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Trabalhos desenvolvidos no Instituto de Química
fazem a ponte entre a teoria e a prática
Pesquisa explora
o universo das sensações
CARMO GALLO NETTO
Trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa em ensino, do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Unicamp (IQ), utiliza a química, a física, a biologia e outras áreas do conhecimento para explicar como as sensações são provocadas. O estudo, interdisciplinar, aborda também a ação das drogas e objetiva a formação de profissionais químicos aptos a estabelecer a ponte entre teoria e prática e que consigam transitar entre os vários conceitos das ciências naturais e até humanas.
A linha de pesquisa do Departamento é orientada pelo professor Pedro Faria dos Santos Filho. Segundo ele, a iniciativa se justifica já a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Superiores de Química, que critica o atual modelo de ensino e recomenda a interdisciplinaridade. Embora se espere que os professores de todas as áreas mantenham atitude interdisciplinar frente ao conhecimento, o docente constata que existe uma grande carência de materiais didáticos com estas características, dificultando o desenvolvimento de um ensino de mais amplo espectro. A elaboração de trabalhos com tais preocupações é um dos objetivos da linha de pesquisa sobre ensino desenvolvida pelo Departamento.
Pesquisa usa várias áreas do conhecimento
Mas o professor coloca outras questões. Ao final do curso, prestes a ingressar na vida profissional, o formando revela-se inseguro diante da sensação de que não sabe nada, apesar da gama de disciplinas que cursou e do volume de trabalhos de laboratório que realizou. Por que isso acontece? É o que se pergunta o professor Faria. Ele próprio responde: “O formando tem o embasamento suficiente para enfrentar a vida profissional, mas não tem consciência disso”. E explica: “Faltou a ele, durante o curso, o manuseio do conhecimento em relação ao mundo real, pois não é levado a utilizar, a cada passo do aprendizado, o conhecimento adquirido para responder indagações do mundo em que vive. Indagações que surgem a todo momento. O aluno não incorpora o conhecimento adquirido, que é amplo, às situações do mundo real. Isso gera a sensação de insegurança, de frustração, de impotência. Um dos grandes objetivos da nossa linha de pesquisa, portanto, é o de orientar ações que permitam essa ligação”.
O professor Faria considera que a universidade não pode se furtar a esse trabalho uma vez que um dos seus objetivos primordiais é o ensino de graduação, no caso, voltado para a formação de profissionais químicos destinados à indústria e à pesquisa e de professores para ao ensino superior ou médio. E enfatiza: “Ao formar-se, o aluno não tem idéia de que aprendeu o básico para entender o que acontece na indústria, por exemplo. Os fundamentos ele conhece. A idéia de nosso trabalho é trazer o que está lá fora para mais próximo dele, para o contexto do que está estudando”.
O trabalho Foi nesse contexto que surgiu a idéia de um texto sobre a Química das Sensações, em trabalho de mestrado desenvolvido por Carolina Godinho Retondo. Por que as sensações? Porque elas envolvem sentidos e percepções comuns a todos os seres humanos e porque estão ligadas a transformações que de alguma forma ocorrem com a participação de substâncias que constituem os órgãos. Elas oferecem, também, uma oportunidade de utilizar conceitos básicos e fundamentais desenvolvidos em cursos superiores de química. Por meio delas se pode mostrar ao aluno de graduação a abrangência do que ele aprendeu e garantir um ensino interdisciplinar.
Pela sua universalidade, o tema sensações contempla a interdisciplinaridade e atende assim às recomendações dos parâmetros curriculares, pois além dos conceitos de química utiliza conhecimentos de física, biologia, farmacologia, geografia, alimentos, neurologia, psicologia e filosofia. Para Carolina “a junção dos conceitos gera uma postura interdisciplinar, pois você não separa mais a química dos demais conhecimentos”. Destaca ainda que o trabalho “coloca à disposição do professor um material adicional com o qual pode contar na preparação das aulas”.
Carolina considera que ainda se trata de um trabalho embrionário. Na sua elaboração não teve em que se basear, o que a levou a fazer uma varredura na literatura: “Isso exige muito estudo e pesquisa, muita leitura, e me obrigou até a cursar disciplinas da área médica. Você tem que ser autodidata e cara-de-pau para procurar especialistas e tirar dúvidas”.
A dissertação orientou-se para o ensino superior de química e ao longo do texto são feitas referências às disciplinas em que os conhecimentos podem ser inseridos nas situações de ensino. Enfatiza que esse tipo de abordagem é fundamental na motivação da aprendizagem: “Você relaciona o conhecimento científico com a experiência das pessoas e dá explicações para o que ela observa no dia-a-dia”.
