Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 270 - de 18 a 24 de outubro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Diário da Cátedra
O tipo da soja em 30 segundos
Parceria com a Renault
Polpa da laranja contra diabetes
A hora do reconhecimento
Fóruns
Visões sobre a fome
Superávit primário
Jovens de São Paulo:
   desemprego
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
O mundo gira
Unicamp e Sebrae
O império muda de ares
 

11

Encontro internacional debate fenômenos urbanos e seu impacto sobre os cidadãos

O mundo gira.
E as cidades também


CLAYTON LEVY


A coordenadora do Labeurb, professora Eni Orlandi: “O homem sempre acabará criando novos espaços de convivência”Pesquisadores do Brasil e do Exterior estarão reunidos na Unicamp de 20 a 22 de outubro para o IV Encontro Internacional Saber Urbano e Linguagem – Giros na Cidade: Materialidade do Espaço. Organizado pelo Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb), o evento acontecerá no auditório da DGA e buscará debater as formas e espaços que integram o fenômeno urbano, como se forjam e funcionam, e que impactos geram sobre os moradores. “Nossa proposta é circular pelos espaços da cidade e suas materialidades, indagando suas evidências e derivas”, diz a coordenadora executiva do encontro, Rosângela Morello. “Queremos fazer a cidade girar e, nesse giro, encontrarmos modos de vida, formas de linguagem e de sentido”, completa.

Durante o encontro também serão revelados os resultados de uma pesquisa realizada com alunos do ensino básico no Brasil e na França. O estudo, feito através de um convênio de cooperação entre a Unicamp e a Universidade de Paris 3, teve por objetivo averiguar como os estudantes significam os espaços onde vivem. A partir desses resultados, a idéia é discutir a relação do poder público com a cidade. “Para isso, a linguagem, em todas as suas formas de expressão, funciona como nosso termômetro porque é através dela é possível fazer um bom diagnóstico da situação social urbana e interferir na realidade”, explica a coordenadora do Labeurb, professora Eni Orlandi. Na entrevista que segue, ela aborda os impactos que as mudanças urbanas produzem sobre o cidadão comum.

Jornal da Unicamp – O século XX transformou as pequenas cidades em médias, as médias em grandes, as grandes em metrópoles e as metrópoles em megalópoles. Qual o impacto disso sobre o homem urbano? Mais ainda, que efeito de transformação isso trouxe ao migrante?

Eni Orlandi –Na verdade, a população urbana está em constante movimento. Dificilmente há rompimentos ou mudanças muito drásticas. Isso pode ocorrer, mas então haverá elementos bem caracterizáveis. Na maior parte do tempo o que há é um movimento contínuo nesse processo de desenvolvimento urbano. Isso traz impacto sobre as pessoas.

JU – Que tipo de impactos?

Eni Orlandi – Por mais que haja impactos, as mudanças nem sempre são visíveis de imediato. As mudanças são percebidas mais à frente. Além disso, os impactos não ocorrem de modo homogêneo. Os indivíduos reagem de maneiras distintas às mudanças. Há indivíduos que são mais atingidos e outros que são menos.

JU – O que determina essa diferença de respostas por parte dos indivíduos?

Eni Orlandi –São muitos elementos. As pessoas não estão na cidade da mesma maneira. Há uma multiplicidade de condições em que as pessoas vivem. A imagem que as pessoas fazem do próprio bairro onde vivem também pode estar mais ou menos atravessada pela imagem que a mídia faz do lugar. Uma pesquisa que fizemos com crianças do Parque Oziel, na periferia de Campinas, por exemplo, revelou que elas fazem uma imagem positiva do lugar, ao contrário do que é passado pela mídia. A imagem que elas têm do local não é a imagem que a mídia mostra.

JU – O fato de as mudanças não serem imediatamente perceptíveis dificulta o controle que as próprias pessoas deveriam ter sobre estas mudanças?

