Alberto Jakob é autor de um estudo sobre a formação do espaço urbano da Região Metropolitana da Baixada Santista, que valeu como tese de doutorado defendida junto ao Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, sob orientação do professor José Marcos Pinto da Cunha. Agora, ele retoma a pesquisa sócio-demográfica no litoral como integrante da equipe do Nepo escalada para o projeto “Vulnerabilidade”, previsto para durar quatro anos, com financiamento da Fapesp. “O preço do solo em Santos ficou muito caro. O jovem que vive na casa dos pais, quando se casa para constituir família, não encontra imóveis ao redor e vai morar em áreas periféricas, como São Vicente ou municípios ao sul”, explica.
O primeiro produto deste projeto na RMBS é um atlas, que traz em um dos mapas o índice de envelhecimento da população. Coordenador do Nepo e do projeto, o professor José Marcos Pinto da Cunha afirma que as pessoas idosas estão concentradas ao longo da orla litorânea, as áreas mais consolidadas (praticamente sem solo desocupado) e mais valorizadas do chamado núcleo duro da região: Santos e São Vicente. É um padrão que se repete, com outros níveis de concentração, nas orlas dos outros municípios como Guarujá, Praia Grande, Itanhaém, Mongaguá e Peruíbe.
Uma das peculiaridades da região é o grande número de residências de veraneio, que ficam desocupadas ao longo do ano e que também influem bastante para a valorização do solo. Casa de veraneio, porém, é conforto para quem pode e o poder aquisitivo está associado ao ciclo vital. “É interessante ver no mapa a mancha vermelha que representa a faixa de mais alta renda da população. Vemos claramente um processo de funil, demograficamente denso na parte insular de Santos, e que vai afinando para o sul. Também é interessante notar que, em Santos, é preciso caminhar sete ou oito quadras em direção ao pé da serra até encontrar as primeiras casas mais modestas; em Mongaguá, os pobres estão a apenas três ou quatro quadras, mas é uma questão de tempo para que esta população fique mais longe do mar”, observa o professor.
Vulneráveis José Marcos Cunha lembra que o projeto “Vulnerabilidade”, reunindo cerca de 40 pesquisadores entre professores e bolsistas, está completando um ano e ganhou esse nome porque, mais à frente, se pretende analisar a capacidade que o cidadão tem de responder aos vários riscos que lhe são impostos em áreas metropolitanas. “Os riscos que a pessoa corre não dependem apenas de sua renda, dos bens e da habilitação que possui elementos que tradicionalmente medem o risco mais genérico da pobreza , mas também da rede social, das relações que ela pode pôr em funcionamento para conseguir oportunidades”, resume o pesquisador.
Neste primeiro ano, o projeto já produziu o atlas da região de Campinas (Jornal da Unicamp, edição 259) e agora de Santos, dois centros escolhidos justamente porque passam pelo momento da metropolização. “São duas regiões emergentes, com recursos ainda manejáveis e com um número de habitantes que permite buscar alternativas para os seus problemas. O atlas é um primeiro olhar sobre dados que estavam mais à mão, que são as informações do censo demográfico, dentro de uma perspectiva temporal, abordando um período de vinte anos (1980-2000). É uma leitura ainda superficial da região, mas que já permite enxergar algumas de suas características e, particularmente, a evolução e distribuição espacial desses fenômenos. O próximo passo será uma pesquisa de campo para aprofundar os estudos”, explica Cunha.
O atlas traz basicamente três dimensões: demográfica, socioeconômica e de infra-estrutura (mais relacionada ao aspecto domiciliar, como habitação, água e esgoto). O coordenador do Nepo esclarece que a nebulosidade constante na região impediu boas imagens de satélite, obrigando ao uso dos “setores censitários” urbanos (unidade de informações assim denominada pelo IBGE), em vez da mancha urbana que se conseguiu captar em Campinas. Outro detalhe é que o atlas oferece duas perspectivas, sendo uma específica do município, mostrando, por exemplo, que Peruíbe, Cubatão e Guarujá têm muitos domicílios sem rede de esgoto ou fossa asséptica. “É um olhar tradicional, importante para um prefeito planejar sua gestão. O olhar que nos interessa, no entanto, é sobre a mancha urbana, que reflete as contigüidades dos processos demográfico, socioeconômico e de infra-estrutura”, diz o professor.
