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ARTIGO

Transcendência, cor e fantasia nas telas musicais de Geny Marcondes


MARIA LÚCIA PASCOAL
IRACELE LIVERO

A compositora e artista plástica Geny Marcondes, que esteve na Unicamp no último dia 27 de setembro, na abertura da exposição que reúne obras de sua autoria (abaixo) (Foto: Antonio Scarpinetti) O hall de entrada da Biblioteca Central da Unicamp abriga, até o próximo 19 de outubro, a mostra Órficas, exposição que reúne pinturas a óleo, desenhos e aquarelas de Geny Marcondes, uma das mais importantes artistas brasileiras do século XX.

Geny, nos seus 89 anos de vida, se expressou de várias maneiras. Pianista e compositora com atuação na música para crianças, trilhas sonoras para teatro e cinema, além de arranjos orquestrais para gravações, teve também expressiva atividade no ensino musical. Aos 60 anos, passou também a se dedicar às artes plásticas, realizando um trabalho original, centrado na música.

Música Viva – Nos anos 40, a inquietação e a procura de horizontes maiores levaram Geny a sair de Taubaté (SP) e ir estudar piano em São Paulo, onde se formou no Conservatório Dramático e Musical. Mas ainda era pouco. Queria se aventurar na composição e ampliar sua cultura musical. Foi então que conheceu Hans Joachin Koellreutter, músico, compositor e professor recém-chegado da Alemanha, que começava em São Paulo um trabalho já iniciado no Rio de Janeiro e viria a ser reconhecido como inovador pelas informações que trazia e pelas novas técnicas de ensino de música. Suas aulas e conferências eram polêmicas, reunindo jovens interessados em mudanças num ambiente musical considerado provinciano.

Geny passou a fazer parte do recém-lançado Movimento “Música Viva”, que Koellreuter formou ao lado de jovens compositores, intérpretes, musicólogos e professores. Entre as propostas desse movimento expressas em documentos e manifestos, estavam, entre outras, cultivar a música contemporânea de todas as tendências, considerada como a expressão da época; promover uma educação musical ampla, revendo conceitos e posições doutrinárias; e lutar pela liberdade e pela criação de formas novas na música brasileira.

Os integrantes do “Música Viva” promoveram concertos pelo Brasil, apresentando obras em primeiras audições, atuaram na formação de músicos e de público, divulgaram suas idéias em artigos e boletins, publicaram composições e ainda apresentaram um programa semanal na Rádio Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, divulgando um repertório pouco conhecido de música de várias épocas, além de primeiras audições de criações dos compositores participantes e muita música do século XX. Tudo isso representou uma nova dinâmica na vida musical, movimentando-a em direção à modernidade e apontando para o desenvolvimento de novos tempos.

Ao lado de Claudio Santoro, Edino Krieger, Ester Scliar, Eunice Katunda e Guerra Peixe, Geny Marcondes participou ativamente, como compositora e pianista, estreando peças nos concertos nos teatros e no rádio, escrevendo artigos e organizando cursos de música. Viveu um momento instigante na história da música no Brasil, apesar de até hoje pouco conhecido e divulgado. Em 1948, o engajamento no Movimento Música Viva levou Geny e vários colegas à Europa, para cursos no Centro Internazionale di Musica Contemporanea em Milão e para participar do XI Festival Internacional de Música Contemporânea da Bienal de Veneza, quando Koellreutter atuou como assistente de seu ex-professor, o regente Hermann Scherchen.

Nessa ocasião, ela se apresentou como pianista e trabalhou também como correspondente do jornal Diário de São Paulo, fazendo a cobertura da Bienal de Veneza, enviando ao Brasil notícias musicais da Europa. Toda a atividade do Movimento Música Viva se realizou de 1939 a 1950.

Geny recordou tudo isso na visita que fez à Unicamp no último dia 27 de setembro. A artista estava bastante sensibilizada, pois Koellreutter, com quem fora casada, falecera em 13 de setembro último. Lembrou os cursos de música que seu antigo mestre formou e fundou, por onde passaram várias gerações de músicos brasileiros: Escola Livre de Música de São Paulo, Pró-Arte do Rio de Janeiro, Cursos de Férias de Teresópolis, entre outros. Koellreutter organizava inúmeros seminários de Seminários de Música, sobretudo na Universidade Federal da Bahia, e chegou a participar dos debates iniciais para a formação do Instituto de Artes da Unicamp.