Eni Orlandi – Certamente. Dificulta não só o controle por parte das pessoas mas também por parte do poder público. Por essa razão costumo dizer que o poder público precisa ter paciência para acompanhar os processos de mudança. Acredito que a razão de muitos projetos urbanos fracassados decorre da falta dessa paciência. Os administradores implementam alguma mudança e, como não percebem uma resposta imediata, mudam de rumo, o que levam à perda de continuidade de muitos projetos. Isso é um grande mal porque muitas vezes leva a um desperdício dos recursos investidos.

JU – Em que medida o caos da linguagem urbana, em todas as suas formas, não se converte em violência e desagregação do homem nas grandes cidades?

Eni Orlandi – Acho que esse caos da linguagem urbano é o contrário da violência. Na verdade, ele é a resposta à violência. Muitas vezes é a maneira que as pessoas encontram para não entrar na violência. O grafite e até mesmo a pichação são modos de os sujeitos reagirem simbolicamente à violência que é posta sobre eles. Em vez de reagirem no mesmo plano da violência recebida, eles desviam para a simbolização. Essa simbolização é um meio de significar o próprio mundo de uma maneira não-violenta. Para mim, esse caos tem um sentido positivo. É uma válvula de escape. Claro que desorganiza, mas estas formas destoantes são criativas. Revela alguém que encontrou alguma maneira de revidar à violência com algum aspecto cultural. Essas manifestações devem ser encaradas como espaços simbólicos e não apenas como rabiscos.

JU – Para algumas pessoas esse tipo de manifestação também seria uma forma de agressão.

Eni Orlandi – Para a maior parte das pessoas parece agressão porque estas manifestações têm uma forma contestatória. Às vezes nem o próprio pichador ou grafiteiro tem consciência disso. Além disso, essa linguagem é feita muitas vezes de códigos cifrados que a maior parte da população não entende mas tem significado para os autores. O fato de não compreendermos a pichação faz com que essa linguagem soe como agressão ou simplesmente depredação ou sujeira nas paredes. Ao mesmo tempo, a população não interpreta como caótico os panfletos de candidatos espelhados pelas cidades em época de eleição. Isso é ultracaótico do ponto de vista da linguagem urbana, mas a população não interpreta como sujeira simplesmente porque entende a mensagem.

JU – No interior das cidades físicas há agora o fenômeno das cidades virtuais, isto é, que ultrapassam seus próprios limites regionais e nacionais através das conexões eletrônicas e sobretudo da rede mundial de computadores. Não por acaso, esse fenômeno se dá através da linguagem. Em sua opinião, qual o significado dessa nova realidade?

Eni Orlandi – Esse universo virtual é importante. É uma outra forma de mobilizar a memória e as situações imediatas em que as pessoas vivem. É preciso notar, porém, que são novas tecnologias ainda muito ligadas à escrita. Assim como o homem teve de aprender a conviver com a escrita, agora ele está aprendendo a se virtualizar com as novas tecnologias. Vejo isso com muito agrado. Trata-se de um instrumento importante. Muda as relações pessoais, sociais, a relação com a memória e a relação tempo-espaço.

JU – A realidade virtual, ao mesmo tempo que expande os limites geográficos das cidades, tende a tornar ociosos muito de seus espaços antes destinados a atividades tornadas anacrônicas (a estrutura convencional dos escritórios, dos bancos etc). Esse tipo de especulação entra no campo de interesse dos lingüistas?

Eni Orlandi –Certamente entra porque nós trabalhamos justamente com a materialidade do espaço, ou seja, a maneira como o espaço é habitado, não no sentido de moradia mas no sentido daquilo que existe nesse espaço e como ele funciona. Essas mudanças nos interessam porque também mudam a significação dos espaços. O espaço de um escritório, por exemplo, passa a significar algo inútil porque já é possível fazer várias operações pela Internet. Mesmo assim a sociabilidade é irresistível para o homem. Apesar das mudanças e de seus impactos, a sociabilidade continua porque faz parte do homem. Se não preciso mais ir até a agência bancária para pagar uma conta, então posso usar esse tempo útil para ampliar minhas relações sociais em outros espaços. Por essa razão acredito que a realidade virtual não é uma ameaça à sociabilidade. O homem sempre acabará criando novos espaços de convivência.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP