurança alimentar
Atibaia: volume de água
Saúde: mulheres idosas
Nobel: acertos e surpresas
Unicamp na Imprensa
Painel da semana
Teses da semana
Manufatura inteligente
Vida sobre tela
 

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Para medir o tamanho da (in)segurança alimentar
Metodologia desenvolvida por pesquisadores da Unicamp e de outras três instituições deve ser usada em 2004 pelo IBGE

Menino morador do Vida Nova, um dos bairros estudados em Campinas

Durante o contato que mantiveram com as comunidades que foram alvo da pesquisa que validou a nova metodologia, os pesquisadores da Unicamp e das outras três instituições envolvidas no projeto obtiveram definições tocantes sobre conceitos e palavras-chave como fome, segurança alimentar, alimentação saudável, qualidade dos alimentos, entre outros. Confira, a seguir, algumas das manifestações dessas pessoas.
Alimentação
variada
“Tem arroz, feijão, carne, farinha, legumes e frutas”
“Aquela alimentação que tem tudo que uma pessoa precisa para ser bem alimentada”

Alimentação saudável

“O problema é o que você pode comprar e o que você precisa”

“Saudável é bem balanceada”

“Comida que não é muito carregada no sal e carnes gordas”

Qualidade
dos alimentos
“Alimento de qualidade tem boa aparência, é mais caro, é de marca”
“Tá bonito, tá saudável”

Alimento suficiente
“Que vai até o fim do mês”
“É o básico para o mês”
“O básico está abaixo do suficiente”
“Depois que paga o aluguel, a luz e a água, sobra pouco para comprar os alimentos”

Dinheiro suficiente
“Dá para fazer a compra do mês e não falta alimento no fim do mês; isso não acontece”
“Quando dá pra cobrir as necessidades”

Fome

“Falta o alimento e não tem condição de sobrevivência. É a pior doença; é a pior violência que tem”

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MANUEL ALVES FILHO

"Fome é a gente chegar em casa e não ter o que dar
de comer para os filhos que estão chorando.
É ter que bater neles, para que durmam
e esqueçam a barriga roncando."


A médica Ana Maria Segall Corrêa: trabalhos desenvolvidos em Campinas, João Pessoa, Manaus e Brasília

Dedefinição, em rima menos pobre do que a realidade de milhões de brasileiros, é de uma mulher nordestina. A frase foi coletada por uma equipe de pesquisadores da Unicamp, que acaba de concluir, em conjunto com três outras instituições, um projeto que validou uma metodologia inédita no Brasil para promover o acompanhamento e a avaliação das condições de segurança e insegurança alimentar no âmbito familiar em área urbana. O instrumento, constituído de um questionário, estará à disposição das secretarias de saúde dos estados e municípios e deverá ser usado em 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). A sua inclusão na PNAD possibilitará o conhecimento mais preciso sobre o acesso da população brasileira aos alimentos tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. Esta condição é necessária para garantir a manutenção da saúde e do bem estar dos brasileiros, conforme preconiza a Declaração dos Direitos Universais da Pessoa Humana, documento elaborado há 55 anos.

Um breve, porém preocupante panorama do que pode vir a ser apurado pelo IBGE, foi traçado, em Campinas, a partir da metodologia já validada. Um inquérito populacional aplicado junto a 847 famílias da cidade, no último mês de agosto, mostrou que a fome não é uma realidade comum apenas aos moradores do semi-árido nordestino. Dados preliminares da investigação apontam que, em Campinas, cidade reconhecida como potência econômica e tecnológica, um contingente importante de pessoas tem padrão alimentar inadequado, quer seja quantitativo ou qualitativo.
Pior ainda: entre as famílias com ganho médio total abaixo de um salário mínimo, 26,1% experimentaram, nos 3 meses que antecederam à pesquisa, insegurança alimentar severa, o que significa que seus membros (adultos e crianças), com alguma freqüência, passaram fome neste período. “A dieta habitual dessas pessoas é insuficiente para garantir uma vida saudável. Pode-se dizer que não existe segurança alimentar para famílias com esse rendimento”, afirma a coordenadora geral do trabalho, a epidemiologista e professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Ana Maria Segall Corrêa. Segundo ela, a pesquisa apontou que, em Campinas, somente as famílias com renda superior a quatro mínimos não passam por algum nível de insegurança alimentar.

Além de relacionar a segurança e a insegurança alimentar com o nível de renda familiar, a nova metodologia também investiga os padrões de consumo de alimentos. Assim, em Campinas, o inquérito identificou que a qualidade da alimentação da maioria da população é inadequada. Mesmo entre as pessoas que vivem em condição de segurança alimentar, 26,5% não consomem frutas diariamente, índice que salta para 93% quando se trata de campineiros em situação de insegurança alimentar grave. Ainda segundo o levantamento, derivados do leite não fazem parte da dieta das famílias com renda inferior a um salário mínimo. Destas, 89% também não consomem carne diariamente.

