“O percentual de deficiências visuais causadas pela catarata em Campinas coincidiu com a incidência média da doença na maior parte dos países”, explica Arieta. Segundo ele, a doença responde por uma margem que vai de 40% a 60% dos casos de cegueira no mundo. O levantamento feito em Campinas é o primeiro do gênero na América Latina. Os dados, segundo o médico, podem ajudar na formulação de políticas públicas voltadas para o combate à cegueira.
A pesquisa também revelou que a falta de informação e de oportunidade estão entre as principais causas da cegueira decorrente da catarata. Em aproximadamente 17% dos casos estudados, os portadores ignoravam possuir a doença. Outros 17% sabiam de sua existência, porém, por conselho médico, resolveram esperar mais tempo para tratá-la. Já 11% alegaram não ter tratado da doença por medo da cirurgia, enquanto 5% tiveram dificuldade em encontrar um acompanhante para a realização da operação. Outros 40% disseram ter algum problema secundário que impedia a realização do tratamento.
Caracterizada pela opacidade do cristalino (lente situada no interior do olho), a catarata pode ser congênita (rara) ou adquirida. “É uma doença tratável”, destaca Arieta. “Mesmo que o paciente esteja cego, com a cirurgia ele pode voltar a enxergar normalmente”, garante. As cataratas congênitas são aquelas que aparecem nas crianças e podem ser hereditárias (em até 20%) ou por infecções (rubéola, durante a gestação, é a causa mais freqüente) ou ainda por desordens metabólicas (diabetes). As cataratas adquiridas podem ter como causa a idade (é a mais comum é aparece com 60 ou mais anos e é chamada de “catarata senil”); o trauma; o uso de determinados medicamentos, como os que possuem corticóides; as inflamações intra-oculares; as radiações e diversas doenças das quais a diabetes é a mais freqüente.
A pesquisa revelou, ainda, que a taxa de cobertura no tratamento à catarata em Campinas chega a 88%. “É um dado extremamente importante”, observa Arieta. Esse número, segundo o médico, evidencia um salto significativo. Em 1986, quando o oftalmologista Newton Kara José, também da Unicamp, começou o Projeto Zona Livre de Catarata, no Núcleo Bandeirantes, em Campinas, com 100 mil habitantes e 25 mil residências, a cobertura não passava de 40%. Outro dado importante apontado pela pesquisa é que das pessoas já operadas, 52% fizeram através do SUS, sem custo algum, enquanto 21% pagaram o custo total e 26% pagaram custo parcial. Além disso, 72% das pessoas operadas tiveram recuperação bastante satisfatória. Foi observado um aumento significativo no número de cirurgias realizadas pelo SUS, de 1999 até 2004. A média anual passou de 90 mil para 320 mil cirurgias anuais.
A metodologia adotada para a realização da pesquisa foi recomendada pela Agência Internacional de Prevenção à Cegueira e pela Organização Mundial de Saúde. Houve um treinamento prévio da metodologia com a presença do criador do método, Dr. Hans Limburg. Para estudar a importância da catarata na incidência da cegueira no mundo, desenvolveu-se um modelo de estudo chamado RACSS (Rapid Assessment Catarata Surgical Sevice), ou seja, uma avaliação rápida dos serviços de cirurgia em catarata, que verifica em uma determinada área o quanto existe de cegueira por catarata e a oferta de tratamento. Esse modelo foi adotado pela OMS para estabelecer programas e prioridades em oftalmologia e em catarata. Os dados obtidos em Campinas, segundo Arieta, permitem formar uma estimativa de prevalência, um dado que na medicina, de uma maneira geral, é praticamente inexistente no país.
