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Physical Review Letters publica experimento
pioneiro e sofisticado que só poderia acontecer em Campinas
Instituto de Física e Laboratório Síncrotron propõem nova técnica para estudar o átomo
LUIZ SUGIMOTO
Em física existem experimentos básicos, extremamente importantes justamente por serem básicos. Uma pesquisa pioneira, complicada e sofisticada realizada por pesquisadores do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), prestes a ser publicada pela Physical Review Letters, uma das mais conceituadas revistas da área, promete ecoar na comunidade internacional ao propor uma técnica nova e inusitada para extrair informações sobre a estrutura dos átomos. “É um trabalho que só poderia ser concretizado aqui, em Campinas, onde o Instituto de Física e o Laboratório Síncrotron funcionam lado a lado. Mesmo para os países ricos, seria muito difícil juntar essas competências”, afirma o professor Flávio Caldas da Cruz, do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW.
Um experimento básico da física é a fotoionização, em que uma luz geralmente um feixe de raio-X ou de ultravioleta despedaça o átomo. Como numa colisão, os elétrons (cargas negativas) vão para um lado e os íons (cargas positivas) para outro. Detectando a direção e a energia das partículas, extrai-se informações sobre a estrutura do átomo e as interações entre seus constituintes, regidas pela física quântica. O mapeamento obviamente varia de um átomo para outro, mas são tais informações experimentais que levam a novas aplicações científicas e tecnológicas. Na técnica mais usual, detecta-se a distribuição angular apenas de elétrons, apesar da dificuldade causada pela extrema velocidade que eles adquirem quando o átomo é ionizado. No átomo de césio, por exemplo, utilizado no experimento do IFGW e LNLS, o elétron é 250.000 vezes mais leve que o íon.
Conhecimento replicará em outras áreas
Por que, então, ao invés de elétrons não se detecta os íons, que por serem muito mais pesados e lentos permitiriam um mapeamento menos complicado e preciso?. “A temperatura de qualquer substância se traduz numa agitação de seus átomos. Como o recuo do íon após a fotoionização é muito pequeno, menor que a própria agitação térmica em amostras com temperaturas normais, fica inviável medí-lo. Portanto, é preciso reduzir a temperatura, ou seja, parar os átomos”, explica Flávio Cruz. O professor acrescenta que a detecção de íons requer o uso de amostras de átomo superfrias. Tal resfriamento pode ser obtido com laser, chegando-se à temperatura de algumas centenas de milionésimos de grau acima do zero absoluto. Outra técnica já consolidada, mas sujeita a inúmeras limitações, é a produção de um feixe atômico que se expande numa só direção, numa expansão tão rápida que provoca o resfriamento da amostra.
A idéia inusitada dos pesquisadores da Unicamp e do LNLS foi a de produzir uma amostra de átomos de césio em três dimensões, em forma de “bola”, resfriada a laser, ionizando-a com radiação ultravioleta em uma das 12 linhas de luz síncrotron do laboratório. Ou seja: juntou-se, pela primeira vez, a fotoionização de átomos frios com a luz síncrotron, uma luz extremamente versátil. “A introdução da luz síncrotron é importante porque ela permite variar o comprimento de onda, de energia ionizante e de excitação de forma bastante simples. Com o laser esta variação é muito mais difícil, havendo ainda uma dificuldade para a obtenção de fluxo de ultravioleta. Variando a energia, conseguimos encontrar uma classe de efeitos que chamamos de mínimos, que revela efeitos fundamentais, relativísticos e de interação entre elétrons”, afirma o professor Arnaldo Naves de Brito, coordenador do projeto no LNLS.
Segundo Flávio Cruz, a expectativa do grupo é de que o artigo cause impacto considerável. “Talvez ocorra uma mudança de paradigma, com muitos pesquisadores sendo atraídos para realizar experimentos à nossa maneira: produzindo átomos frios, fotionizando e detectando os íons em lugar dos elétrons ultra-rápidos, e recorrendo ao síncrotron para o mapeamento angular preciso. Por ser um experimento de física básica, este conhecimento afetará outras áreas experimentais e teóricas. Por exemplo, há a possibilidade de também produzir moléculas ultrafrias com lasers, o que seria de muito interesse para a química ”, afirma.
