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Engenheiro agronômo realiza trabalho
de recuperação de solo que perdeu 8 metros da camada original
Tratamento com lodo de esgoto
faz nascer 'oásis" em área desértica
LUIZ SUGIMOTO
Em 1969, numa área de 700 hectares do município de Selviria (MS) foi retirada uma camada de 8 metros de espessura do solo original, para terrapleno da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, que marcava assim o início de sua construção. Por cima da camada restante pouco mais de metro ainda passaram caminhões fora-de-estrada e outras máquinas pesadas que compactaram o solo, acentuando a infertilidade da área remanescente. Havia mais de 30 anos que ali não crescia nem o capim braquiária que de tão rústico persiste nas terras mais pobres. “Arrancaram solo e subsolo. O que mais interessava à usina era o subsolo abaixo da camada de 20 centímetros, que foi decapitado, sem que se colocasse de volta a camada de terra superior, como seria exigido hoje através do EIA-Rima [Estudo de Impacto Ambiental]”, afirma o professor Gilberto Colodro, da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
Lodo tem 70% de matéria orgânica
O emprego de lodo de esgoto para a recuperação de parte da área condenada foi o objeto da tese de doutorado defendida por Colodro junto à Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, orientado pelo professor Carlos Roberto Espíndola. “Nosso desafio era assegurar a retenção de umidade e um mínimo de condições de plantio. A gleba faz parte de um total de mil hectares da Fazenda de Ensino e Pesquisa da Unesp, no campus de Ilha Solteira, e sua recuperação tornou-se fundamental para seja inserida às demais áreas produtivas”, justifica o pesquisador.
Gilberto Colodro explica que o lodo de esgoto possui cerca de 70% de matéria orgânica, quando outros resíduos aplicados na agricultura, como bagaço de cana, trazem um máximo de 20%. O teor de nutrientes é elevadíssimo, chegando a apresentar entre 5% e 7,5% de nitrogênio a ser disponibilizado às plantas no prazo de três anos, ou 50 a 75 quilos por tonelada de lodo. “Numa cultura de cana, aplica-se por hectare a média de 30 a 60 quilos de nitrogênio, que entra como fertilizante químico. No caso do lodo de esgoto, como são utilizadas cerca de 20 toneladas desses resíduos por hectare, estaríamos aplicando de 1.000 a 1.500 quilos de nitrogênio, um teor bastante elevado”, compara.
No processo de recuperação em Selviria, foi aplicado lodo obtido na Estação de Tratamento de Araçatuba (Sanear), originado de esgoto essencialmente doméstico e por isso com teores baixos ou nulos de metais pesados resíduos que inviabilizam a aplicação na agricultura do esgoto industrial (veja matéria nesta página). Colodro descreve que o lodo foi aplicado na superfície e incorporado a uma profundidade de 5 a 10 centímetros, plantando-se um total de 640 mudas de eucalipto e de capim braquiária. Dividida em blocos de 10m x 12m, a terra recebeu doses de lodo de zero a 60 toneladas (ou megagramas) por hectare, em base seca.
Segundo o professor, houve uma redução da densidade do solo, com aumento da macroporosidade e da porosidade total da camada superficial, e também um aumento da atividade microbiana. “Foi avaliado o desenvolvimento da cultura do eucalipto aos 180 e aos 360 dias após a incorporação do lodo de esgoto. Pode-se afirmar que o manejo empregado promoveu um incremento na qualidade do solo, a julgar pelo aumento significativo de fósforo, potássio, magnésio, matéria orgânica e da capacidade de troca catiônica [ou CTC, parâmetro de retenção de nutrientes para as plantas]”, afirma.
Inédito Gilberto Colodro preocupou-se em fazer um rastreamento para saber se havia trabalho semelhante no país, confirmando o ineditismo da utilização de lodo de esgoto na recuperação de solo degradado com plantio de eucalipto. Ele informa que a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP) promove pesquisas em culturas de eucalipto recorrendo ao lodo como condicionador da fertilidade, mas em solo normal, obtendo resultados satisfatórios em termos de produção. “Para se ter uma idéia da importância que o lodo pode adquirir na agricultura, em uma pesquisa com a cultura de milho em Brasília, empregando doses baixas de dez a vinte toneladas por hectare, chegou-se à produção normal da região sem a aplicação de fertilizantes. Muitos trabalhos evidenciam a capacidade do lodo de esgoto em substituir plenamente o fertilizante químico”, informa.
Desse ponto de vista econômico, o professor lembra que o lodo para sua pesquisa foi conseguido gratuitamente e que a disseminação do seu uso teria como único custo o transporte. “Se a distância for muito grande, a prática torna-se inviável. Entretanto, existe um belo trabalho, também da Esalq, mostrando a relação custo-benefício para a cultura de eucalipto. A partir das cinco estações de tratamento da Grande São Paulo, o pesquisador concluiu que o gasto com o transporte de lodo de esgoto, em comparação com a compra de fertilizantes, é inferior até um raio de 150 quilômetros. Ou seja: em tese, o lodo produzido em São Paulo poderia ser aplicado em culturas de Campinas ou Piracicaba”, observa.
