A tese mais controversa defendida por Buainain talvez seja a de que os agricultores não são familiares por opção, mas por restrição. Mesmo reconhecendo a importância da cultura familiar, o docente mostra que quando são relaxadas as restrições, os familiares mantêm a cultura, mas se transformam em produtores patronais. A evidência mais forte desse fato é que, atualmente, os maiores produtores de grãos do país, donos de impérios no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, eram, há vinte anos, pequenos agricultores familiares na região Sul. Buainain também contesta a idéia de que a agricultura familiar seja um domínio privilegiado para a prática de atividades vinculadas à agroecologia e argumenta que “a agricultura familiar não apresenta vantagens competitivas nesse caso”. Como não poderia deixar de ser, sua posição tem despertado chiadeiras.
No trabalho, que virou livro publicado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), o docente da Unicamp faz questão de deixar claro que suas análises não são engajadas ou alinhadas com qualquer tipo de “causa”. Ao contrário, assinala, constituem uma reflexão crítica sobre a realidade brasileira. “Minha intenção, desde logo, não foi suscitar concordância, mas sim oferecer elementos que pudessem colaborar para um debate mais efetivo sobre esses pontos”, explica. Aliás, a missão foi entregue ao economista justamente por ele não fazer parte do Fórum e nem militar em qualquer movimento comprometido com o tema em questão.
Antes de entrar propriamente nas suas análises, o professor da Unicamp fez algumas considerações sobre a agricultura familiar no Brasil ao Jornal da Unicamp. Segundo ele, trata-se de um setor que responde por uma parcela importante de alguns itens que compõem o agronegócio nacional. De acordo com os dados do último censo rural, que já completou dez anos, o segmento era composto por algo em torno de 4,1 milhões de unidades, que apresentam diferentes características sociais e produtivas. A maioria delas, porém, é de pequena dimensão e quase inviável economicamente. “Existe um grupo de agricultores familiares dinâmicos, mas eles constituem uma minoria. Ao contrário dos demais, estes conseguiram incorporar tecnologia e se inserir em circuitos mais vigorosos de produção”, destaca.
Buainain lembra que a agricultura familiar brasileira entrou na agenda política do país com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado no governo de Fernando Henrique Cardoso e ampliado na gestão Lula. No final do mandato de FHC, o Pronaf contava com recursos da ordem de R$ 3 bilhões. Em 2006, esse montante já havia alcançado R$ 9 bilhões. “De fato, houve uma evolução no apoio, mas este incentivo não tem sido suficiente para promover uma mudança estrutural no segmento. De maneira geral, o agricultor familiar continua empobrecido. Minha expectativa é que o próximo censo rural aponte um crescimento do setor em comparação com o seu próprio desempenho, mas uma queda de importância em relação à produção nacional”, prevê.
De acordo com o economista, os produtos que experimentaram grande expansão nos últimos dez anos, como cana, laranja, soja, milho e pecuária de corte, são fortemente influenciados pela escala de produção. Ocorre, no entanto, que a agricultura familiar brasileira não apresenta vantagens competitivas de escala. “Isso acontece porque as políticas públicas de investimento não favorecem as mudanças estruturais. O crédito do Pronaf, por exemplo, destina-se quase que exclusivamente ao custeio. As demais linhas também. Com isso, a agricultura familiar não consegue fugir do quadro crônico de debilidade”, avalia. E que deficiências são essas? De acordo com Buainain, duas das mais importantes são a limitação do recurso da terra e a dificuldade para inovar.
No Brasil, reafirma, a agricultura familiar é caracterizada pela pequena unidade e pelos parcos recursos financeiros de seus proprietários. Além disso, as propriedades normalmente estão pulverizadas pelo país. “As que estão localizadas no entorno de Campinas, por exemplo, não enfrentam grandes problemas, pois estão próximas do mercado consumidor. Mas o que dizer daquelas que estão situadas em pontos isolados, a centenas de quilômetros dos consumidores? Esse tipo de limitação impede que o setor adquira dinamismo”. Outro problema do segmento, prossegue o economista, diz respeito à ausência de condições dos agricultores para inovar. “Destaque-se que isso não ocorre pela indisponibilidade de tecnologias, mas sim pela falta de recursos para adquiri-las”.
Ainda segundo os dados do último censo rural, 50% dos agricultores brasileiros não dispunham de qualquer outro expediente para tocar suas plantações além da força dos braços. No Nordeste, esse índice era de 60% e na região Norte, 87%. Por fim, esses mesmos agricultores apresentavam um baixo nível educacional, e não há nenhuma razão para pensar que esta situação mudou desde então. “Se nos centros urbanos nossos estudantes não estão aprendendo, imagine nas zonas rurais”, questiona-se Buainain. Ora, e o que a agroecologia e o desenvolvimento sustentável têm a ver com isso? Tudo, segundo o professor. Ele afirma que a agroecologia, que prega o aproveitamento responsável dos recursos oferecidos pela natureza na produção, exige não apenas o uso de tecnologia, mas também algum grau de conhecimento científico por parte de seus adeptos. Ou seja, atributos que não são comuns à maioria dos agricultores familiares.
Ademais, continua o economista, a agroecologia não pode ser resumida ao plano da propriedade. O fato de uma unidade lançar mão de princípios da sustentabilidade, de acordo com ele, não torna a sua produção ecológica. “Se um sítio adota a produção agroecológica, mas seus vizinhos continuam pulverizando a lavoura com defensivos agrícolas, essa situação certamente não compõe um quadro equilibrado. Definir estratégicas agroecológicas pressupõe considerar uma abrangência geográfica muito maior, o que não bate com a atual configuração espacial das unidades brasileiras”, insiste. Voltando ao tamanho das propriedades, Buainain sustenta que, por serem pequenas, elas não permitem a diversificação da produção, outra característica do modelo agroecológico.
Por tudo isso, conclui o economista, a adoção da agroecologia e do desenvolvimento sustentável por parte da agricultura familiar é meritória, mas apenas como princípio. “Sempre que possível é recomendável a adoção de princípios agroecológicos, até porque faz todo o sentido reduzir os insumos químicos, promover a sinergia entre os elementos da natureza presentes na propriedade, aproveitar melhor os subprodutos e assim por diante”. Mas na prática, segundo ele, a agroecologia não é capaz de atender as necessidades atuais de ampliação da produção, cujo objetivo é suprir a crescente demanda por alimentos. “Num ou noutro caso, em que os agricultores familiares têm condição de cumprir as exigências que o segmento requer, penso que o modelo deve ser implantado e estimulado. Porém, de maneira mais geral, não vejo como a agricultura familiar possa dar conta do recado”.
Questionado se o seu posicionamento não tem merecido críticas por parte de alguns grupos, o professor da Unicamp admite que sim. “Mas isso faz parte do jogo. Não existiria o debate e a reflexão conseqüentes se não houvesse o contraditório. Minha pretensão jamais foi esgotar o assunto, mas sim contribuir para que a discussão em torno de um tema tão relevante avance para além das paixões e alcance também os que não são ‘iniciados’ no assunto”, pondera Buainain.
Os interessados podem baixar o livro, em versão PDF, por meio do seguinte endereço eletrônico: http://www.iicaforumdrs.org.br/index.php?saction=conteudo&id=980e349e80e189f32411c69ef9668ad9.