“A idéia surgiu durante um simpósio internacional em Angra dos Reis, entre 25 e 27 de agosto, com a presença da maioria dos pesquisadores envolvidos com imunologia da reprodução. Achamos o momento apropriado para criar um espaço de difusão de informações, troca de idéias e que possibilite atividades conjuntas”, explica o médico Ricardo Barini, do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp.
Segundo Barini, que também é docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), as alterações de ordem imunológica constituem o principal fator do aborto espontâneo recorrente, caracterizado pela perda sucessiva de três ou mais gestações antes da vigésima semana de gravidez. O problema afeta até 5% dos casais em idade fértil.
A página do Nidarh na Internet vai abrigar um banco nacional de dados e divulgar trabalhos de grupos que atuam em várias regiões. “Nosso público são os ginecologistas e obstetras, que poderão tirar dúvidas sobre diagnóstico, tratamento e encaminhamento de pacientes. Serão informações técnicas, não propriamente para leigos”, esclarece o professor.
Um dos pioneiros no tratamento de mulheres com histórico de aborto recorrente no Brasil, Ricardo Barini introduziu o primeiro programa de imunologia da reprodução humana do país, no Caism, em 1993. Tendo sido também idealizador do Nidarh, ele acabou eleito naturalmente pelos pares para coordenar a rede brasileira que ficará centralizada na Unicamp.
Desde os tempos pioneiros, a terapêutica proposta pelo grupo de especialistas do Caism disseminou-se pelas principais cidades brasileiras. “No simpósio em Angra pudemos observar que o tratamento que defendemos continua sendo viável e aceito na literatura. Não estamos fora do que o mundo vem fazendo, caminhamos juntos”.
Breve histórico Barini já explicou ao Jornal da Unicamp, com riqueza de detalhes, a causa do aborto recorrente e o tratamento imunológico proposto, baseado principalmente em vacinas aplicadas na gestante por via intradérmica. A enorme evolução na área da reprodução humana mereceu então um caderno temático na edição 163, de junho de 2001.
Entre os preceitos dos antigos livros de medicina que foram derrubados no final do século passado, está o da resignação diante do aborto espontâneo recorrente. O jeito era ir tentando. Mas descobriu-se que, no caso dessas mulheres, ocorre no organismo um processo de rejeição física do feto, por volta do segundo mês de gravidez.
Já era sabido que metade das características genéticas do bebê é transmitida pela mãe, através do óvulo, e a outra metade pelo pai, através do espermatozóide. Não se sabia, porém, que os sistemas imunológicos de algumas mulheres, interpretando as células do homem como agressoras, produzem substâncias para expulsá-las, impedindo a duplicação do DNA. É o que se chama de apoptose.
De acordo com Barini, nas gestações normais, prevalece um mecanismo regulador que promove uma adaptação fisiológica para evitar esta agressão. Trata-se de uma fração molecular denominada HLA-G, que leva o sistema imune a reconhecer o feto. Isto faz com que a mãe desenvolva substâncias bloqueadoras da resposta contra a gravidez, permitindo o desenvolvimento do bebê.
Como dotar a mulher com quadro de aborto recorrente desta mesma capacidade reguladora? O caminho veio da observação de pacientes submetidos a transplantes e que recebiam transfusão de sangue antes da operação. Eles apresentavam menos problemas de rejeição, pois a transfusão produzia anticorpos bloqueadores que reduziam a resposta imunológica ao órgão transplantado.
Esta observação resultou na vacina produzida no Hemocentro da Unicamp e que vem possibilitando o nascimento de centenas de crianças no Caism e em outras cidades. Coleta-se 80 mililitros de sangue do marido e no mesmo dia esse sangue é fracionado, retirando-se as células brancas e descartando-se as hemácias (células vermelhas). As células brancas são lavadas e colocadas em soro fisiológico e injetadas na mulher.
Acessibilidade O maior acesso ao tratamento do aborto recorrente reflete-se na extensão da própria rede Nidarh, que já nasce com a participação de pesquisadores e profissionais em imunologia da reprodução humana de oito capitais brasileiras. Mas é um tratamento caro, ao custo de pelo menos R$ 2 mil, devido principalmente ao reagente utilizado para separar as células do sangue.
Ricardo Barini observa que a Unicamp é a única instituição a oferecer o serviço gratuitamente, ainda assim com dificuldade. “Sem financiamento através do SUS, o próprio Caism banca a compra dos reagentes. Isso nos levou a restringir o atendimento à região de Campinas, o que não reduziu a fila de espera”.
A última revisão dos casos atendidos no Caism, publicada em 2006, aponta o nascimento de aproximadamente 250 bebês desde a implantação do programa de imunologia da reprodução humana. O índice de sucesso no tratamento, segundo Barini, é de 81%, o mesmo obtido nos Estados Unidos.
Tratamento é estendido para fertilização in vitro
O atendimento e as pesquisas em imunologia da reprodução humana do Caism concentram-se no aborto recorrente, mas o professor Ricardo Barini e sua equipe também estão envolvidos com outro grupo de mulheres, aquelas que têm dificuldade de engravidar realizando fertilização in vitro.
“São mulheres assistidas por outras instituições, já que a Unicamp não conseguiu implantar um programa de fertilização com a mesma desenvoltura da imunologia. Elas não possuem qualquer problema de saúde, mas quando recebem o embrião dentro do útero, apresentam o que chamamos de ‘falha de implantação’”, explica Barini.
Segundo o pesquisador, quando essas falhas se repetem em outras tentativas de fertilização, o comportamento do sistema imunológico é igual ao das mulheres com histórico de aborto recorrente. Por isso, um dos tratamentos é o mesmo aplicado em imunologia no Caism, com resultados expressivos em relação à taxa de gravidez.
Em função desses casos, Barini informa sobre o surgimento de uma grande linha de estudos em torno da causa efetiva dos insucessos na fertilização: são certas células específicas denominadas NK, que mantêm a interação entre o feto e a mãe. “A descrição de suas atividades permitirá compreender melhor porque algumas mulheres respondem de forma diferente à gravidez”.
NK é a sigla em inglês para natural killers (assassinas naturais). Essas células cumprem a função natural de matar outras células identificadas como invasoras do organismo. No entanto, em mulheres que tentam a fertilização in vitro seguidas vezes, as células NK demonstram hiperatividade, com a liberação de substâncias que matam o embrião.
Um tratamento indicado para controlar as NK é a injeção de uma sobrecarga de anticorpos no organismo da mulher, a fim de “cansar” as células e reduzir a sua atividade. Assim, a mãe ganha tempo para que o embrião se estabeleça e ela própria ofereça a resposta fisiológica para levar a gestação até o final.
Ricardo Barini comemora o fato de as pesquisas sobre imunologia da reprodução terem extrapolado o Caism, embora a evolução seja muito mais acentuada nos experimentos com modelos animais. “A maior dificuldade é a impossibilidade de uma investigação mais invasiva sobre as relações entre o útero e a placenta, entre a mulher e o feto. Em humanos, a retirada de um simples fragmento já seria interferir na gravidez”.