Ezequiel conta que o primeiro curso foi oferecido de forma intensiva, com carga horária de 40 horas, distribuídas em oito horas diárias durante cinco dias, ininterruptamente. A partir dessa experiência, os demais cursos se estenderam pelo segundo semestre, também em módulos de 40 horas. O coordenador explica que as primeiras experiências foram fundamentais no sentido de realizar uma melhor distribuição do cronograma ao longo do ano. A partir de maio de 2005, as novas turmas passaram a ter aulas aos sábados, com ou sem intervalos. Ele explica que há, também, um processo de continuidade os cursos podem aprofundar determinados temas que foram tratados no semestre anterior. “Existem turmas que já estão no terceiro aprofundamento”, comenta.
Aprovação Segundo Ezequiel, a verificação da aprovação do curso junto aos professores é realizada por meio de um questionário que é aplicado pelo Grupo Gestor de Projetos Educacionais (GGPE), um núcleo formado pela atual reitoria, ligado ao Gabinete do Reitor. O resultado obtido no ano passado foi talvez o mais alto entre os cursos da Unicamp, com 98% de aprovação. A cada 40 horas, quando se perfaz um módulo, é aplicado um questionário em processo para saber se os conteúdos são relevantes, se estão sendo extrapolados e aplicados na prática. “Pela voz dos professores há um aproveitamento muito bom. Os conteúdos são passíveis e possíveis de serem aplicados na prática de sala de aula”, ressalta.
O curso, segundo o coordenador, possui um diferencial muito importante, já que ele não pensa apenas nas práticas de leitura e escrita na escola, mas também na pessoa do professor como um todo. “Pensamos no emocional, na auto-estima e no professor enquanto um ser humano certamente vivendo circunstâncias de trabalho que não são as melhores”, esclarece. Os índices de abandono do magistério, segundo Ezequiel, são altíssimos. Há, segundo o docente, uma insatisfação com uma série de circunstâncias em função da dívida social que o governo tem com relação à educação e, portanto, ele parte da hipótese de que esse professor tem que ser cuidado não apenas na sua parte operacional, mas também como um todo. As atividades de leitura não se restringem à leitura do texto impresso, do texto escrito, mas da leitura do “eu” do professor, de sua identidade, de sua história, do profissional enquanto um sujeito realmente importante, merecedor de respeito, carinho e atenção.
Na questão da avaliação daquilo que é levado para a prática, o professor estima que os resultados estarão disponíveis em médio prazo e nunca em curto prazo. “Não é possível dar a receita para ele ensinar e aplicar aos alunos, embora muitos venham com essa mentalidade. É preciso então eliminar a ideologia do tecnicismo para que o professor possa tomar decisões que não cabem à universidade, conferindo a ele uma autonomia”. Para isso, são fornecidos subsídios através de oficinas práticas, de 16 horas/aula cada uma. O curso possui um volume de informações teóricas, mas é sempre pensado em termos de situações-problema, em vivências, em oficinas participativas de modo que o professor veja a prática e pense a sua teoria, possibilitando a tomada de decisões para a sua aplicação na escola.
Universidade-escola Ezequiel não tem dúvidas quanto aos benefícios da aproximação da universidade com os professores. “As universidades hoje estão sendo freqüentemente chamadas a pensar a melhoria da qualidade do ensino. O professor que atualmente está na rede tem, de forma geral, uma formação básica precária”. De acordo com ele, muitos vêm de empresas do ensino, freqüentando cursos de pedagogia rápidos. Muitas vezes não existe um trabalho produtivo promovido pelas universidades públicas entre os problemas reais de sala de aula e aquilo que vem sendo refletido pela própria universidade. “A universidade pública possui atividades de ensino, pesquisa e extensão, com serviços à comunidade, e não há como negar que, em termos de quadro de carreira e de acervos de biblioteca, isso a coloca em uma situação um pouco mais privilegiada do que muitas escolas de ensino fundamental e médio”. Para o docente, não há como negar também que a Unicamp possui uma imagem fortíssima no Brasil, na América Latina e até em contextos internacionais. “O fato de o professor encontrar um assento na universidade, vir para cá, sentar numa sala de aula da Unicamp, respirar essa atmosfera e ter aula com um docente da Unicamp, gera um entusiasmo muito forte, até mesmo para dar prosseguimento aos estudos de pós-graduação”, analisa.
