| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 306 - 17 a 23 de outubro de 2005
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A sustentabilidade exige
uma mudança de paradigmas

Seca atinge o rio Amazonas no município de Urucurituba: isolamento de comunidades ribeirinhas e estado de calamidade pública (Foto: Euzivaldo Queiroz/A Crítica)JU – Existe comprovação científica de que os chamados fenômenos extremos estão mais freqüentes hoje? Quais seriam os seus efeitos mais imediatos? Eles são irreversíveis? Se sim, o que fazer para conviver com eles e/ou minimizar seus impactos?

Carlos Alfredo Joly – Há um conjunto de evidências que aponta nesta direção, mas somente os climatologistas podem responder esta pergunta com exatidão. Fenômenos brasileiros como o furacão Catarina e a intensa seca que a região amazônica vive hoje, podem fazer parte de um conjunto de ocorrências extraordinárias sem vinculação com o aquecimento global. Mas quando olhamos o que está acontecendo em outras regiões do globo vemos que o número de “desastres naturais” subiu de 260 em 1990 para 337 em 2003, e o número de pessoas atingidas por estes desastres cresceu exponencialmente.

Este crescimento pode ser uma decorrência da concentração cada vez maior de pessoas em áreas urbanas sem a infra-estrutura adequada (favelas, zonas de risco de deslizamento, áreas sujeitas a inundações, etc...). Tsunamis, terremotos e erupções vulcânicas provavelmente estão muito mais relacionados à tectônica de placas do que a mudanças climáticas, mas a onda de seca e calor que assolou a Europa em 2003 e o aumento na intensidade e freqüência de furações no Estados Unidos sem dúvida estão relacionadas com o aquecimento global.

Carlos Nobre – Nos encontramos no limiar de demonstrar que os fenômenos climáticos extremos está se tornando mais freqüentes. A quarta avaliação do IPCC a ser publicada em 2007 muito possivelmente já será mais conclusiva a este respeito. A literatura científica começa a mostrar inúmeros exemplos de aumento da freqüência de extremos, como o de secas severas globalmente, ou de que extremos como a seca no verão europeu de 2003 ou a intensidade de furacões nos últimos 30 anos têm maior probabilidade de serem respostas ao aquecimento global do que decorrentes da variabilidade climática natural de nosso planeta.

O aumento da freqüência de extremos climáticos tem como conseqüência mais imediata a maior incidência de desastres naturais. No Brasil, 85% dos desastres ambientais são causados por fenômenos climáticos e a maneira de lidar com desastres naturais é, por um lado, desenvolver ferramentas de previsão de sua ocorrência e, por outro, implementar políticas públicas para sua prevenção e mitigação de seus efeitos. Novamente, o nosso país corre o risco de ser forte e adversamente afetado por qualquer aumento da freqüência de desastres naturais, em virtude de nossa dificuldade histórica de lidar com a variabilidade natural do clima, com seus extremos.

De modo geral, uma vez que a máquina planetária comece a girar, sua imensa inércia indica que as conseqüências tornam-se praticamente irreversíveis, recomendando, portanto, medidas de adaptação pelo menos àquelas mudanças climáticas que inapelavelmente irão ocorrer.

Luiz Gylvan Meira Filho – O terceiro relatório do IPCC conclui, genericamente, que a freqüência e a intensidade dos fenômenos extremos serão alterados com a mudança do clima.  A comprovação dessa afirmativa no caso de fenômenos específicos, como os furacões, carece ainda de uma série de dados mais longa, o que demandará mais uns cinco ou dez anos.

Hilton Silveira Pinto – Levantamentos feitos no mundo todo revelam um aumento significativo de fenômenos meteorológicos extremos. No Brasil, por exemplo, cresceu muito o número de tornados. Há 10 anos não se falava em tornado no Estado de São Paulo. Neste ano, especificamente, nós tivemos três tornados apenas na região de Campinas; no Estado todo, foram sete. Outro exemplo é o fenômeno Catarina, fato que jamais havia ocorrido ou sido documentado no país.

Os extremos meteorológicos estão sendo conhecidos hoje. Um dos fatores que colaboram para isto é a cobertura da mídia. Temos seca na Amazônia, nos Estados Unidos, no Rio Grande do Sul. No mundo todo, estamos vendo enchentes. Uma enchente na Índia, por exemplo, pode ser causada pelas Monções, mas o fato é que muitos fenômenos extremos estão ocorrendo ao mesmo tempo. É muito coincidência que isto tudo seja obra do acaso.