A ressalva quanto a São Paulo é que a utilização do lodo de esgoto de regiões metropolitanas merece restrições por causa dos resíduos industriais. Já em relação ao seu aproveitamento no interior do país, Gilberto Colodro elimina qualquer dúvida de bons resultados, exibindo fotografias que mostram o contraste entre as áreas degradadas e aquelas em que a técnica foi aplicada . “Aqui mesmo em Ilha Solteira, temos pesquisa conduzida há mais de 8 anos na tentativa de recuperar a área, sem conseguir sustentabilidade de culturas. Em nossa pesquisa, aplicando o lodo por um ano, chegamos a eucaliptos tão desenvolvidos quanto os de solo normal. A nova paisagem realmente impressiona. Parece que criamos um oásis no meio do deserto, uma floresta no meio do nada”.
Mal utilizado, lodo traz impactos ambientais
"Pesquisas em várias partes do mundo já comprovaram que a melhor forma de deposição do lodo de esgoto é a agrícola, por todas as vantagens no aspecto econômico e por resolver um grave problema ambiental, aliviando a disposição em aterros sanitários e o despejo nos rios", afirma o professor Gilberto Colodro. Ele informa que nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e em vários países da Europa, grande parte do lodo doméstico vai para a agricultura, aproveitamento que chega a 65% no caso dos norte-americanos. Sendo aparentemente tão simples, por que o Brasil ainda não faz melhor uso desses resíduos?
Colodro explica que o esgoto no país começou a ser tratado apenas por volta da década de 1970, com tecnologia importada. “Tudo teve início em São Paulo e mesmo Araçatuba, com menos de 200 mil habitantes, possui hoje a sua estação, o que é um exemplo de evolução do saneamento básico”, admite. A incoerência está no fato de que se importou a técnica de tratamento, mas não houve preocupação com o destino do resíduo produzido, que cresce proporcionalmente ao número de estações implantadas pelo país. Distribuído desordenadamente, o resíduo pode causar três tipos de impacto ao meio-ambiente, decorrentes das presenças de nitrato, de patógenos e de metais pesados.
“Somente agora discutimos uma legislação para a disposição dos resíduos. Tenho participado dos grupos de estudo e creio que as normas serão aprovadas até o final deste ano ou início do próximo”, adianta Gilberto Colodro. Ele acrescenta que, enquanto os países mencionados já usam o lodo de esgoto há 60 anos, o Brasil soma apenas 10 ou 15 anos de trabalho efetivo na área. “Na formulação da legislação, ainda aparecem muitas dúvidas quanto à composição do nosso lodo e reações no solo. Temos apenas respostas da Europa, que vive sob clima temperado e com solos bem diferentes. É por causa da falta de dados próprios que a aplicação agrícola está proibida por todo esse tempo”, observa
Impactos Já há consenso em relação às doses adequadas de lodo de esgoto para evitar, por exemplo, a contaminação por nitrato. Foi dito que o elevado teor de nitrogênio é benéfico para as culturas, mas Colodro faz uma ressalva importante: quando o lodo fica acumulado em excesso no solo, acontece a lixiviação do nitrato (sua lavagem pela chuva), que pode chegar ao lençol freático. “Seria como beber uma água com excesso de sais. Isso já fez surgir uma doença grave que se alastrou pelo ‘cinturão verde’ de São Paulo, atribuída ao excesso de nitrogênio em vista das elevadas adubações químicas para a produção de olerícolas (folhosas, legumes)”, recorda. Dependendo do tipo de solo, doses que variam de 10 a 30 toneladas por hectare garantem a mineralização e evitam a excessiva lixiviação de nitrato.
A presença de patogenos é outro temor, que Gilberto Colodro atribui a um tabu já superado. “Sabe-se que há altas concentrações de patógenos no lodo brasileiro, em comparação com o europeu e americano, países onde o saneamento básico e o sistema de saúde realmente funcionam. Na verdade, grande parte dos ovos já é eliminada no processo de tratamento do esgoto e outra parte na aplicação dos resíduos, graças à ação do sol e às condições do próprio solo”, pondera. De qualquer forma, a legislação deve determinar um índice máximo de 1 ovo por quatro gramas de matéria seca do lodo, como parâmetro seguro de aplicação.
Colodro transfere para as regiões metropolitanas a responsabilidade pela disposição do lodo de esgoto com metais pesados, reconhecendo que o problema é complicado. “O lodo doméstico traz matérias orgânicas como nitrogênio, fósforo e potássio, e o nitrato, mesmo caindo no lençol freático, acaba sendo eliminado com o tempo. O metal pesado, ao contrário, é acumulativo, tanto que na legislação haverá uma norma rígida: em área que receba lodo com teor elevado destas substâncias, não mais será permitido qualquer outro tipo de aplicação”, informa.
Aterros Outro problema, que atinge os próprios aterros sanitários, também seria amenizado. “Disposto no aterro, o lodo adquire uma umidade que pode ficar estocada por dois ou três anos, criando o risco de “desmoronamento” dos taludes, acidente ambiental de significativas proporções”, explica Gilberto Colodro. Ele atenta, ainda, para os reflexos no nosso bolso, já que o custo da disposição de lodo nos aterros é de 50 reais por metro cúbico no interior do Estado, chegando a 120 reais em São Paulo. “Apesar de hoje ser menor, no passado esse custo já representou 60% dos gastos com operação e administração do tratamento do esgoto. Na disposição agrícola, a estação não pagará pelo transporte e nem pelo depósito do lodo. Portanto, além dos benefícios econômicos e ambientais, a aplicação agrícola traria um ganho social, pois quem paga a conta absurda do aterro é o contribuinte”.
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