O coordenador do curso diz ser perceptível que essa interação é muito produtiva, porque mexe com emocional e com o intelectual do professor. Além disso, segundo ele, existe uma coisa importante e interessante que está sendo desenvolvida, que não é só oferecer aos professores a oportunidade das aulas, dos trabalhos e das unidades de ensino, mas também disponibilizar a biblioteca. “Conseguimos, através de uma gestão junto à direção da FE, que a biblioteca também servisse a mais de 800 professores participantes do Ler para Aprender. Serão feitas, também, visitas orientadas. A biblioteca da FE está muito empenhada, quer servir o professor. Há, inclusive, interesse em abrir o espaço para os professores das escolas da rede pública”, disse.
No ano passado, em uma experiência interessante, foram oferecidos dois espetáculos artísticos aos professores. Um musical com um grupo de clarinetes, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp e um outro espetáculo com um grupo de teatro de rua de tradições brasileiras, além de uma feira do livro. “Isso permitiu que a corrida pela aula do sábado fosse ampliada, de certa maneira, com uma visão de universidade que produz outras coisas, além de aula”, comemora. Esse interesse deve permanecer nesse ano quando serão realizados concertos musicais, dois espetáculos a céu aberto e uma feira do livro, para que esses professores respirem essa atmosfera cultural enquanto estiverem aqui. Essa participação, de acordo com Ezequiel, revitaliza o desejo de estudar desses professores, que, muitas vezes, nas circunstâncias em que vivem, não tem um estímulo necessário para revitalizar-se enquanto aprendiz permanente.
Importância da leitura Ezequiel reafirma que está mais do que convencido que a leitura da palavra escrita e impressa, veiculada pelo jornal, pelo livro, pela boa literatura e pelo artigo científico, qualifica melhor as ações das pessoas na vida em sociedade. “Eu acho que as ações amparadas, suportadas, fundamentadas em leituras críticas e conscientes, são capazes de disparar ações, atos, práticas, competências e habilidades mais conseqüentes, socialmente falando”, disse. Ele restringiu sua afirmação para a palavra escrita porque ela ainda é, segundo ele, a grande carreadora que faz circular o conhecimento na sociedade. “Considero que a leitura da palavra escrita impõe um modo de construir pensamento que é um pouco diferente das demais leituras que possam ser feitas, como a leitura dos gestos, das formas, das cores e do silêncio. E daí eu vejo, por esse ângulo, algumas causas de termos uma sociedade com 14 milhões de analfabetos”, lamenta.
O Brasil, segundo Ezequiel, possui uma população fundamentalmente televisiva que vive, em certos lugares, no limite da oralidade. Ele considera que ler criticamente é um ato perigoso para o poder. Um país de leitores, um país mais crítico, não enfrentaria as situações políticas e públicas que ocorrem hoje no Brasil, de acordo com o coordenador. “O cidadão participativo e consciente precisa tomar decisões, precisar agir ou reagir. Todos esses, antes de disparados, se forem qualificados, sustentados e amparados por leituras conscientes, significativas e críticas, tornam o cidadão menos manipulável”, compara.
Outro ponto levantado por Ezequiel é que atualmente existe uma avalanche muito forte de informações. Com a chegada da internet, e a conseqüente e necessária volta da escrita, ocorreu uma enxurrada de informações. Portanto, as competências de leitura são chamadas ainda mais para critérios de seletividade e critérios de criticidade.
Ezequiel revela que existe uma equipe de 30 professores, entre doutorandos e professores da FE, trabalhando nessa proposta, estimulando vivências práticas de leitura e escrita aos professores para que eles consigam refletir criticamente sobre essas práticas e verificar o seu potencial de aplicação. “Os professores têm uma responsabilidade social que é ensinar a ler”.
Tem sido proposta uma diversificação das finalidades dos propósitos para leituras e, ao mesmo tempo, procurado incrementar determinadas competências que são próprias das práticas de leituras, como, por exemplo, usar um computador ou uma biblioteca. “Estamos colocando no horizonte esse leitor mais maduro, mais eclético, que pode reencontrar muitas vezes até o gosto pela leitura que ele perdeu nessa caminhada”, finaliza.