Pelo menos em termos qualitativos, podemos considerar que está ocorrendo um grande aumento no número de fenômenos extremos. Alguns países vêm tomando medidas, inclusive o Brasil. A eliminação das fontes de emissão de CO2 é um dos primeiros itens que precisa ser considerado. As pastagens maltratadas não têm uma produtividade alta – muitas delas são queimadas irracionalmente. Está havendo uma racionalização de culturas intercaladas com pastagem que pode fazer com que haja um controle um pouco melhor da emissão de CO2 ou, eventualmente, até de metano. São medidas que vêm sendo tomadas – e indicadas – no mundo, inclusive no Brasil. Pelo menos teoricamente, estamos no caminho certo.

JU – As discussões acerca do clima migraram da esfera científica para o centro da agenda política. Em que medida os gabinetes, pouco afeitos a visões sistêmicas, são sensíveis ao problema e podem resolvê-lo e/ou atenuá-lo?

Carlos Alfredo Joly – Creio que o maior problema decorre do lapso de tempo entre causa e conseqüência, que é incompatível com a duração dos mandatos políticos. A questão das mudanças climáticas não pode ser tratada pontualmente e de forma episódica. No Brasil o quadro se agrava pelo fato de não termos uma política científica de médio e longo prazo, como exigem os estudos climáticos e as suas diversas interfaces.

Carlos Nobre – Os sistemas políticos das democracias são muito sensíveis às preocupações das populações e o aquecimento global definitivamente se incorporou à agenda de preocupações de grande parte dos habitantes do planeta. Entretanto, soluções simples e tecnologias “mágicas” inexistem para este grave problema, ainda que as próximas décadas vão testemunhar um gigantesco esforço para desenvolver e implementar tecnologias limpas e para descarbonizar o sistema de produção de energia.

A Convenção-Quadro sobre as Mudanças Climáticas e seu Protocolo de Quioto são demonstrações de um esforço concatenado e global para atacar o problema. Finalmente em fevereiro deste ano, o Protocolo de Quioto entrou em vigor e, mesmo sem os EUA, trará resultados e experiência das bases tecnológicas e institucionais para a redução continuada das emissões. Porém, o grande teste dar-se-á após este primeiro período do Protocolo, após 2012, quando o corte das emissões terá que ser não mais alguns pontos percentuais, mas cortes substanciais, de modo que possamos almejar reduzir as emissões globais acima de 50% em relação aos níveis de 1990 em poucas décadas.

O lado menos resolvido desta complexa questão é que as formas de envolver os países em desenvolvimento efetiva e completamente nos esforços mundiais de redução das emissões estão apenas engatinhando e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo não será suficiente no futuro.

Luiz Gylvan Meira Filho – A contribuição dos cientistas é absolutamente necessária para dar embasamento às decisões científicas.  Um dos grandes desafios da comunidade científica hoje é a elaboração de sínteses do problema que, sem a complexidade necessária de modelos numéricos do clima, mantenha ainda de forma correta qualitativa e quantitativamente o nexo causal entre as ações humanas que geram os gases de efeito estufa (pois é sobre esta esfera que os políticos podem tomar decisões) e os efeitos danosos da mudança do clima (pois é sobre isso que as sociedades reclamam ações dos governos).  

Os gabinetes estão acostumados a tomar decisões em face de problemas complexos.  Mesmo as incertezas quantitativas ainda existentes são facilmente tratadas pelos tomadores de decisão, afeitos a avaliar riscos e levar em conta o chamado fator de aversão ao risco das sociedades que representam.  Repito, ainda falta um esforço de parte dos cientistas para apresentar o problema de forma objetiva e, quando possível, quantificada.

Hilton Silveira Pinto – Esta pergunta cabe muito bem no contexto político brasileiro. Há alguns anos, nós tínhamos alguma atuação política, não nos meios ecologistas, mas sim nos meios “ecologeiros”, que eram formados por pessoas que queriam se promover às custas do meio ambiente. Havia essa loucura do sujeito se amarrar em árvore ou coisa do tipo.