A técnica de laser para resfriamento e aprisionamento de átomos foi sugerida pela primeira vez em 1975, tendo ocorrido uma demonstração prática três anos depois. As pesquisas se intensificaram a partir dos anos 1980, o que culminou com dois prêmios Nobel de Física, em 1997 e 2001. “Experimentos sofisticados na Alemanha utilizam jatos supersônicos como forma de resfriar os átomos, mas o laser permite uma redução mil vezes menor na agitação térmica. Isso significa que se trata de um método mil vezes melhor de extrair informações do átomo”, compara Brito.
A introdução dos átomos frios causou profundo impacto em várias áreas da ciência. Entretanto, somente 30 anos depois do anúncio da técnica com laser, realiza-se o primeiro experimento ligando a fotoionização de átomos frios com a luz síncrotron. Na opinião de ambos os pesquisadores, nunca se fez este experimento porque ninguém havia pensado nisso, e também porque não se trata de uma pesquisa trivial.
Assinam o artigo para a Physical Review Letters: Lúcia Helena Coutinho, Reinaldo Luís Cavasso-Filho, Túlio Rocha, David Figueira, Gustavo Homem, Paulo de Tarso Fonseca, Flávio Caldas da Cruz e Arnaldo Naves de Brito.
O professor Flávio Caldas da Cruz, do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW, afirma que o experimento utilizando a luz síncrotron na fotoionização de átomos frios foi muito especial, também, porque havia um alto risco de que não funcionasse. Ele explica que a pesquisa envolvia três aspectos delicados: a produção de átomos frios de césio, elemento que eles ainda não tinham aprisionado na Unicamp; a detecção dos íons com um aparelho construído no próprio LNLS, que funcionou muito bem; e a necessidade de um modo especial de operação do anel de luz síncrotron, que nunca fora utilizado, havendo apenas quatro ou cinco laboratórios no mundo capazes de fazê-lo.
“Neste modo especial, circula pelo anel circula uma corrente elétrica formada por um pacote de elétrons. Esse pacote produz luz ultravioleta que é emitida a cada 311 nanosegundos (1 nanosegundo equivale a 1 milésimo de milionésimo de segundo. Isto é o que fornece o timing para fazermos as medidas. Para o experimento precisávamos de apenas este pacote, a fim de que os pulsos de luz ficassem mais espaçados, afirma Naves de Brito. “Considerando a complexidade do experimento, felizmente houve uma espécie de antilei de Murf: tudo deu certo, quando muita coisa poderia dar errado”, brinca Flávio Cruz.
O professor Arnaldo Naves de Brito observa que o experimento consumiu pouquíssimos recursos, recorrendo basicamente à infra-estrutura do LNLS e do Instituto de Física. “Um financiamento exigiria uma espera de pelo menos dois anos, caso convencêssemos a agência sobre a viabilidade de uma idéia que nunca foi testada no exterior. Prevaleceria a mentalidade conservadora, ninguém destinaria 300 mil dólares para algo excessivamente inovador e arriscado”, prevê o pesquisador do LNLS.
Dessa forma, na parte de instrumentação, com exceção dos espelhos e outros dispositivos já padronizados (vários deles emprestados), todos os equipamentos especiais para medidas foram construídos pelos próprios pesquisadores. “Era preciso dar o primeiro passo. Um mérito doprojeto foi unir diferentes áreas para fazer com que um único experimento funcionasse. A união de esforços é uma condição muito importante para que projetos mais sofisticados possam ter sucesso em nosso país. Esta cooperação é um diferencial até para países mais ricos, diz Naves de Brito. “Agora, muita gente lá fora poderá pedir financiamento com o aval do nosso trabalho”, ironiza Flávio Cruz.
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