A corrida para desenvolver um
sistema inteligente de produção
Tese
de doutorado mostra as nuances da aplicação
de sistemas holônicos à manufatura inteligente
LUIZ
SUGIMOTO
Governos,
instituições de pesquisa e empresas
da União Européia, Suíça,
Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá
criaram em 1995 um consórcio internacional
com o objetivo de desenvolver um sistema inteligente
de organização que ofereça, em
termos de geração e negociação
de bens e serviços, a melhor competitividade
do século 21. O grupo IMS (Sistemas Inteligentes
de Manufatura), fechadíssimo, publica eventualmente
um ou outro texto científico, mas retém
todas as informações estratégicas
sobre o desenvolvimento da próxima geração
de processos e tecnologias de manufatura. O investimento
em pesquisas já estaria chegando à casa
de 1 bilhão de dólares.
O sucesso do consórcio internacional
implicaria, grosso modo, assegurar para esses países
o conhecimento estratégico de quais sistemas
de produção irão predominar nas
próximas décadas, como eles estarão
organizados e quais equipamentos trarão a agilidade
para atender a consumidores cada vez mais exigentes
de produtos diferenciados. Dentro da economia digital,
seria um trunfo que jogaria os países que buscam
o desenvolvimento, mas que continuam fora desse cenário
científico, ainda mais para a periferia.
Na expectativa de estimular a entrada
do Brasil neste seleto circuito, o engenheiro Gustavo
Nucci Franco apresenta a tese de doutoramento Aplicação
de Sistemas Holônicos à Manufatura Inteligente,
defendida em agosto na Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) da Unicamp, sob orientação do
professor Antonio Batocchio. Franco argumenta que,
se em 1914, quando Henry Ford introduziu a linha de
produção, um carro poderia ter
qualquer cor desde que fosse a preta, hoje o
consumidor escolhe não apenas a cor, mas o
quanto de tecnologia e de conforto quer embarcar no
automóvel, clicando sobre os acessórios
listados na página da Internet.
Segundo o engenheiro, tais sistemas
de gestão possibilitando a integração
entre indústria e consumidores são mero
prenúncio do que está para vir. No futuro,
toda a cadeia produtiva, desde as matérias-primas
até a montagem final do produto, será
não apenas integrada, mas também gerada
conforme a disponibilidade de tempo e dinheiro de
cada consumidor. Conforme a vontade do freguês,
manifestada em cliques, fornecedores poderão
ser inseridos, re-alocados ou retirados da cadeia,
até que esta ganhe a configuração
mais adequada para conquistar a confiança do
mercado. Um fabricante de forros sintéticos
poderá ser imediatamente substituído
na cadeia, caso o cliente encomende poltronas em couro
à montadora.
Pretende-se gerar uma organização
inteligente capaz de ela própria se alterar
conforme a dinâmica do mercado, influenciada
por um avanço tecnológico em determinado
segmento ou pela necessidade de um novo produto para
aquele público. O sistema precisa ser flexível
e ágil, com um tempo de resposta de minuto.
Num exemplo extremo, um fabricante de canetas seria
capaz de se adaptar de um dia para outro, passando
a fornecer celulares, ilustra o pesquisador.
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O professor Antonio Batocchio (à esquerda)
e o engenheiro Gustavo Nucci Franco: cadeia produtiva
integrada |
Sistema holônico
Um dos projetos do consórcio internacional
é o Sistema Holônico de Manufatura (HMS).
Como ponto de partida, o HMS utiliza a obra do jornalista
húngaro Arthur Koestler: ele concluiu que,
embora partes e todos sejam facilmente identificados
em qualquer sistema complexo, partes e todos não
existem em seu senso absoluto em nenhum lugar. Holus
significa todo e on vem de próton e nêutron,
sugerindo partículas. O holon traz, portanto,
a idéia de quebra do todo em partes, ou de
partes semi-autônomas que formam o todo.
Dentro do princípio holônico,
a parte apresenta seu comportamento peculiar, é
auto-assertiva, mas depende do todo. Da mesma forma,
cada empresa da cadeia possui estrutura própria,
mas depende das empresas associadas para evoluir.
Desse paradigma surge, então, a holarquia,
uma estrutura auto-regulada, aberta tanto no topo
quanto na base. Dependendo da necessidade, pode-se
agregar ou desagregar um holon da cadeia. Esta agilidade
para se adaptar e fazer mudanças que atendam
à demanda é imprescindível na
área de alta tecnologia, para a qual é
dirigido o trabalho de Gustavo Franco, observa
o professor Antonio Batocchio.
É neste ponto que entra o
Sistema Inteligente de Manufatura, com a função
de assegurar a autonomia, a cooperação
e a organização para gerar inteligência.
Contudo, unir empresas e ao mesmo tempo garantir a
autonomia é algo complexo, pois embute questões
como estruturas organizacionais diferenciadas e, possivelmente,
interesses antagônicos. Um aspecto da tese,
ressaltado pela banca de examinadores, é a
preocupação do autor em buscar um casamento
entre os conceitos em áreas diversas como a
biologia, as ciências sociais ou as artes, e
não apenas na engenharia. Enquanto as
mariposas voam ao redor da lâmpada, apenas por
serem atraídas pela luz, os pássaros,
quando estão em formação, realmente
mostram uma coordenação; eles seguem
uns aos outros numa maneira tão perfeita que
nos leva a crer que possuem poderes super-humanos
de comunicação. Estes formam, sim, uma
organização inteligente. E a idéia
é justamente buscar novas soluções
para a união de empresas através de
metáforas como essa, compara Franco.
Economia digital É
especialmente complicado montar a arquitetura de um
Sistema Inteligente de Manufatura para um setor de
bens e serviços onde a componente tecnologia
é um elevado fator estratégico. A revolução
nas comunicações encontra-se apenas
no começo. Gustavo Franco lembra que o boom
nas comunicações a partir da década
de 1990, em grande parte devido à Internet,
resultou em pressão de igual proporção
sobre as empresas, obrigadas à inovação
constante num ambiente que muda a cada dia. Um dos
aspectos tratados na tese são os diferenciais
competitivos que uma empresa precisa ter para sobreviver
na economia digital.
Baseado no modelo de autonomia,
cooperação e organização,
o engenheiro foi identificando e modelando holons
para tentar chegar a uma colméia de indivíduos
(empresas) que comporiam um Sistema Inteligente de
Manufatura, considerando não apenas a inteligência
de seus agentes, mas também a coordenação
de parcerias e conflitos e os parâmetros organizacionais
necessários. Mas trata-se apenas de um passo
tímido visando um sistema organizacional de
empresas capaz de, por si, moldar-se às necessidades
do mercado. Somos pioneiros neste trabalho aqui
no Brasil. Temos um grupo de pesquisa, o GPHMS, a
princípio sediado na FEM, mas a idéia
é expandir as pesquisas para toda a Unicamp
e também para fora dela, além de buscar
apoio da iniciativa privada, adianta o pesquisador.
Temos pessoas trabalhando,
mas faltam recursos. Não sabemos quando isto
vai se tornar possível, nem o quanto do atraso
em relação ao consórcio internacional
podemos recuperar, diz o professor Batocchio.
O fato é que o Brasil possui pessoal
capacitado tanto para participar desse seleto grupo
como para realizar o mesmo trabalho aqui. A pergunta
que coloco, no final da tese, é sobre o papel
a que estarão relegados os países que
ficarem à margem deste processo de desenvolvimento,
finaliza Franco.