Migração Os mapas da dinâmica metropolitana indicam movimentos migratórios importantes, principalmente da população pobre, do chamado núcleo duro formado por Santos e São Vicente para áreas periféricas, e em direção a Praia Grande e Guarujá (e menos para Cubatão). “Note-se que essas duas cidades também possuem uma periferia expressiva, como o bairro Vicente de Carvalho, que nada tem do glamour da área nobre do Guarujá”, ressalva José Marcos da Cunha. Ao mesmo tempo, nota-se um movimento pendular, envolvendo pessoas que exercem suas atividades fora de seus municípios de residência, que é praticamente uma contrapartida do movimento migratório. “Morar perto do trabalho está ficando inviável. Há um descompasso entre a concentração da população e a concentração da atividade econômica”, observa.
O professor vê nesses movimentos um dos elementos que constituem o processo de metropolização, com uma integração funcional intensa das áreas dos municípios e que pouco tem a ver com as divisões administrativas. “Não é possível olhar o município como se houvessem cercas rígidas que as pessoas não possam pular. O cidadão é metropolitano e sua relação não se dá necessariamente com a cidade, mas sim com a região. Pensar a região metropolitana como um todo é a profissão de fé no nosso projeto”, afirma.
Ambiente Nas próximas fases do projeto “Vulnerabilidade” será investigado também o impacto ambiental na região, cuja formação geográfica tendo de um lado o oceano e de outro um paredão formado pelas serras do Mar e da Juréia impede que as cidades se espraiem. Um cenário que impressiona o professor José Marcos da Cunha é dos bairros-cota. “Aquelas pessoas estão penduradas na serra”, surpreende-se. Segundo o pesquisador Alberto Jakob, aqueles bairros foram construídos para abrigar grandes agrupamentos de operários contratados para a construção da Via Anchieta. “O termo cota está relacionado com a altitude em relação ao nível do mar. Como a infra-estrutura estava pronta, muitos trabalhadores foram ficando e outras famílias foram chegando”, recorda.
Outro problema preocupante é o lixo, tendo havido um episódio recente em um dos municípios, que não possui áreas para novos aterros sanitários. “Tentou-se um terreno em Cubatão, cujos vereadores protestaram. Na falta de uma solução metropolitana, o jeito foi subir a serra com o lixo para depositá-lo em Mauá. Deve ser o lixo mais caro do país”, supõe o coordenador do Nepo.
A Baixada vista de cima
As taxas de crescimento populacional dos municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista apresentaram queda continuada entre 1980 e 2000. A região, que crescia 3,9% ao ano na década de 70, reduziu o ritmo para 2,1%. Santos apresenta um crescimento populacional praticamente nulo nos anos 90, refletindo uma redistribuição por meio da migração intrametropolitana, visto que Mongaguá, Peruíbe, Itanhaém e Praia Grande, em período mais recente, apresentam uma média acima de 5%.
Na década de 90, há uma intensificação da presença de população de mais alta renda ao longo de toda a extensão da orla marítima da RMBS. O impacto é uma ocupação retilínea de uma pequena parcela do território para o sul e para o norte, que a partir da grande concentração representada pelo núcleo Santos/São Vicente progressivamente vai se afunilando até chegar a um novo centro urbano de menor porte.
Em 1980 a proporção de domicílios com renda familiar per capita maior que 10 salários mínimos sequer atinge 5% do total em todos os municípios da RMBS. A melhor situação é a de Santos, onde este percentual cresce expressivamente ao longo do tempo, passando de 4,5% em 1980 para 8,2% em 2000, enquanto que a média da região passa de 2,8% para 3,9%.
Na década de 90 houve uma elevação generalizada da proporção de chefes de família sem rendimentos, indicando um empobrecimento geral da população. A situação piora na medida em que se desloca a análise para os municípios fora do eixo Santos/Vicente, em especial em Peruíbe, Mongaguá e Itanhaém. Em Santos, esta proporção passou de 2,7% em 1980 para 5,9% em 2000; em Mongaguá, de 1,4% para 17,8%.
Na RMBS, o volume da “mobilidade pendular” da população economicamente ativa (PEA) ocupada, ou seja, o movimento de trabalhadores que exercem regularmente suas atividades em um município diferente daquele em que residem, chegou a quase 80 mil pessoas em 1980 e superou 95 mil em 2000.
A proporção de cômodos utilizados como residência aumentou de maneira geral nos setores censitários no período 1991-2000, fato que aponta para certa deterioração das condições de vida, sobretudo nos maiores centros da RMBS. Os aumentos mais significativos ocorreram em Mongaguá e Guarujá.
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