Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 271 - de 25 a 31 de outubro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Era uma vez a América
Diário da Cátedra
Nova técnica: o átomo
Fanatismo, face do retrocesso
Catarata maior causa de
  cegueira em Campinas
César Lattes
Chuvas amazônicas
Criação de peixes
Planejamento estratégico
Fórum
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
Contato com a prática
MultiCiência
Cultura X solidão
 

3

Physical Review Letters publica experimento
pioneiro e sofisticado que só poderia acontecer em Campinas

Instituto de Física e Laboratório Síncrotron propõem nova técnica para estudar o átomo

LUIZ SUGIMOTO


Fotos: Antonio ScarpinettiEm física existem experimentos básicos, extremamente importantes justamente por serem básicos. Uma pesquisa pioneira, complicada e sofisticada realizada por pesquisadores do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), prestes a ser publicada pela Physical Review Letters, uma das mais conceituadas revistas da área, promete ecoar na comunidade internacional ao propor uma técnica nova e inusitada para extrair informações sobre a estrutura dos átomos. “É um trabalho que só poderia ser concretizado aqui, em Campinas, onde o Instituto de Física e o Laboratório Síncrotron funcionam lado a lado. Mesmo para os países ricos, seria muito difícil juntar essas competências”, afirma o professor Flávio Caldas da Cruz, do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW.

Um experimento básico da física é a fotoionização, em que uma luz – geralmente um feixe de raio-X ou de ultravioleta – despedaça o átomo. Como numa colisão, os elétrons (cargas negativas) vão para um lado e os íons (cargas positivas) para outro. Detectando a direção e a energia das partículas, extrai-se informações sobre a estrutura do átomo e as interações entre seus constituintes, regidas pela física quântica. O mapeamento obviamente varia de um átomo para outro, mas são tais informações experimentais que levam a novas aplicações científicas e tecnológicas. Na técnica mais usual, detecta-se a distribuição angular apenas de elétrons, apesar da dificuldade causada pela extrema velocidade que eles adquirem quando o átomo é ionizado. No átomo de césio, por exemplo, utilizado no experimento do IFGW e LNLS, o elétron é 250.000 vezes mais leve que o íon.

Conhecimento replicará em outras áreas

Os pesquisadores Reinaldo Luís Cavasso-Filho, Flávio Caldas da Cruz, Arnaldo Naves de Brito, Lúcia Helena Coutinho e David Figueira: técnica inusitadaPor que, então, ao invés de elétrons não se detecta os íons, que por serem muito mais pesados e lentos permitiriam um mapeamento menos complicado e preciso?. “A temperatura de qualquer substância se traduz numa agitação de seus átomos. Como o recuo do íon após a fotoionização é muito pequeno, menor que a própria agitação térmica em amostras com temperaturas normais, fica inviável medí-lo. Portanto, é preciso reduzir a temperatura, ou seja, parar os átomos”, explica Flávio Cruz. O professor acrescenta que a detecção de íons requer o uso de amostras de átomo superfrias. Tal resfriamento pode ser obtido com laser, chegando-se à temperatura de algumas centenas de milionésimos de grau acima do zero absoluto. Outra técnica já consolidada, mas sujeita a inúmeras limitações, é a produção de um feixe atômico que se expande numa só direção, numa expansão tão rápida que provoca o resfriamento da amostra.

A idéia inusitada dos pesquisadores da Unicamp e do LNLS foi a de produzir uma amostra de átomos de césio em três dimensões, em forma de “bola”, resfriada a laser, ionizando-a com radiação ultravioleta em uma das 12 linhas de luz síncrotron do laboratório. Ou seja: juntou-se, pela primeira vez, a fotoionização de átomos frios com a luz síncrotron, uma luz extremamente versátil. “A introdução da luz síncrotron é importante porque ela permite variar o comprimento de onda, de energia ionizante e de excitação de forma bastante simples. Com o laser esta variação é muito mais difícil, havendo ainda uma dificuldade para a obtenção de fluxo de ultravioleta. Variando a energia, conseguimos encontrar uma classe de efeitos que chamamos de mínimos, que revela efeitos fundamentais, relativísticos e de interação entre elétrons”, afirma o professor Arnaldo Naves de Brito, coordenador do projeto no LNLS.