Entrevistas A cidade de Campinas foi dividida em setores baseados no último censo do IBGE, no ano 2000, num total de 1.350 segmentos. Um grupo de 16 oftalmologistas, entre residentes e professores, além de um grande número de agentes comunitários de saúde da prefeitura de Campinas, participaram da coleta de informações. Mediante sorteio, foram selecionados 60 setores. Em cada um deles foram entrevistas pelo menos 40 pessoas com 50 anos ou mais. A idade é justificada pelo fato de a doença se manifestar mais comumente em pessoas dessa faixa etária. O objetivo era encontrar 2.400 mil moradores, uma vez que a estimativa de pessoas na faixa etária da pesquisa é de 174 mil, com uma taxa estimada de cegueira inferior a 5%. No total, porém, foram examinados 2.224 indivíduos, ou seja, aproximadamente 93% do universo estabelecido, o que, segundo Arieta, é um número altamente satisfatório para uma pesquisa de base populacional.
As estimativas apontam para cerca de 50 milhões de pessoas cegas no mundo e outros 135 milhões chamados de deficientes visuais, classificação que varia de nível e de intensidade. Existe uma expectativa de que até o ano 2020, se nenhuma ação for realizada, o número de pessoas cegas subirá para 75 milhões. Por essa razão, profissionais da área de economia em saúde alertam para que, nos próximos vinte anos, haverá uma perda de recursos da ordem de US$ 150 bilhões em função da cegueira, uma vez que a doença causa um impacto econômico não apenas em seu portador, mas também na família e na sociedade.
Além da preocupação natural com o indivíduo, o fator econômico é um elemento de apoio para os planejadores de saúde, que possuem a responsabilidade de direcionar mais ou menos recursos para determinadas áreas. Pensando nisso a Agência Internacional de Prevenção à Cegueira, uma organização não-governamental surgida a partir da iniciativa de várias outras ONGs, e também da Organização Mundial da Saúde (OMS), montou um programa intitulado “2020 O direito à visão”, que tem como objetivo chegar ao ano 2020 sem pessoas cegas por motivos previníveis ou tratáveis. Para tanto, elencou nesse programa algumas prioridades relacionadas às doenças prevalentes na causa da cegueira no mundo.
As causas podem variar de acordo com as regiões. Na África, por exemplo, segundo Arieta, ainda é importante tratar e prevenir cegueira por tracoma, que é uma doença que na América Latina praticamente não existe. Também é importante citar a oncocecose ou “doença do rio”, provocada pela picada de um mosquito transmissor de um micróbio que atinge o olho.
Na América Latina, as doenças escolhidas como prioridade são a catarata, a cegueira infantil, a correção de erros de refração e a retinopatia diabética. No caso da catarata, segundo Arieta, a estratégia é aumentar o número de cirurgias oferecidas à população. Com relação à cegueira infantil, existem duas doenças importantes: a retinopatia da prematuridade, relacionada ao nascimento prematuro de crianças, geralmente com peso abaixo de 1,5 quilo; e a catarata congênita adquirida pela criança durante a gestação. A falta de óculos, ou seja, a correção de erros de refração, é uma causa mundial importante de deficiência visual. “É um problema que pode ser corrigido com um simples par de óculos”, alerta o médico. Outra prioridade, segundo ele, é a retinopatia diabética, uma doença do fundo do olho que decorre da falta do tratamento adequado do diabetes. A patologia pode levar a uma cegueira muito difícil de ser tratada.
O levantamento realizado em Campinas, segundo Arieta, confirma a importância dos estudos anteriores e dos projetos que mostraram a necessidade de políticas públicas adequadas ao combate da cegueira. Essa mudança é tão importante que é reconhecida nos encontros realizados sobre prevenção de cegueira. Arieta participou recentemente de um encontro da Agência Internacional de Prevenção à Cegueira, em Dubai, nos Emirados Árabes, onde o Brasil foi apontado como exemplo na diminuição da cegueira no mundo. Ele cita ainda o importante papel desempenhado pela Unicamp nesse processo e afirma que Campinas é uma referência nacional, na América Latina como exemplo de mudança. Os resultados estão sendo encaminhados para publicação em revista científica, bem como para a OMS.