Parte do trabalho já é utilizada em disciplinas que o Departamento ministra, mas a expectativa é que seja incorporado por outras disciplinas e departamentos. Carolina estuda a possibilidade de transformar a dissertação em livro, não só pelo alcance que possa ter mas pelo fato de ter suscitado interesse naqueles que dela ficaram sabendo.
As sensações A utilização dos conceitos estudados é muito ampla. Assim, ao tratar de visão, luz, cores e moléculas e sensações de cor utiliza conceitos como deslocalização e transição eletrônicas. No capítulo que aborda ambiente, vida e sensações de temperatura recorre a conceitos de vibração e rotação moleculares, absorção de energia do infravermelho e reações radicalares, interligados a conceitos de geografia e fisiologia. As sensações de sabor e as sensações de odor e aroma são explicadas com a utilização dos conceitos de ligação do hidrogênio e geometria molecular, solubilidade e volatilidade. Os textos que tratam de neuroquímica e sensações, dor, sensações emocionais e drogas interligam os conhecimentos de química orgânica com os de eletroquímica e bioquímica.
Segundo a autora, o trabalho não apresenta conceitos novos. Preocupa-se em mostrar formas de utilização prática dos temas discutidos no ensino superior de química e que sua adequação ao ensino médio é perfeitamente possível.
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Na seqüência, um resumo dos principais conteúdos da dissertação de mestrado de Carolina Godinho Retondo. O trabalho se propõe a apresentar algumas características peculiares dificilmente encontradas nos materiais disponíveis: interdisciplinaridade, relação entre conteúdo teórico e cotidiano do aluno, ao mesmo tempo em que faz uma abordagem contextualizada e abrangente de cada conteúdo enfatizado. O estudo, diz a autora, pretende contribuir para melhorar a formação pessoal e profissional do estudante, levando a uma aprendizagem mais significativa.
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O que é
Entende-se por “Química das Sensações” a interpretação química dos estímulos externos e internos que provocam no organismo humano alguma resposta biológica. Dentre todo o universo contemplado pelas sensações, pode-se destacar a visão, o paladar, o olfato, a dor, bem com as sensações emocionais, como ansiedade, depressão, euforia e alucinações, dentre outras.
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Visão, luz e cores
Discute os estímulos e a formação de sensações visuais, os fotorreceptores e a interação entre o olho e o cérebro. Utiliza conceitos freqüentemente explorados em química geral, química analítica, físico-química, química quântica, física e química orgânica.
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Moléculas e sensações de cor
Apresenta exemplos de moléculas que causam a sensação de cor. Sugere que o professor pode estabelecer relação entre espectroscopia ultravioleta-visível e a teoria do orbital molecular.
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Ambiente, vida e sensações de temperatura
Mostra como a química da atmosfera protege a vida, como a temperatura do ambiente influencia a temperatura corporal, como a cérebro regula a temperatura corporal e os resultados benéficos do efeito estufa natural. Explica, em linhas gerais, a interação da energia emitida pelo Sol com as moléculas da atmosfera. A abordagem pode ser utilizada nas aulas de química ambiental e nas de físico-química.
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Sensações de sabor
Constitui um dos capítulos mais instigantes do trabalho. Chama a atenção para as características físicas dos alimentos, como textura, aparência, forma, dureza, cor e temperatura e mostra que a escolha dos alimentos depende da análise sensorial realizada por quem o consome. Atribui o gosto não somente ao sabor mas, principalmente, ao aroma, que é percebido pelo nariz e pela língua, ou seja, uma mistura de paladar e olfato. Embora existam milhares de moléculas capazes de evocar uma grande quantidade de sabores, o ser humano só é capaz de reconhecer quatro sabores básicos: o doce, o amargo, o azedo ou ácido e o salgado. Explica os mecanismos que os determinam, a ação de açucares e adoçantes e a manifestação do sabor salgado e azedo.
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Sensações de odor e de aroma
Mostra como são as moléculas que causam as sensações de odor e sabor. Estabelece a relação dessas moléculas com odores e aromas.
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Neuroquímica e sensações
Discute o papel dos neurônios na transmissão de informação, a ação dos neurotransmissores, a interação dos neurotransmissores com receptores e a excitação e inibição. Faz uma revisão da literatura recente sobre o funcionamento do sistema nervoso, resumindo e organizando os diversos conceitos explorados em livros e artigos específicos sobre o tema. Utiliza conceitos de neurologia e fisiologia interligados com os de física e química.
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Dor: sensação boa ou ruim?
Aborda a sensação de dor, a manifestação da dor através do sistema nervoso central, a ação de analgésicos e anestésicos.
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Sensações emocionais e drogas
Discute as sensações emocionais e o encéfalo; as alterações das sensações emocionais com drogas de abuso; as relações entre ansiedade, medo, pânico e ansiolíticos; a ação do álcool, a depressão e os antidepressivos; alucinógenos, anfetaminas e outras substâncias estimulantes; e a nicotina e a dependência química.
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