Museus de zoologia têm como prioridade guardar coleções de animais coletados em seu ambiente natural, que são preparados e preservados para que permaneçam em condições ótimas por séculos. Assim, oferecem informações preciosas sobre a biodiversidade, contribuindo para o estudo de determinado ecossistema e das populações que o compõem.
O Museu de História Natural (MHN) Professor Adão José Cardoso, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, encontra-se em nova fase, com intuito de ser reconhecido como um museu dedicado a atividades de pesquisa, ensino e extensão. Concluídos os trâmites burocráticos para este reconhecimento, o nome será alterado para Museu de Zoologia, mantendo-se a homenagem a Adão José Cardoso.
A mudança se justifica porque o MHN, desde sua criação em 1992, tem abrigado essencialmente coleções zoológicas. “Vamos trabalhar para transformá-lo em um museu dinâmico e científico, que deverá funcionar em diferentes áreas da zoologia”, afirma a professora Antonia Cecília Zacagnini Amaral, que assumiu a coordenação do Museu recentemente.
Como tantos do gênero, o acervo do MHN foi constituído a partir de espécimes que os pesquisadores coletavam para desenvolver trabalhos de cunho ecológico e taxonômico, e que ficavam guardados em seus laboratórios. “Era preciso que essas coleções fossem depositadas em condições ideais, garantindo sua perpetuação para estudos científicos”, observa Cecília Amaral.
A coordenadora explica que as coleções constituem o acervo básico a partir do qual a diversidade animal é reconhecida e localizada. “Cada uma delas é única e irreproduzível. Elas pertencem ao patrimônio público e, por isso, sua manutenção deve ser considerada como fundamental pela comunidade zoológica”.
Hoje, o acervo é composto por coleções científicas, didáticas e de empréstimo. As coleções científicas reúnem quase 30 mil exemplares de vertebrados peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos e 59 mil exemplares de invertebrados a maior parte de insetos e especialmente de borboletas (veja quadros). Produtos da atividade animal, como ninhos e pegadas, também integram o acervo.
As coleções didáticas contêm material biológico de diversas procedências e servem como fonte de consulta para os estudantes de graduação e pós-graduação e estagiários. São quase 9 mil exemplares de insetos e de dezenas de vertebrados preservados em meio úmido (álcool ou formol) ou por taxidermia (“empalhados”). Muitos foram preparados em montagens artísticas.
Cecília Amaral informa que está sendo organizado um banco de dados on-line com a relação das espécies, informações sobre os ambientes e habitat, além das coordenadas geográficas de onde foram encontradas. Na seqüência serão acrescentadas descrições e fotos de cada espécie. “Ainda assim, o ideal é que o pesquisador compare a espécie que está sendo identificada com o material-tipo depositado em museus”.
Na opinião de professora, os museus e suas coleções zoológicas são importantes por oferecer uma amostra da biodiversidade existente no mundo. “A coleta, descrição e preservação de exemplares tornam-se fundamentais, por exemplo, em hábitat próximos de centros urbanos ou na zona litorânea. Esses ambientes estão sendo descaracterizados e já possuem espécies ameaçadas de extinção e até mesmo extintas”.
Depositário O Museu de História Natural ocupa a metade de um prédio de três pisos do Instituto de Biologia, com uma área total de 552 m2. No térreo ficam as coleções preservadas em meio úmido, como de invertebrados terrestres, de água doce e do mar. Os frascos de variados tamanhos guardam invertebrados de pequeno porte (muitos deles quase invisíveis), até vertebrados comopeixes, sapos, cobras e outros maiores.
No último piso estão os animais em via seca, invertebrados e vertebrados, muitos taxidermizados. Da maioria dos vertebrados guarda-se somente a pele e poucos são montados de forma artística. Na sala mais ampla encontram-se fileiras de armários com finas gavetas de tampo de vidro. Elas guardam as coloridas borboletas e mariposas.