Atualmente, não ocorre isso. A política científica do país hoje adota um comportamento muito mais racional e pé no chão em função da realidade. É raro hoje um cientista brasileiro que não esteja preocupado com esse tipo de acontecimento. Em termos de política agrícola, nós não tínhamos tanta certeza dessa mudança climática. Eu mesmo não acreditava em mudança climática. Hoje, não. Nossa política em relação à política agrária brasileira está sendo direcionada para um comportamento mais preservacionista, de forma que não haja tanta eliminação de CO2.

JU – Nesse contexto, os Estados Unidos são acusados de omissão e de irresponsabilidade por recusar-se a assinar o Tratado de Quioto, além de desdenhar com freqüência alertas feitos por cientistas. Por tratar-se da maior potência do planeta, qual o peso dessa postura nesse cenário de alterações climáticas?

Carlos Alfredo Joly – Na área ambiental, os Estados Unidos estão isolados do resto do mundo nas duas principais convenções assinadas na Eco 92 – não ratificaram a Convenção sobre Diversidade Biológica e, apesar de terem ratificado a Convenção de Mudanças Climáticas, ficaram de fora de seu principal instrumento de implementação, o Protocolo de Quioto. O modelo de crescimento dos americanos é decorrente de uma visão imediatista e tecnocrática, que não vê limites para exploração dos recursos do planeta, pois a tecnologia “consertará” os eventuais erros e/ou excessos cometidos. Para a sociedade norte-americana, talvez o Katrina tenha, na área ambiental, o mesmo efeito que o 11 de setembro teve na questão da segurança nacional, pois os dois eventos expuseram, de uma forma trágica e inegável, a vulnerabilidade dos Estados Unidos.

Carlos Nobre – Muito provavelmente, até o final da administração atual da Casa Branca, muitos dos Estados americanos, gozando de sua autonomia federativa, estarão comprometidos com metas de redução de emissões. Em outras palavras, a resistência formal do governo federal dos EUA está sendo solapada dentro do próprio país. Pesquisas de opinião pública nos EUA dão conta de que este assunto desperta enorme interesse e a maioria o considera muito sério e que merece atenção do governo.

Fenômenos extremos, como os recentes furacões Katrina e Rita, catalisam a opinião pública e trazem foco às questões climáticas. No lado econômico, os países europeus liderando o processo de redução de emissões – Grã-Bretanha e Alemanha à frente –, já começam a mostrar que isto pode ser feito sem diminuir a renda, emprego e qualidade de vida. Ao contrário, o estímulo a novas e mais eficientes tecnologias limpas funciona como catapulta para uma economia mais eficiente, com ganhos para toda a população.

Luiz Gylvan Meira Filho – Na minha opinião, essa postura hoje não tem peso no cenário internacional.  Em que pesem algumas afirmativas de autoridades dos EUA no sentido de questionar os alertas feitos pelos cientistas, está claro hoje que aquele país reconhece a gravidade do problema.  A Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos diz isso com muita clareza – o seu atual presidente é um cientista atmosférico muito respeitado, o professor Ralph Cicerone, e a Academia firmou recentemente documento do Painel Inter Academias que reconhece claramente o problema.  A Academia Brasileira de Ciências, presidida pelo professor Eduardo Krieger, é signatária.

No plano político, importantes Estados americanos, como Califórnia e Nova Iorque, tomaram efetivamente medidas para conter as emissões de gases de efeito estufa, bem como importantes empresas multinacionais com origem americana e operações em todo o mundo.  Na minha opinião, os Estados Unidos se engajarão novamente no esforço internacional de combate à mudança do clima, em outros moldes com algumas diferenças em relação ao Protocolo de Quioto, como por exemplo, a ênfase no desenvolvimento tecnológico e um horizonte de planejamento mais longo que o do Protocolo.

Hilton Silveira Pinto – Como maior produtor de dióxido de carbono do planeta, evidentemente os EUA têm um peso muito grande. Mas, mesmo que eles tivessem assinado o Tratado de Quioto, o benefício não seria aquele desejado. Eu diria que os EUA, uma hora ou outra, vão ter de entrar no sistema. Não sei se a intenção americana é apenas econômica ou também se não há um pouco de oportunismo nisso.

