Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 268 - de 4 a 10 de outubro de 2004
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Entre a mesa farta e a mesa de
  cirurgia
 

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Unidade do HC disciplina obesos para
a vida como magros; 10% desistem da cirurgia pelo prazer de comer

Entre a mesa farta
e a mesa de cirurgia




LUIZ SUGIMOTO



O Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp possui 1.800 pacientes na fila da cirurgiaIlustração: Phélix contra a obesidade mórbida, o que pode significar uma espera de 12 a 15 anos dentro das condições atuais de atendimento. São pacientes das camadas mais pobres, que não teriam como pagar por este ou outro tipo de tratamento em instituições particulares. No entanto, estima-se que 10% desses obesos desistirão da idéia até o momento da cirurgia, preferindo enfrentar todos os males à saúde – ainda que os males levem à mortalidade precoce –, simplesmente porque não abrem mão do prazer de comer. Apesar da existência de fatores hormonais ou hereditários para a ocorrência da obesidade mórbida, a maioria dos casos está associada ao abuso da ingestão calórica.

Resultados de programa serão apresentados em congresso

Este quadro faz com que a Unidade Disciplinar do Obeso, um programa implantado há dez meses no HC da Unicamp, sirva como referência para o Ministério da Saúde e outros serviços de cirurgia bariátrica (redução do estômago). “Trata-se de um trabalho de conscientização dos pacientes, que estamos incluindo no programa de cirurgias. Lidamos com um fator multicausal que a cirurgia, apenas, não resolve, devendo ser abordado também do ponto de vista psicológico”, afirma o gastrologista Élinton Adami Chaim, do Ambulatório de Obesidade Mórbida. Em sua opinião, a mera medição do índice de massa corpórea (IMC), atestando a obesidade mórbida, oferece respaldo técnico e jurídico à equipe médica, mas nem sempre o doente está preparado para o ato cirúrgico.

O IMC é a relação aritmética do peso dividido pela altura ao quadrado. Feitas as contas, o índice até 25 é considerado normal; de 25 a 30 indica sobrepeso; de 30 a 40, obesidade; e acima de 40, obesidade mórbida. Um homem de 1,70m de altura, pesando 120kg, terá IMC de quase 41, sendo classificado como obeso mórbido. “Ao submetermos este obeso à cirurgia, simplesmente, ele pode se tornar um magro infeliz, por não conseguir comer como antes. A cirurgia é irreversível. Se o paciente insistir em ingerir mais alimentos do que sua capacidade gástrica suporta, vai começar a vomitar muito. Alguns até provocam vômitos para que possam comer novamente, sob risco de problemas como a esofagite”, adverte Chaim.

O professor da Faculdade de Ciências Médicas informa que, na unidade disciplinar, o paciente é acompanhado durante os três meses anteriores à cirurgia por uma equipe multidisciplinar formada por cirurgiões, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e enfermeiros. Trabalha-se com um grupo de 120 obesos, que se sujeitam às mesmas regras daqueles que estão em fase pós-operatória: dieta mais líquida, orientações sobre como se alimentar corretamente, atividades físicas e acompanhamento da parte emocional. Eles também se relacionam com pacientes que já passaram pela cirurgia, com os quais se informam sobre os benefícios trazidos à saúde e à própria auto-estima, visto que a obesidade mórbida prejudica igualmente as relações sociais. Tudo isso também contribui para diminuir as desistências.

“Em dez meses de atividade da Unidade de Obesidade Mórbida, muitos pacientes perderam peso antes mesmo da cirurgia. Além de melhor preparar o doente para sua vida de ex-obeso, conscientizando-o da importância da alimentação comedida e dos exercícios, o programa reduz bastante o risco de complicações pós-operatórias, como pneumonia e outras infecções”, explica Élinton Chaim. A literatura mundial mostra um risco de óbito de 2% na cirurgia bariátrica, devido principalmente ao tromboembolismo pulmonar – quando um coágulo da veia da perna, por exemplo, sobe para o pulmão ou cérebro causando a morte. Segundo o gastrologista, com o novo programa a mortalidade cai para 0,5%, o que julga bastante razoável. “Com esses doentes, quando há complicações, elas invariavelmente são graves”, argumenta.