Composições – Entre as composições de Geny Marcondes está a opereta infantil No reino das águas claras, sobre texto de Monteiro Lobato. A partitura para piano desta opereta inclui partes cantadas com versos simples, em trovas. Na ocasião, quando a autora exibe a obra, Lobato se diz satisfeito. Assim como a personagem lobatiana Emília, Geny sempre foi bastante “inventadeira”. Desde criança criava espetáculos musicados, apresentados com figurinos de papel, tendo como espectadores a família e os vizinhos.

Mas é no Rio de Janeiro que desenvolve sua carreira de compositora para teatro, através de pequenas operetas e esquetes musicados para o programa dedicado às crianças que dirigiu diariamente na Radio MEC, por várias décadas. Com os contatos que foi fazendo, surgiram convites para compor peças para teatro, o que lhe garantiu sucesso e muito trabalho, a ponto de se ver atrapalhada com dois espetáculos estreando numa mesma noite.

Foi autora de arranjos de A Banda, de Chico Buarque, para o histórico Festival da TV Record de 1966, e do LP Canto de Liberdade, de Nara Leão, entre tantos outros. Um reconhecimento foi o convite para ser diretora musical no Teatro Opinião, no show que marcou a estréia de Maria Bethânia. Considera que o entrosamento artístico, a afinidade política, a filosofia de trabalho comunitário e a liberdade crítica exercida pelo grupo Opinião formaram um alicerce para a sua produção artística.

Artes plásticas – Quando se voltou às artes plásticas, Geny Marcondes partiu de composições musicais para se expressar em desenhos, óleos e aquarelas. Assim, os sons do Concerto Italiano, da Arte da Fuga ou de um Prelúdio de Bach, se transformam em formas coloridas e abstratas, sensivelmente distribuídas. A música contemporânea está contemplada, a partir de peças de Jorge Antunes, Linderbergue Cardoso, Ernst Widmer e, não poderia faltar, de Koellreutter.

Sobre sua obra, Geny fala especialmente de Acronon – trabalho com base na composição de Koellreutter cujo título deriva do grego, em que “cronos” significa tempo e o “a”, alfa privativo, que não nega, mas dá margem à superação, à transcendência. Em relato, a artista declara que ao receber a partitura das mãos do próprio Koellreutter, realizou-a em três diferentes partes: A, B e A+B. Como nunca havia ouvido a peça – uma música sem tempo, feita dentro de uma esfera transparente, em que o intérprete toca olhando um gráfico – Geny diz que imaginou os sons, como uma espécie de viagem musical.

Foi premiada em exposição realizada no Rio de Janeiro, na Universidade Cândido Mendes, sobre tema dedicado a dois compositores brasileiros: Ernst Widmer – com a peça Quasar e Linderbergue Cardoso com Captações. Durante a exposição da artista, ouvia-se a gravação das referidas peças.

Na Unicamp – Em 2004, iniciamos um trabalho de pesquisa envolvendo o Movimento Música Viva. Foi então que através do amigo, colega e pesquisador Carlos Kater, fizemos o contato pessoal como Geny, memória viva daquele Movimento. Uma visita à casa de Geny em Taubaté, nos deixou encantadas com a beleza e a originalidade de seu trabalho, firmando então um relacionamento. A vontade de compartilhar com as pessoas essa descoberta, nos levou a procurar a Galeria de Arte do Instituto de Artes, que se encarregou da infra-estrutura e da organização da exposição na Unicamp.

A vida desta compositora, pianista, professora e artista plástica é repleta de belas histórias. Conversar com Geny Marcondes, conhecer seu trabalho e desfrutar de sua sabedoria é um privilégio para todos nós que fomos cativados com sua paixão e dedicação à arte. A exposição Órficas realizada na Unicamp é uma homenagem a esta querida e encantadora mestra.

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Maria Lúcia Pascoal é professora do Instituto de Artes da Unicamp;
Iracele Livero tem como projeto de doutorado em Música, no Instituto de Artes da Unicamp, estudar e analisar a criação pianística de Eunice Katunda, uma das ativas participantes do Movimento Música Viva ao lado de Geny Marcondes

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