Sopa fria, café quente
Marcelo Knobel
Estava voltando para casa, no fim da tarde, quando recebi um telefonema no celular:
- Professor, aqui é uma repórter da Folha de São Paulo. Poderia lhe fazer uma pergunta?
- Pois não... -, respondi.
- Por que quanto mais “denso” é o líquido, mais rapidamente ele esfria? Uma xícara de chá ou café demora mais para esfriar que a mesma quantidade de sopa cremosa, por exemplo.
Essa pergunta me pegou completamente desprevenido. Jamais esperaria ser indagado sobre algo tão insólito, assim de supetão... No entanto, a pergunta envolve alguns dos conceitos que levam à maior confusão quando aprendemos Física ou, mais particularmente, Termodinâmica. Demorei uns cinco minutos para me recompor do choque da pergunta, para simplesmente responder:
- Tenho que pensar um pouco e consultar alguma bibliografia. Por favor, entre em contato comigo daqui a duas horas.
Pronto! Não há nada mais instigante para um cientista do que um bom desafio. Não conseguia pensar em outra coisa a não ser sobre a transferência de calor, e as leis da termodinâmica. Voltei para casa, e consultei alguns livros e páginas na Internet. Considerando os três processos possíveis de perda de calor, a convecção, a radiação e a condução, a densidade do líquido só poderia afetar o resfriamento deles se a diferença na viscosidade alterasse de alguma forma as correntes de convecção no interior da sopa, o que provocaria um resfriamento não-uniforme, e a superfície ficaria mais fria do que o interior da sopa. Isso de fato pode ocorrer, mas a pergunta não se referia a isso.
O próximo passo foi consultar se de fato a observação era verdadeira. Quem disse que isso ocorre mesmo? O fato é que sim, é verdade. Uma breve busca na Internet indicou que alguns estudantes motivados por seus professores têm realizado o experimento em laboratórios e feiras de ciência, e realmente a água (ou chá, ou café) demora mais para esfriar do que a sopa. O importante é proporcionar condições experimentais idênticas, ou seja, os recipientes usados devem ser iguais, mantidos na mesma temperatura ambiente, e com a mesma temperatura inicial. Certamente, se mantivermos o mesmo líquido (a água, por exemplo) em um prato de sopa e em uma caneca, ele irá esfriar mais rapidamente no prato de sopa, que contém maior superfície exposta à temperatura ambiente.
Bom, constatamos então que o importante não é a densidade do liquido, mas sim a sua composição. O fator preponderante neste caso é uma grandeza conhecida como calor específico, desde que consideremos que os dois líquidos tenham massas iguais e sejam mantidos em recipientes idênticos e sujeitos às mesmas condições de perda de energia. O calor específico relaciona a energia térmica transferida (ou calor) com a variação de temperatura de um dado material, sendo mais precisamente a quantidade de energia (em Joules, no Sistema Internacional) necessária para mudar a temperatura (de um grau Celsius) de um quilograma do material. Graças às características únicas das ligações do hidrogênio, a água tem um calor específico muito alto, chegando a 4.200 J/kgºC. Quando o calor específico é elevado (como é o caso da água, e portanto do chá e do café), é necessário extrair uma quantidade de energia maior para atingir uma mesma variação de temperatura do que no caso de algum sólido ou líquido com calor específico menor. No caso da sopa, que contém gorduras e sólidos em suspensão, o calor específico é bem menor do que o da água e, portanto, em condições equivalentes esfriará muito mais rapidamente do que o chá ou o café.
Há outros exemplos diários onde o mesmo fenômeno é comprovado: quem nunca queimou a boca com uma batata quente? Dada a grande quantidade de água na batata, ela demora mais para esfriar do que outros alimentos, e é até utilizada para aquecer as mãos em países frios.
O interessante é que o oposto também é verdadeiro, ou seja, é mais rápido aquecer uma dada quantidade de sopa (fornecendo uma determinada quantidade de energia) do que aquecer a mesma massa de água, devido à diferença de calor específico desses líquidos. Um outro ótimo exemplo é o leite integral, que ferve muito mais rapidamente do que a água. Ao ferver, o leite sobe e geralmente derrama. Mas esse é um outro assunto, que deixaremos para outra oportunidade...