Explico: provavelmente, com o aquecimento global na ordem de 3º a 4º C, os Estados Unidos poderiam ganhar áreas de plantio, que hoje estão faltando e começando a diminuir. Aliás, o Canadá e a Rússia também ganhariam. Para os três países seria um ganho significativo em termos econômicos.

Lógico que não estamos considerando tufões etc, mas apenas as questões econômica e agrícola. Isso poderia resultar em algo benéfico para deles. Talvez o fato de eles não assinarem o tratado, tenha um pouco disso.

JU – Como promover o crescimento sustentável sem ferir interesses econômicos? É possível resolver essa equação?

Carlos Alfredo Joly – Não, não seria possível atingirmos a sustentabilidade sem ferir o interesse dos grandes grupos econômicos. Grande parte da lógica econômica do mundo atual depende, por exemplo, da indústria petrolífera. Os Estados Unidos preferiram investir bilhões para assegurar o acesso às reservas iraquianas de petróleo, do que investir na pesquisa de alternativas energéticas mais limpas. Na Rio+10 as metas numéricas – por exemplo, que até 2010 pelo menos 15% da energia utilizada pelos países desenvolvidos deveria ser oriunda de fontes renováveis – foram substituídas por vagas declarações de intenção.

A sustentabilidade exige uma mudança de paradigmas, colocando a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais não como um empecilho para o crescimento econômico e sim como o sustentáculo de um novo modelo de desenvolvimento.

Carlos Nobre – Os exemplos atuais indicam que, ainda que a mudança de paradigma de geração e uso de energia para uma sociedade descarbonizada carregue uma conta econômica astronômica, não estando claro quem a pagará, isto terá que ser realizado se coletivamente quisermos evitar colocar a máquina climática planetária em terra incógnita. Assim, dado um desejo maior social, da sociedade planetária, perde o sentido se falar em “interesse econômico”, que é de um grupo, corporação ou país. Há um custo de transformação, mas este custo provavelmente é bem menor do que o crescente custo de adaptação às mudanças climáticas ao não se fazer nada.

Por exemplo, hipoteticamente se nada fosse feito e a temperatura continuasse a subir, não seria improvável que haveria derretimento do gelo permanente armazenado nas geleiras da Groelândia e da Antártica Ocidental. Se isto ocorresse, o nível do mar subiria cerca de 7 metros e cerca de 1,2 bilhões de pessoas e cidades inteiras teriam que ser re-alocadas. Esta adaptação teria um custo muito superior do que o de mitigação das emissões, mesmo assumindo um corte drástico destas nas próximas décadas.

Luiz Gylvan Meira Filho – Na maioria dos países do mundo, é perfeitamente possível (na minha opinião, também essencial).  O que ocorre é que a transição gradual requer ajustes internos nas economias.  Em alguns casos, setores que se sintam prejudicados pedirão compensações de seus governos, mas isso é parte do dia-a-dia da administração pública.  O Brasil, em particular, tem vantagens comparativas claras, especialmente no que diz respeito ao uso de biomassa renovável como combustível nos transportes e como termoredutor na siderurgia.  Estimo que, em nosso país, possa não só não haver prejuízos, mas haver ganhos significativos se soubermos aproveitar essas vantagens.

Hilton Silveira Pinto – Acho que sim. Apesar da crise política que enfrentamos, há interesse numa preservação mais racional. Constatamos isto no caso da agricultura. Nós fazemos, por exemplo, toda a parte de zoneamento de riscos agrícolas do Brasil. Definimos para o governo onde se deve plantar, o que se deve plantar e quando se deve plantar. Obedecemos, para isso, os parâmetros climáticos de cada município do país. Isso é hoje política pública.

Nós não incluímos, premeditadamente, a Amazônia, para não abrir um diálogo político com alguém que queira plantar soja na região. O próprio ministério resolveu deixar de lado este estudo para não comprometer o meio ambiente. O Brasil está num caminho bastante consistente em termos de preservação e de crescimento sustentável. Continuando assim, chegaremos lá.

JU – Corre a máxima de que, mantida a velocidade do aquecimento global, até o final deste século estaremos tomando um genuíno café argentino... Em que medida o revertério climático na sua opinião vai afetar a produção agrícola, agravando ainda mais os problemas sociais nos países periféricos?