Fila menor – O número de cirurgias de obesidade mórbida, que no início era de uma, agora chega a quatro por semana. Esta agilização no atendimento foi possível graças à criação pelo HC dos chamados leitos “extra-teto” – em que o SUS não impõe teto para cobertura de cirurgias bariátricas, a exemplo das cardiovasculares – e também à perda de peso dos doentes na Unidade Disciplinar do Obeso. “Os doentes deixam de necessitar de camas ou macas especiais que suportem 200kg ou 250kg, o que permite aumentar o número de cirurgias. Um detalhe é que o paciente que emagrece mais rapidamente, recebe a cirurgia como prêmio”, observa Élinton Chaim. O médico acrescenta que o grupo é dinâmico, havendo a substituição imediata daqueles que passam pela cirurgia ou dela desistem. Chaim adianta que o atendimento será levado também ao Hospital Estadual de Sumaré – vinculado à Unicamp –, gerando um rodízio ainda maior e reduzindo o tempo de atendimento pelo menos à metade, em curto prazo.


Técnica eficaz e barata
para atender os pobres

O gastrocirurgião Élinton Adami Chaim, do Hospital das Clínicas da Unicamp, afirmaO gastrocirurgião Élinton Adami Chaim: programa reduz bastante o risco de complicações pós-operatórias que a obesidade mórbida, só recentemente, passou a ser tratada como uma doença de saúde pública, devido ao aumento dos gastos do sistema de saúde e dos convênios médicos com complicações como diabetes, hipertensão, problemas ósseo-articulares, depressão e outros problemas emocionais graves, além de fatores econômicos como ausências no trabalho. “A partir daí, começou-se a falar cada vez mais em cirurgia de redução do estômago, principalmente na mídia, embora esse procedimento seja conhecido há quase meio século. A técnica mais utilizada surgiu há 20 anos, mas as cirurgias de obesidade são realizadas desde a virada para os anos 1960, com sucesso relativo”, lembra o médico.

Hoje, no Brasil, 30% da população apresenta excesso de peso e, dentro desta parcela, 10% são de obesos mórbidos. Chaim recorda que já se tentou substituir o termo obesidade “mórbida” por “severa”, o que não se popularizou na comunidade médica. “Isto porque a doença é realmente mórbida. Já temos estudos mostrando que, na faixa etária entre 20 e 55 anos, a probabilidade de esses doentes morrerem por causa das complicações é doze vezes maior em comparação a pessoas de mesma idade com peso normal. Também está demonstrado que os obesos mórbidos vivem 12 ou 15 anos a menos”, informa o gastrocirurgião Segundo ele, pessoas obesas com índice de massa corpórea (IMC) abaixo de 40, mas com problemas graves como diabetes e hipertensão de difícil controle, ou impedidos de andar por causa da obesidade, devem igualmente se submeter à cirurgia.

Técnicas – “A cirurgia não é simples. Sempre advertimos os pacientes de que não se trata de uma cirurgia plástica, estética, mas de uma intervenção drástica que implica em retirar a maior parte do estômago, o que pode trazer complicações”, afirma Chaim. Na técnica adotada pelo Ambulatório de Obesidade Mórbida do HC, o estômago, cujo volume médio nestes obesos é de 3.000 mililitros, tem esta capacidade reduzida para somente 30ml, o tamanho de um copo de café; além disso, é colocado um desvio no intestino, que perde três de seus oito metros de comprimento. “Reduzimos não apenas a capacidade de ingerir, mas também de absorção dos alimentos”, acrescenta o médico.

Existem outros tipos de cirurgia e de tratamento amplamente oferecidos por serviços particulares, já que se trata de uma patologia freqüente, mas que exigem boas condições financeiras. Élinton Chaim cita a chamada banda inflável, em que se coloca um anel no estômago por via videolaparoscópica, procedimento tecnicamente simples, mas pelo qual se cobra entre dois e três mil dólares. Em relação à preparação do paciente para a cirurgia bariátrica, é possível utilizar um balão intragástrico que o impede de comer em excesso, provocando o emagrecimento e diminuindo o risco de complicações pós-cirúrgicas, a um custo estimado em dois mil dólares.

“Apesar dos preços, os resultados das demais técnicas não são melhores do que a aplicada na Unicamp. Nosso programa é excelente e barato, assegurando o atendimento da população pobre”, diz o gastrocirurgião do HC. O médico informa que os resultados do programa de Unidade Disciplinar do Obeso serão apresentados num Congresso de Cirurgia Bariátrica em novembro, quando serão disponibilizados para as demais instituições e serviços do país.

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