De acordo com a médica Ana Maria, a análise pormenorizada desses dados mostrará como ocorre a distribuição da carência alimentar nas diferentes regiões da cidade, o que fornecerá aos gestores públicos informações preciosas acerca dos grupos populacionais de maior risco. Trata-se, portanto, de um valioso instrumento para orientar futuras políticas públicas de enfrentamento da fome. De antemão, no entanto, já é possível tirar pelo menos uma conclusão a partir das constatações feitas em Campinas. “Os dados revelam que se o governo e a sociedade quiserem de fato combater o problema da insegurança alimentar no Brasil, será necessário desenvolver programas consistentes de geração de renda para as famílias atingidas por essa situação. As ações emergenciais são importantes, mas não serão capazes de assegurar, sozinhas, a sustentabilidade de um amplo resgate social”, afirma Ana Maria.

Representantes de comunidade visitada pelos pesquisadores, em João Pessoa

A metodologia – De acordo com a epidemiologista da Unicamp, todo o trabalho, que culminou com a validação da nova metodologia e com a posterior aplicação do inquérito populacional em Campinas, nasceu da necessidade de criar um instrumento de coleta de informação capaz de promover o acompanhamento e a avaliação da política de erradicação da fome adotada pelo governo brasileiro. O projeto, sob a coordenação da equipe da Unicamp, reuniu pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade de Brasília. Contou, ainda, com a participação de Rafael Pérez Escamilla, do Departamento de Nutrição da University of Connecticut, dos Estados Unidos, que atuou como professor visitante da Unicamp, graças a uma bolsa concedida pela Fapesp.

A idéia inicial, que mais tarde mostrou-se acertada, foi validar um questionário desenvolvido pela United States Department of Agriculture (USDA), criado justamente para medir situações de segurança e insegurança alimentar. A metodologia já havia sido testada e validada em países da África e Ásia. “O que nós fizemos foi encontrar a melhor maneira de adaptar esse instrumento à realidade brasileira”, explica a médica Ana Maria. Essa adequação seguiu duas etapas, uma qualitativa e outra quantitativa. Os trabalhos foram desenvolvidos em quatro cidades: Campinas, João Pessoa, Manaus e Brasília, selecionadas para representar contextos econômicos, sociais e culturais diferentes.

Essas atividades foram precedidas de três seminários promovidos na sede da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS), em Brasília, organismo que custeou o projeto juntamente com o Ministério da Saúde. Participaram das discussões representantes dos órgãos financiadores, bem como dos ministérios de Promoção e Assistência Social, de Ciência e Tecnologia e Especial de Segurança Alimentar. A fase qualitativa de validação foi composta por quatro painéis de especialistas, seguidos de encontros de grupos focais com representantes das comunidades das cidades tomadas para estudo. “Nessa fase, nós fizemos uma revisão geral do instrumento da USDA. Discutimos estratégias de aplicação e analisamos a adequação dos indicadores sociais, demográficos e de consumo alimentar. Além disso, avaliamos cada uma das perguntas, modificando a linguagem e as opções de resposta. Nossa maior preocupação era que a população entendesse os conceitos e as palavras-chave”, esclarece a epidemiologista da Unicamp.

Ao final da primeira etapa, ficou definido que o questionário conteria 15 perguntas. No segundo estágio, envolvendo a validação quantitativa, os especialistas optaram por lançar mão de amostras intencionais de domicílios, selecionados para representar quatro estratos sociais diferentes (classe média, média baixa, pobre e muito pobre). As entrevistas foram feitas por nutricionistas, estudantes de nutrição, de enfermagem, de engenharia agrícola e de engenharia de alimentos devidamente treinados e supervisionados. Ao final dos trabalhos, os pesquisadores concluíram que o instrumento mostrou-se eficaz para medir o grau de segurança e insegurança alimentar, pois reúne características importantes que vão desde a fácil compreensão das perguntas por parte da população até a alta validade na apuração da situação alimentar das famílias.

Conforme a epidemiologista da Unicamp, a expectativa das equipes que desenvolveram todo o trabalho é de que o novo instrumento seja utilizado também para investigar a situação de segurança alimentar nos âmbitos municipal e estadual. “Como era o nosso propósito original, conseguimos validar uma ferramenta que serve não apenas para diagnosticar situações relacionadas à fome, mas também para fundamentar a avaliação dos resultados das políticas públicas nessa área”, afirma Ana Maria. Segundo ela, os resultados alcançados foram tão significativos que a OPS e o Ministério da Saúde já deram o sinal verde para que o mesmo trabalho seja feito junto à população rural. O trabalho terá início no dia 31 de outubro, com um seminário marcado para Campinas.

 


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