“O setor sucroalcooleiro no Brasil dificilmente conseguirá dar conta da futura demanda mundial sem que se façam pesados investimentos em C&T no país”. A avaliação é do engenheiro agrícola Luís Cortez, responsável pela Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) da Unicamp e docente da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). Cortez, um dos organizadores do workshop, acredita que o evento será uma grande oportunidade para que sejam firmadas parcerias entre o Brasil e o Japão. Na entrevista que segue, o especialista faz uma análise da área de biocombustíveis e do papel desempenhado pelos pesquisadores da Unicamp nesse contexto.
Jornal da Unicamp Qual o objetivo do V Workshop Internacional Brasil-Japão?
Luís Augusto Barbosa Cortez Estimular a cooperação Brasil-Japão no campo da energia e do meio ambiente. O Japão tem desenvolvido tecnologias que nos são importantes nesta área, seja em biocombustíveis (estudos sobre hidrólise), tratamento de efluentes e incineração de lixo, sendo hoje um dos países mais adiantados neste campo em todo o mundo. Para a Unicamp, trata-se de uma grande oportunidade para estabelecer parcerias.
JU Que avaliação o senhor faz dos projetos desenvolvidos no Japão no campo dos biocombustíveis?
Cortez O Japão está desenvolvendo muitos trabalhos em ciência básica e aplicada no campo dos biocombustíveis. Exemplo disso são os estudos sobre hidrólise supercrítica nos laboratórios do professor Shiro Saka, da Kyoto University, e também do Programa de Biomassa liderado pelo professor Yasuo Igarashi, da University of Tokyo. Ambos estão sempre presentes em nossos workshops.
Acreditamos também que o Japão, embora não tenha terras e outros recursos naturais como o Brasil, tem investido pesadamente nesta área e pode exercer um papel de liderança notadamente nos chamados combustíveis de segunda geração o etanol de fibras.
JU O setor sucroalcooleiro tem condições de dar conta do aumento da demanda? A concorrência externa pode fazer o país correr riscos?
Cortez O setor dificilmente conseguirá dar conta da futura demanda mundial sem que se façam pesados investimentos em C&T no país. Tanto no nível estadual, com a Fapesp, como no nível federal com Finep, BNDES e CNPq e no setor privado, a partir das empresas e da Petrobrás. É necessário que se faça um grande esforço como, por exemplo, a criação de um centro de referência em etanol que poderá ajudar o país a manter a liderança que hoje se encontra ameaçada.
JU Qual o perfil do setor atualmente no país?
Cortez O Brasil hoje produz cerca de 30 milhões de toneladas de açúcar e perto de 20 bilhões de litros de etanol. Este setor emprega direta e indiretamente perto de 1 milhão de pessoas e é o mais importante no agronegócio brasileiro.
JU Que avaliação o senhor faz das parcerias entre o Brasil e o Japão na área?
Cortez Essas parcerias são estratégicas para os dois países. Para o Japão, o Brasil é o país com maior potencial de produção e exportação de biocombustíveis no mundo. Para o Brasil, o Japão é um grande parceiro em C&T e também um grande parceiro no Oriente, podendo exercer um papel de grande importância econômica na região que mais cresce no mundo.
JU O workshop pode abrir portas para novos negócios e aproximar as empresas da academia?
Cortez Cremos que sim. Temos tentado reunir empresários, universidades e centros de pesquisa. Esperamos que os nossos workshops que se realizam alternadamente na Unicamp e na Gifu University estejam colaborando para concretizar essas parcerias.
JU Existe, na sua opinião, possibilidade de acordos bilaterais nessa área migrarem para outros campos?
Cortez Outras áreas devem ser de interesse: tratamento de água, efluentes líquidos (esgoto), e sólidos (lixo), áreas em que o Japão está muito na frente. Destacamos também a área de saúde na Unicamp (Gastrocentro e FCM) que já é grande parceira da Jica em programas de apoio a terceiros países. Destacamos neste sentido o trabalho de longo prazo desenvolvido pelo professor Ademar Yamanaka, diretor do Gastrocentro, que esteve conosco no ano passado no IV Workshop em Gifu, no Japão, renovando o interesse da Jica em projetos na área de saúde.