Carlos Alfredo Joly – Certamente o pessoal do Cepagri pode falar deste assunto com muito mais propriedade, porque tem desenvolvido uma série de cenários agrícolas considerando as previsões e os modelos do IPCC para o aquecimento global.

Entretanto, não podemos esquecer que, assim como as culturas agrícolas, nossos principais ecossistemas também vão ser profundamente afetados. Infelizmente, o conhecimento que temos sobre o funcionamento de nossos ecossistemas terrestres e sobre a ecofisiologia das espécies nativas ainda é muito limitado. Conseqüentemente, não podemos prever as alterações com a mesma precisão que o fazemos para o café, a cana-de-açúcar, a soja e a laranja.

Em nível nível macro podemos dizer que a Floresta Amazônica sofrerá um processo de savanização, os cerrados sofreriam uma significativa retração (vide site) e muitas das fisionomias que constituem o complexo denominado Mata Atlântica “senso lato” - por exemplo a Floresta de Auracárias, as Florestas Alto Montanas e os Campos de Altitude – desapareceriam.

Carlos Nobre – As avaliações de impactos das mudanças climáticas na agricultura mundial, hoje, mostram mais efeitos adversos do que benéficos. Os benéficos viriam principalmente através do aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera, o que, em estufas, faz as plantas sintetizarem mais matéria orgânica com a mesma quantidade de água, e com períodos maiores com temperaturas acima de zero em regiões muito frias. Os efeitos deletérios viriam principalmente pelo fato de que muitas culturas agrícolas perderiam eficiência com temperaturas mais altas e através da diminuição da água disponível no solo devido ao aumento da demanda evaporativa em um clima mais quente.

Os estudos realizados pela Embrapa, Unicamp e outras instituições no Brasil até o momento para as culturas principais (soja, milho, arroz, cana de açúcar, café, trigo, feijão), indicam que nacionalmente as áreas propícias para a maioria destas culturas diminuiria para um clima com temperaturas 3º a 6º C mais quentes do que as atuais. Entretanto, neste aspecto é possível vislumbrar políticas de C&T em busca de adaptações da agricultura nacional às projetadas mudanças climáticas. Porém, a busca de saídas através do conhecimento deve iniciar-se agora e não somente após as mudanças climáticas terem se confirmado.

Luiz Gylvan Meira Filho – No continente sul-americano, dominado pelos oceanos, o aumento de temperatura nos continentes não será tão dramático quanto no hemisfério norte.  A produção agrícola no Brasil é principalmente sensível à disponibilidade de água, o que depende da precipitação mas também da evapotranspiração (essa tende a aumentar com a temperatura, deixando menos água disponível para as plantas).  Numa certa medida, os laboratórios desenvolverão variedades mais apropriadas ao clima cambiante, embora haja um limite para esse processo.  Toda mudança tende a agravar problemas sociais, mas isso não ocorre somente nos países periféricos.  Veja o exemplo da tragédia do Katrina.

Hilton Silveira Pinto – O Cepagri e a Embrapa Informática Agropecuária vêm fazendo esse trabalho de projetar as áreas de plantio de acordo com as mudanças climáticas. Chegamos a fazer projeções das comodities para o século XXI. Começamos com o café e depois introduzimos várias culturas em outros Estados. Se o café não é mais produzido em Minas e São Paulo, quais as culturas que poderão substituí-lo? A resposta está na complementação do trabalho que vamos fazer nos próximos meses.

Supondo que as projeções do IPCC estejam corretas – de que as temperaturas vão subir até 6,0º C no final deste século –, por volta de 2050 teremos uma perda de café de mais de 70%. Por quê? As futuras plantas, quando forem fazer a fotossíntese, vão enfrentar altas temperaturas. E, quando essa temperatura passa dos 40 graus, a fotossíntese é interrompida. Além do mais, com as altas temperaturas, no processo de florescimento das plantas, a flor é abortada. Por isso, o café tende a deixar de ser produzido no Brasil, assim como a soja, o arroz, o feijão etc.

Por outro lado, o nosso aquecimento significa também o aquecimento do Uruguai, da Argentina, e de outros países vizinhos. Com um aumento de 3º a 4º C na temperatura, por exemplo, a Argentina, cujo clima é frio, provavelmente estará apta a produzir o café. O mesmo aconteceria com o Uruguai; nós perderíamos 95% da nossa produção com o aumento de 6º C.

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