Em razão da comemoração dos 20 anos do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (Sappe) da Unicamp, apresentaremos um pouco de nossa trajetória e alguns dados referentes ao perfil dos alunos da Universidade que procuram atendimento neste Serviço.
Desde a década de 20, tem havido uma preocupação com a saúde mental de estudantes universitários, em diversas partes do mundo. Essa preocupação já se centrava na vulnerabilidade presente no período de ingresso e permanência na universidade, em função de uma série de variáveis que tornam essa fase da vida mais suscetível para o surgimento de sofrimento psíquico. Os principais fatores associados a essa vulnerabilidade são: faixa etária (transição da adolescência para a fase adulta e todos os conflitos inerentes a mudanças no papel social); distanciamento dos pais e de outros familiares, principalmente quando do ingresso em uma universidade longe do domicílio de origem; necessidade de construção de nova rede social; temor da não-aceitação no novo grupo e elevado nível de exigência acadêmica. A tais fatores somam-se os riscos relacionados à possibilidade de eclosão de transtornos mentais nessa faixa etária, e ao uso de drogas psicoativas.
O primeiro serviço destinado ao atendimento da população de alunos em uma universidade brasileira foi criado em 1957, na Faculdade de Medicina de Recife. Seguiram-se iniciativas semelhantes em outras universidades. A estruturação e a manutenção desses serviços esbarraram principalmente na definição de seu papel dentro de cada instituição, variando entre estruturas de apoio acadêmico com caráter psicopedagógico, estruturas com caráter preventivo e outras com forte ênfase na assistência clínica aos alunos. A estruturação desses serviços também lidava com a dificuldade de manutenção do compromisso ético de sigilo, em função de sua inserção institucional.
Desde a sua fundação, em 1987, o Sappe definiu as bases do seu funcionamento nos valores que permanecem regendo nossa prática, quais sejam: missão claramente focada na atenção clínica ao aluno; funcionamento com “portas abertas”, no sentido do acolhimento das demandas espontâneas dos estudantes, e confidencialidade com relação às informações referentes ao atendimento.
O Sappe iniciou suas atividades com uma equipe de três psicólogas, sendo vinculado, na época, ao Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas e ao SAE; atualmente está ligado à Pró-Reitora de Graduação. A crescente procura de atendimento demandou uma expansão na equipe fixa de atendimento, hoje composta por oito psicólogas, dois psiquiatras, uma psiquiatra coordenadora, três funcionárias administrativas e psicólogos que passam por treinamento em psicoterapia breve e pronto atendimento psicológico, através de cursos gratuitos de extensão. A partir de 2003, o Sappe passou a atender em sede própria, no centro do campus, em frente ao prédio do Ciclo Básico II.
O funcionamento foi sendo adaptado às necessidades da demanda, privilegiando a agilidade (plantão de pronto atendimento psicológico), a especificidade da indicação terapêutica (psicoterapia breve individual, grupal, relacional e acompanhamento psiquiátrico, quando necessário), a priorização do atendimento de casos de maior gravidade e/ou urgência e de alunos com poucos recursos de apoio sociais, econômicos e/ou familiares). A divulgação do Serviço para professores e alunos, a inserção institucional e o fortalecimento do contato com os recursos da Universidade têm sido objeto de grande investimento.
A taxa crescente de atendimentos (de 2.700 atendimentos em 1.995 para 10.811 em 2006) gerou a necessidade de melhor definição do perfil dos alunos que procuram o Serviço. Essa necessidade estimulou a produção de alguns artigos.
Serão apresentadas aqui algumas informações descritas em um desses artigos1, com o objetivo de permitir à comunidade universitária uma visão do perfil dos alunos atendidos. Nesse levantamento foram avaliados os prontuários de 2.914 alunos de graduação e de pós-graduação, que procuraram atendimento de março de 1987 a março de 2004. A idade média dos alunos foi de 23,3 anos (mediana 22), dos quais 59,6% eram mulheres. Alunos de graduação representaram 75,6% dos atendidos; 24,4% dos alunos eram procedentes de outros estados do Brasil. Aproximadamente 1/3 dos alunos dividia moradia com outros estudantes e 18,5% residiam na Moradia Estudantil.
As principais queixas que motivaram o atendimento foram: dificuldades no relacionamento interpessoal (31,4%), conflitos familiares (23,8%), preocupações com o futuro profissional (21,1%) e problemas no desempenho acadêmico (18,9%).
A possibilidade de melhor visualizar a população atendida nos tem permitido uma constante adequação às mudanças apresentadas pelos alunos da Universidade, que vêm acompanhadas de novas necessidades e demandas, estimulando-nos a um processo dinâmico de adaptação, otimização e aprimoramento da atenção à saúde mental dos alunos da Unicamp.
1 “Demographics and complaints of university students who sought help at a campus mental health service between 1987 and 2004” (Oliveira MLC, Dantas CR, Azevedo RCS e Banzato CEM, no prelo)