JU Novos produtos derivados da biomassa vêm ganhando um espaço cada vez maior na agenda mundial. Quais são as perspectivas do país na área?
Cortez A biomassa de cana-de-açúcar pode sim se converter numa base para obtenção de novos produtos, como plásticos de diversos tipos. Uma parte dos bioprodutos poderá surgir de biorrefinarias, novas indústrias que deverão aparecer aproveitando a biomassa disponível e produzindo produtos cada vez mais demandados pela cadeia produtiva e de consumo.
Novamente é importante que se ressalte a necessidade de o país investir pesadamente, financiando pesquisas e recursos humanos nesta área. Nenhum país tem o potencial do Brasil para produzir biomassa mas produzir a matéria-prima é apenas parte da necessidade. Precisa-se investir no desenvolvimento de novos processos de transformação em conhecimento.
JU Qual a importância do workshop nas discussões que vêm sendo feitas sobre desenvolvimento sustentável?
Cortez Muito importante. Há ainda muitas dúvidas, e de certa forma com razão, de como o etanol é produzido no país. Os indicadores médios atuais são bons, mas devem ser melhorados, sobretudo quando se pensa em expandir rapidamente a produção de cana e etanol no Brasil. Esperamos que os nossos convidados japoneses nos tragam projetos interessantes e que consigamos trabalhar juntos na solução destas questões.
JU Nesse âmbito, o protagonismo dos biocombustíveis fez com que surgissem críticas pontuais aos meios de produção do etanol, sobretudo na área do meio ambiente e da produção de alimentos. O que há de procedente, na sua opinião, nessas críticas?
Cortez Como foi dito, o modelo de produção atual não é perfeito. Tem que ser melhorado a fim de impactar minimamente o meio ambiente. Cremos que estamos na direção certa, mas novamente muita pesquisa é necessária para minimizar os impactos negativos e maximizar os benefícios. Neste V Workshop, organizado pelo professor Carlos Suzuki, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), trataremos destas questões e veremos de que maneira novas tecnologias podem ajudar a melhorar os indicadores de sustentabilidade na produção de biocombustíveis.
JU Que avaliação o senhor faz do papel da Unicamp no setor? Quais as linhas de pesquisa mais importantes que vêm sendo desenvolvidas na Universidade?
Cortez A Unicamp está muito bem-colocada para exercer um papel importante neste setor, seja no Estado de São Paulo ou no Brasil. No nível estadual, já trabalhamos ativamente com outras instituições paulistas num Projeto de Políticas Públicas em Etanol da Fapesp [mais informações sobre o projeto no endereço: www.apta.sp.gov.br/cana). No nível federal, destacamos os projetos desenvolvidos coordenados pelo professor Rogério Cerqueira Leite, do Nipe, que coordena a Rede de Bioetanol com projetos de desenvolvimento da tecnologia de hidrólise.
Também destacamos os trabalhos feitos na FEQ, FEA, FEM, Feagri, FEEC, IG, IQ, IF, IE, IB, Cepagri. Eles mostram que a Unicamp tem muitos trabalhos sendo desenvolvidos neste campo. Destacamos também o importante papel desenvolvido pela Inova, que tem ajudado na assinatura de contratos inclusive no nível internacional [confira nesta página a relação das linhas de pesquisa desenvolvidas na Unicamp].
JU O senhor acredita que a busca por fontes alternativas de energia pode incrementar os investimentos em P,D&I no país?
Cortez Pode, mas não é automático. Já propusemos ao governo federal a criação de um fundo setorial específico para biocombustíveis. Há a necessidade clara de se criar mecanismos que permitam às empresas do setor combinarem seus esforços de financiamento nesta área.
Neste sentido, a Fapesp deverá estar lançando dentro de algumas semanas um importante programa de pesquisas em etanol. Já foram assinadas parcerias com a Oxiteno, Dedini e a Brasken. O professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, está finalizando os entendimentos com outras empresas para lançar o programa. No nível federal cremos que dentro em breve teremos novidades neste setor. O governo federal, através do MCT, tem conduzido uma série de estudos com a Unicamp de como o Brasil pode manter a liderança no setor. Vale a pena esperar um pouco mais...
Voltar para página 6