Em tese de livre-docência, professor do IG
apresenta metodologia para visualizar a difusão espacial da doença
Mapeando as rotas
do mosquito da dengue
LUIZ SUGIMOTO
Muitas doenças epidêmicas, que já têm no homem um transmissor, são introduzidas em novos territórios por meio do comércio e dos transportes. Um dos vetores da dengue, o Aedes albopictus, chegou aos Estados Unidos de navio, em poças d’água acumuladas dentro de pneus importados da Ásia. Também há casos de mosquitos transmissores da malária que saíram de seus países tropicais pegando carona em aviões, bastando-lhes, então, voar poucos quilômetros para contagiar pessoas que residiam nos arredores dos aeroportos de Genebra, Detroit, Nova York e Toronto. Tais casos são chamados de “malária de aeroporto”. Não se trata de tarefa simples, portanto, mostrar como essas doenças se propagam geograficamente.
Estudo mostra evolução da epidemia
O professor Marcos César Ferreira, do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IG), acaba de defender a tese de livre-docência Análise espacial e modelagem cartográfica de endemias de dengue, em que recorreu a sistemas de informações geográficas (SIG) para elaborar vários mapas que permitem avaliar como esta doença trafega de uma cidade para outra. “A metodologia pode ajudar na prevenção e combate de outras epidemias. Meu trabalho enfoca a dengue porque ela vem evoluindo rapidamente no Brasil e é pouco estudada do ponto de vista geográfico. Basicamente, o controle feito atualmente se dá através de notificações de casos e do índice larval (a quantidade de larvas num habitat do mosquito, o Aedes aegypti)”, afirma o pesquisador.
A região de São José do Rio Preto, no noroeste do Estado de São Paulo, é uma das que apresentam maior incidência de dengue no país, com uma média de 79 casos para cada 10.000 habitantes (2001). As cidades de Mirassol e São José do Rio Preto mostram situações extremas: 356 e 198 casos por 10.000 habitantes, respectivamente, quando o índice médio no estado é de 14 notificações, de 13 no Brasil e de 12 no mundo. “No mapeamento primário feito em computador, traçamos os limites geográficos de cada um dos 150 municípios que compõem a região de Rio Preto, espacializando os dados notificados de dengue. Trata-se do registro clássico na análise da epidemia, um cartograma de concentração de casos por município”, explica Marcos Ferreira.
A metodologia proposta pelo livre-docente, porém, fornece outra visualização desses focos. Ao invés de mapas estáticos sobre os respectivos períodos, uma sucessão de mapas digitais mostra a dinâmica da evolução da epidemia no espaço e no tempo. Segundo Ferreira, quanto mais quente e úmido é o clima, mais a dengue prolifera, sendo que os primeiros casos de contaminação surgem no mês de janeiro, registrando-se um pico na virada de abril para maio. “Nos mapas, percebemos uma contigüidade espacial na concentração de casos, associada a um alinhamento das cidades que vão apresentando mais ocorrências no decorrer do tempo. Como as condições climáticas na região são homogêneas, outros fatores levam à expansão da epidemia”, observa o professor do IG.
Tráfego viral Sendo o homem um vetor da dengue, a circulação de pessoas torna-se fator importante para a propagação da dengue. Esta mobilidade de pessoas, por sua vez, é governada pela economia regional, em que alguns municípios atuam como pólo-aglutinadores devido à concentração de serviços. “Há uma migração diária de gente que chega a esses pólos para trabalhar, fazer compras, se entreter, estudar, e depois volta às suas cidades de origem. Por isso, trabalhamos a questão da difusão da dengue sob a ótica da circulação de pessoas e mercadorias”, afirma Marcos César Ferreira.
Na análise multitemporal, o mapa traz dados da expansão da epidemia aglutinados em quadrissemanas. “Percebemos o momento em que ela atinge o máximo, havendo depois uma reclusão, isto é, um retorno aos pólos de origem. É aí que percebemos o alinhamento preferencial da difusão entre os municípios, formando zonas de grande suscetibilidade de contágio”, ressalta o pesquisador. Como os limites geográficos traçados no mapa são abstratos “a epidemia tem uma distribuição mais contínua e não respeita limites administrativos” , o professor utilizou um algoritmo de geração de superfície, que mapeia o espaço de forma contínua.
Nodalidade Vê-se, por exemplo, que a partir de São José do Rio Preto, cidade de maior população e de aglutinação de serviços e comunicação na região, a cor vai se tornando mais intensa, revelando a tendência de uma pulsação sazonal. “O trabalho comprovou, estatisticamente, que os casos novos de dengue aparecem sempre contíguos a casos antigos, de uma semana para outra, mostrando o alinhamento. Já está confirmado que os veículos também servem como vetores mecânicos, transportando mosquitos ou seus ovos. Seguindo esta hipótese, atestamos que quanto maior a nodalidade (o nó de conexões de transportes), quanto maior os pontos de convergência de serviços e pessoas, maior o índice de epidemia”, diz o professor da Unicamp.
De acordo com os mapas elaborados por Marcos Ferreira, a dengue concentra-se mais nas cidades grandes e médias, geralmente com população acima de 100 mil habitantes e que possuem características geográficas favoráveis do ponto de vista econômico. “Esses pólos, com seu grau de acessibilidade, exercem uma pressão por mais espaços, aumentando o número de domicílios improvisados (favelas) ou coletivos (cortiços). O crescimento demográfico, a taxa de ocupação e as mudanças no solo fazem com que esses nós tenham força para expandir a epidemia para municípios próximos, situados em posição de alta acessibilidade por conexão rodoviária”, ressalta o pesquisador do IG.
Outra doença social
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O professor Marcos César Ferreira, do Instituto de Geociências, afirma que o modelo de avaliação de epidemias de dengue, sugerida em sua tese de livre-docência, oferece informações importantes não apenas às autoridades sanitárias já atentas ao controle de notificações de casos, de estimativa de índice larval e medidas preventivas e educativas, mas também para consórcios intermunicipais que, a fim de conter a propagação da doença, poderiam se orientar pelo alinhamento preferencial de cidades demonstrado na pesquisa. “Ao invés de realizar o combate numa região indiscriminada, ele seria direcionado para municípios situados em posições estratégicas da rede de transportes, associadas a roteiros futuros da dengue. A partir do surgimento dos primeiros casos em São José do Rio Preto, por exemplo, é possível prever para quais cidades e em quanto tempo a epidemia vai evoluir, antecipando as providências”, deduz o pesquisador.
Marcos Ferreira reitera que o fato de um município fazer fronteira com outro, não significa que haverá ali maior difusão espacial da epidemia. “É preciso haver uma conexão eficiente entre as populações. Quanto maior a soma das populações, quanto maior a proximidade rodoviária e quanto menor a impedância à circulação de pessoas e serviços entre as duas cidades, maior a suscetibilidade de contágio”, exemplifica. Outro equívoco, segundo o professor, é classificar a dengue apenas como uma doença associada a climas quentes e úmidos.
“A dengue já foi aceita como uma doença social, assim como a maioria das epidemias tropicais. Numa região que não apresenta grandes alterações climáticas de uma cidade para outra, a chance de contrair a dengue seria idêntica. Porém, não é isto que comprovamos na pesquisa. Há a formação de grupos de municípios contíguos, preferencialmente alinhados segundo fluxos regionais de pessoas, mercadorias e serviços. Não se trata apenas de uma doença urbana, como se diz, mas de adensamentos e de mobilidade populacionais”, finaliza Ferreira.
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