De acordo com Luciane, todos os indicadores sócio-ocupacionais relacionados aos jovens da RMSP perderam vigor nos anos 90 em comparação com a década anterior. Isso ocorreu, segundo ela, em razão da queda do desempenho da economia brasileira de um período para o outro. Se na década de 80 o país enfrentou um forte processo de estagnação, na fase seguinte esse problema foi reforçado por outros fatores, como a desestruturação do setor industrial e a abertura comercial e financeira. Uma das conseqüências desse quadro foi a explosão do desemprego e, conseqüentemente, da informalidade. “Nesse aspecto, o jovem normalmente é a maior vítima. Quando uma empresa se vê obrigada a demitir, o trabalhador juvenil quase sempre é o primeiro a ser escolhido”, lembra a pesquisadora.
A partir de dados coletados junto à Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Luciane lançou mão da tipologia concebida pelo professor Waldir Quadros para traçar o panorama da situação dos jovens da RMSP. Atualmente, esse contingente é formado por cerca de 3,5 milhões de pessoas, sendo que 1,7 milhão tem ocupação. Entre os ocupados, 60% alcançam rendimentos de até R$ 500,00 ao mês, independente do grau de escolaridade. Em seu estudo, a pesquisadora promoveu alguns recortes, como o de raça e gênero. Da população jovem ocupada, 56% são homens e 65% são brancos.
Segundo Luciane, foi possível identificar, ainda, uma hierarquia em termos de rendimento e status, que segue a seguinte ordem: homem branco, mulher branca, homem negro e mulher negra. “O rendimento médio de uma mulher negra no mesmo ramo de atividade de um homem branco é 30% inferior ao deste”, afirma. Em alguns setores, como o financeiro e o industrial, essa discrepância atinge 60% e 50% respectivamente, conforme a autora da pesquisa. Entre a população branca, a mulher ganha de 15% e 20% menos do que o homem. A investigação conduzida pela economista também desfaz algumas lendas e fábulas criadas em torno da situação sócio-ocupacional do jovem trabalhador.
A primeira, como já foi mencionado, refere-se à questão da escolaridade. A despeito de o número de matrículas no ensino médio ter sofrido um aumento de 118% ao longo dos últimos 20 anos, esse dado não permite fazer qualquer co-relação com o rendimento dos jovens. “Entre a década de 80 e a de 90, a renda desses trabalhadores caiu em todas as faixas. Os trabalhadores de nível médio perderam 36%, os de nível fundamental 21% e os de nível superior 20,6%”, aponta Luciane. Conforme o estudo, entre os 270 mil jovens com nível superior, 22% recebem salários de até R$ 500,00 ao mês. Além disso, 25 mil deles têm renda média mensal de R$ 65,00, ou seja, menos de um quarto do salário mínimo nacional. “Como é que esse jovem consegue pagar a faculdade?”, questiona a especialista.
Outra lenda diz respeito à ampliação do número de jovens com carteira de trabalho assinada. Entre os trabalhadores de 18 a 24 anos, 19,6% não eram registrados em 1982. Em 2002, esse percentual saltou para 35,8%, o que representa um contingente de 472.317 pessoas. Mais uma lenda desfeita pelo estudo relaciona-se com a questão da socialização juvenil. De acordo com Luciane, o jovem não participa mais de sindicatos, partidos políticos e nem mesmo de agremiações estudantis como em épocas passadas. Atualmente, eles estão mais voltados para ações voluntárias, movimentações políticas instantâneas e pouco institucionais e participações em grupos artísticos, esportivos e religiosos.
Todo esse cenário, destaca Luciane, criou uma situação de desencanto do jovem em relação ao próprio futuro. Em entrevistas que promoveu com alguns personagens, a pesquisadora constatou que muitos deles não têm qualquer perspectiva de melhora em sua condição sócio-ocupacional. “O pessimismo tomou conta de uma parcela significativa desse segmento”, diz. Em alguns casos, conforme a economista, o jovem é levado a assumir uma culpa que na realidade não tem. “Eu entrevistei jovens que diziam não ter tido a sorte de serem registrados, como se isso fosse responsabilidade unicamente deles”, surpreende-se.
A forma como o jovem encara a falta de perspectiva vários disseram não ter planos concretos no âmbito profissional e mesmo pessoal é explicada não apenas pela piora sensível da sua situação sócio-ocupacional, mas também por fatores decorrentes dela, em certa medida. Com a retração econômica e o aumento do desemprego, explodiram, por exemplo, os índices de violência, principalmente nos grandes centros urbanos, caso específico da Região Metropolitana de São Paulo. “Nesse aspecto, o jovem mais uma vez é o mais atingido. Diversas pesquisas indicam que esse contingente é a principal vítima e ao mesmo tempo o maior algoz da violência urbana”, assinala a autora da dissertação, que contou com bolsa de estudos concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
De acordo com Luciane, que pretende expandir a sua pesquisa para o âmbito nacional na tese de doutoramento, é importante destacar que a crise que envolve a empregabilidade do jovem não é uma característica apenas do Brasil. Na Argentina, da taxa total de desemprego (39,5%), 15,4% corresponde ao segmento juvenil. No Chile, esses índices são, respectivamente, de 21,4% e 9,4%. Em terras tupiniquins, o desemprego juvenil corresponde à metade do desemprego total, que é da ordem de 14%.