Segundo Flávio Cruz, a expectativa do grupo é de que o artigo cause impacto considerável. “Talvez ocorra uma mudança de paradigma, com muitos pesquisadores sendo atraídos para realizar experimentos à nossa maneira: produzindo átomos frios, fotionizando e detectando os íons em lugar dos elétrons ultra-rápidos, e recorrendo ao síncrotron para o mapeamento angular preciso. Por ser um experimento de física básica, este conhecimento afetará outras áreas experimentais e teóricas. Por exemplo, há a possibilidade de também produzir moléculas ultrafrias com lasers, o que seria de muito interesse para a química ”, afirma.

A técnica de laser para resfriamento e aprisionamento de átomos foi sugerida pela primeira vez em 1975, tendo ocorrido uma demonstração prática três anos depois. As pesquisas se intensificaram a partir dos anos 1980, o que culminou com dois prêmios Nobel de Física, em 1997 e 2001. “Experimentos sofisticados na Alemanha utilizam jatos supersônicos como forma de resfriar os átomos, mas o laser permite uma redução mil vezes menor na agitação térmica. Isso significa que se trata de um método mil vezes melhor de extrair informações do átomo”, compara Brito.

A introdução dos átomos frios causou profundo impacto em várias áreas da ciência. Entretanto, somente 30 anos depois do anúncio da técnica com laser, realiza-se o primeiro experimento ligando a fotoionização de átomos frios com a luz síncrotron. Na opinião de ambos os pesquisadores, nunca se fez este experimento porque ninguém havia pensado nisso, e também porque não se trata de uma pesquisa trivial.

Assinam o artigo para a Physical Review Letters: Lúcia Helena Coutinho, Reinaldo Luís Cavasso-Filho, Túlio Rocha, David Figueira, Gustavo Homem, Paulo de Tarso Fonseca, Flávio Caldas da Cruz e Arnaldo Naves de Brito.

Antilei de Murphy

O professor Flávio Caldas da Cruz, do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW, afirma que o experimento utilizando a luz síncrotron na fotoionização de átomos frios foi muito especial, também, porque havia um alto risco de que não funcionasse. Ele explica que a pesquisa envolvia três aspectos delicados: a produção de átomos frios de césio, elemento que eles ainda não tinham aprisionado na Unicamp; a detecção dos íons com um aparelho construído no próprio LNLS, que funcionou muito bem; e a necessidade de um modo especial de operação do anel de luz síncrotron, que nunca fora utilizado, havendo apenas quatro ou cinco laboratórios no mundo capazes de fazê-lo.

“Neste modo especial, circula pelo anel circula uma corrente elétrica formada por um pacote de elétrons. Esse pacote produz luz ultravioleta que é emitida a cada 311 nanosegundos (1 nanosegundo equivale a 1 milésimo de milionésimo de segundo. Isto é o que fornece o timing para fazermos as medidas. Para o experimento precisávamos de apenas este pacote, a fim de que os pulsos de luz ficassem mais espaçados, afirma Naves de Brito. “Considerando a complexidade do experimento, felizmente houve uma espécie de antilei de Murf: tudo deu certo, quando muita coisa poderia dar errado”, brinca Flávio Cruz.

O professor Arnaldo Naves de Brito observa que o experimento consumiu pouquíssimos recursos, recorrendo basicamente à infra-estrutura do LNLS e do Instituto de Física. “Um financiamento exigiria uma espera de pelo menos dois anos, caso convencêssemos a agência sobre a viabilidade de uma idéia que nunca foi testada no exterior. Prevaleceria a mentalidade conservadora, ninguém destinaria 300 mil dólares para algo excessivamente inovador e arriscado”, prevê o pesquisador do LNLS.

Dessa forma, na parte de instrumentação, com exceção dos espelhos e outros dispositivos já padronizados (vários deles emprestados), todos os equipamentos especiais para medidas foram construídos pelos próprios pesquisadores. “Era preciso dar o primeiro passo. Um mérito doprojeto foi unir diferentes áreas para fazer com que um único experimento funcionasse. A união de esforços é uma condição muito importante para que projetos mais sofisticados possam ter sucesso em nosso país. Esta cooperação é um diferencial até para países mais ricos, diz Naves de Brito. “Agora, muita gente lá fora poderá pedir financiamento com o aval do nosso trabalho”, ironiza Flávio Cruz.

Topo

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP