| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 374 - 1 a 7 de outubro de 2007
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Carlos Gomes
 


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Professora do IA lança biografia de Carlos Gomes
tendo como fonte a correspondência do compositor

Libretos em livro

MANUEL ALVES FILHO

A professora Lenita Nogueira, autora do livro Nhô Tonico e o burrico de pau: A História de Carlos Gomes por Ele Mesmo: "Não queria uma história linear" (Foto: Antoninho Perri/Divulgação)Brilhante em seu ofício, o maestro e compositor Carlos Gomes era um homem tão comum quanto qualquer outro de sua época. Ao mesmo tempo em que produzia obras de grande valor musical, ele também se ocupava de questões comezinhas, como buscar meios para saldar suas dívidas. Ademais, tinha momentos de baixa auto-estima e até mesmo de dor-de-cotovelo. Esses e outros detalhes da vida do artista campineiro estão presentes no livro Nhô Tonico e o burrico de pau: A história de Carlos Gomes por ele mesmo, de autoria de Lenita Nogueira, professora do Departamento de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. A obra, patrocinada pela Secretaria Municipal de Cultura, Esportes e Lazer de Campinas, será lançada em breve.

Embora tenha sido concebida por Lenita, a biografia de Carlos Gomes pode ser considerada uma obra “escrita a quatro mãos”. Isso porque as fontes de informação consultadas pela professora da Unicamp foram as correspondências trocadas pelo compositor com familiares, amigos, músicos, editores, entre outros. Nelas, Nhô Tonico, como o maestro era carinhosamente tratado pelos mais íntimos, fala de diversos aspectos da sua vida.

“Quando o livro me foi encomendado, minha primeira idéia foi traçar uma biografia que fugisse um pouco do convencional. Não queria uma história quadrada, linear. Como já havia tido contato com a obra de Carlos Gomes e conhecia parte dessas correspondências, resolvi me valer desse material para falar da trajetória do compositor, usando suas próprias palavras. Penso que o objetivo foi atingido”, analisa.

A despeito de fugir do lugar-comum, a biografia aborda evidentemente as principais fases da vida de Carlos Gomes, como convém ao gênero. O livro conta, por exemplo, como foram os primeiros contatos de Tonico com a música. O grande mestre do menino foi seu próprio pai, Manoel José Gomes, o Maneco Músico. Este era mestre-de-capela da Matriz Velha de Campinas. Entre suas atribuições estava a preparação das músicas e cânticos executados nas missas. Diz-se que era um bom músico e homem muito severo. Sobre o burrico de pau que compõe o título do livro, Lenita revela que ele tem relação com a Sonata em Ré.

No último movimento, explica a professora da Unicamp, os músicos batiam com o arco do violino nas cordas do instrumento, obtendo um efeito que lembrava o som de um burrico de pau. Mais tarde, Carlos Gomes diria que sonhara que subira aos céus no lombo do referido animal. Outra figura importante na vida do compositor de O Guarani, aponta a biografia, foi seu irmão, José Pedro de Sant’Anna Gomes, também maestro e compositor, que hoje empresta nome a uma rua do bairro Bonfim. “Ele foi um grande incentivador do irmão”, afirma Lenita. Sant’Anna Gomes, junto com o músico amador Henrique Luiz Levy, acompanhou Carlos Gomes em alguns concertos em São Paulo, o que viria a ser decisivo na vida do maestro. Aos 20 anos, o Tonico já havia composto duas missas e algumas obras, mas jamais vira uma ópera ou se apresentara num grande centro.

IlustraçãoNa capital do Estado, ele conviveu com estudantes de Direito do Largo São Francisco e compôs duas obras muito conhecidas, o Hino Acadêmico e a modinha Quem Sabe, aquela dos versos “Tão longe de mim distante/onde irá onde irá teu pensamento”. Determinado a alçar vôos mais altos, Carlos Gomes decidiu deixar São Paulo e fugir para o Rio de Janeiro. Lá, deu início à sua carreira de maestro, em meio a um vigoroso movimento em favor da criação de uma ópera nacional. Do Rio, já reconciliado com Maneco Músico, que ficara desgostoso com a fuga de Tonico, mandou a seguinte carta ao pai: “Meu bom pai. Escrevo esta só para não demorar uma boa notícia. Afinal tenho um libreto. Foi extraído do poema de Castilho - A Noite do Castelo. Hoje mesmo começo a trabalhar na composição da ópera, prepare-se portanto, para vir ao Rio de Janeiro em 1861. Saudades muitas às manas e aos manos, principalmente ao Juca, abençoe-me como a seu filho muito grato. Carlos”. O ano era 1860.

Três anos depois, já consagrado no meio musical, o compositor ganha uma bolsa e muda-se para Milão, onde passaria boa parte do resto de sua vida. O Guarani, sua obra mais conhecida, só seria composta em 1870. Na Europa, conforme a professora Lenita, Carlos Gomes viveu bons e maus momentos. Aproveitando-se da fama e do dinheiro relativamente farto, o artista deu um passo maior do que a perna. Mandou construir uma mansão nos arredores de Milão, que foi batizada de Villa Brasilia. Isso o colocou em grandes dificuldades financeiras, como o biografado admite em cartas enviadas a amigos e parentes. “Esse tipo de passagem é importante, pois ajuda a desmistificar e a humanizar a figura de Carlos Gomes. É claro que ele foi um grande compositor e maestro. Entretanto, se vivesse nos dias atuais, ele certamente estouraria o limite do cartão de crédito”, imagina a autora do livro.

Reprodução de página do livro: obra ,"escrita a quatro mãos", se destina a escolas, bibliotecas e museusJá próximo do final da vida, expõe a biografia, Carlos Gomes se sentia abandonado e desprestigiado, sobretudo em seu país. Em uma carta ele desabafa dizendo que no Rio de Janeiro não lhe queriam nem mesmo para porteiro do Conservatório. Um aspecto importante que o livro de Lenita ajuda a esclarecer diz respeito à ligação do compositor com o Império. Embora gostasse muito de D. Pedro II, que lhe serviu de mecenas, Nhô Tonico não era exatamente um defensor daquela forma de governo, como ficou consignado ao longo da história. De acordo com a pesquisa realizada pela professora da Unicamp, em nenhuma de suas correspondências Carlos Gomes toca no tema de forma ideologizada.

Quando a República foi proclamada, em 15 de novembro de 1889, Carlos Gomes estava em visita à sua terra natal. Segundo Lenita, nas cartas em que faz referência à mudança do sistema de governo, o artista lamenta o que estava acontecendo com D. Pedro II e o descreve como um bom homem. “Mas tudo isso se deve à amizade e aos favores que Carlos Gomes devia ao ex-imperador. Não havia por parte dele um engajamento propriamente político”, afirma.

Já muito doente e considerando-se esquecido, Carlos Gomes finalmente deixou a Europa e retornou ao Brasil. A mudança deveu-se a um convite de Lauro Sodré, então presidente do Pará, que lhe ofereceu o cargo de diretor do Conservatório daquele Estado.

Por essa época, Nhô Tonico escreve uma carta na qual fala da sua infância em Campinas. No texto, o maestro lembra com saudosismo dos cambuís floridos e das atividades realizadas na Rua das Casinhas, a atual General Osório, onde ele participava das procissões e, junto com os amigos, corria atrás do Judas. Em 1896, aos 60 anos, já debilitado pela doença, Carlos Gomes finalmente desembarca no Pará para executar o seu último movimento. Alguns meses depois, no dia 16 de setembro, ele morre.

Segundo a professora Lenita, a primeira tiragem do livro não será vendida, pois se destina a escolas, bibliotecas e museus. “Mas existe a possibilidade de obtermos patrocínio para produzir uma versão comercial”, adianta. Parte das correspondências de Carlos Gomes, assim como alguns de seus objetos pessoais e partituras, pertence ao acervo do museu que leva o nome do compositor, localizado no Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA), que fica no Centro de Campinas.

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