Parte deste acervo de lepidópteras é resultado de pesquisas do projeto temático Biota/Fapesp. Outra parte pertence ao professor Keith Spalding Brown Jr., que já se aposentou, mas não abriu mão de cuidar da riquíssima coleção. São dezenas de milhares de borboletas coletadas principalmente na região neotropical, em todos os cantos do Brasil e das Américas.
O professor André Victor Lucci Freitas, coordenador associado do MHN que aprendeu os segredos desses insetos com o professor Brown, explica que os armários da parte anterior da sala guardam exemplares com 40 e até 50 anos. No fundo vem sendo preparado o material coletado principalmente no Estado de São Paulo a partir do ano 2000, dentro do projeto Biota/Fapesp.
A equipe em tempo integral é pequena para trabalho tão minucioso e demorado. “Só agora conseguimos dois estagiários graduados para separar esta coleção em diferentes grupos taxonômicos”, diz André Freitas. “Por vezes, a identificação exige a preparação de partes dos animais em lâminas para análise em lupa”, acrescenta Cecília.
Formam a equipe do MHN os biólogos Artur Furegatti e Elisabeth Bilo, a secretária Fátima Maria de Souza e a técnica de laboratório Marli Aparecida Gomes. Como pesquisadores colaboradores, os professores Keith Brown e Ivan Sazima, além de duas pós-doutorandas e três estagiários de iniciação científica (bolsistas Fapesp, CNPq e Petrobras).
Apesar da reconhecida qualidade, o acervo do MHN é modesto se comparado aos do secular Museu de Zoologia da USP, do Museu Nacional do Rio de Janeiro ou do Museu Paraense Emílio Goeldi. No entanto, Cecília Amaral quer viabilizar um crescimento rápido, com reforço de novos taxonomistas e ampliação do espaço, recebendo o apoio da atual diretoria do IB. “Estamos providenciando o registro junto ao Ibama, que também vai dar a devida confiabilidade para que outros pesquisadores depositem aqui suas coleções”.
Busca no mar Com toda a sua formação ancorada na oceanografia biológica, Cecília Amaral percebeu de imediato a necessidade de incrementar a coleção de invertebrados marinhos no MHN, decidindo iniciar a ampliação do acervo por esta área. Para isso, tem a sorte de contar com Michela Borges, especialista em serpentes-do-mar (parentes das estrelas-do-mar), que iniciou seu trabalho há dois meses com bolsa de pós-doutorado concedida pela Petrobras.
Novas espécies não vão faltar. No início de 2003, então na coordenação de um projeto temático do Biota/Fapesp sobre o litoral paulista, a professora do IB anunciava ao Jornal da Unicamp a identificação de 52 novas espécies da fauna bentônica denominação relativa a moluscos, crustáceos e minhocas-do-mar que vivem associados aos fundos arenosos e rochosos.
“Quando um jornal anuncia a descoberta de uma ou mais espécies em qualquer parte do mundo, o leitor fica admirado. Na área marinha, se contássemos com o número necessário de taxonomistas (que são poucos), poderíamos descrever uma nova espécie todos os dias”, assegura a coordenadora do MHN.
Para isso, nem é preciso ir a grandes profundidades. Durante o Biota, o grupo de Cecília Amaral descobriu um molusco (animal de concha) dos grandes, na praia central de Caraguatatuba, em meio ao movimento dos barcos pesqueiros.
“Quando nos reportamos aos invertebrados de tamanho quase invisível, a meiofauna, esse ineditismo é expresso não só em nível de espécies como também de gêneros, fato raro em algumas partes do mundo”, diz Cecília Amaral. Ela ressalta que, nesse sentido, o programa Biota/Fapesp trouxe o incremento do acervo do MHN, como de invertebrados, sobretudo insetos e fauna bentônica marinha.
Visitas abertas começam em março
O piso intermediário do Museu de História Natural já ganhou um novo aspecto. Ali, alunos da rede de ensino e leigos da comunidade externa poderão manusear e observar exemplares de animais macroscopicamente (a olho nu) e com auxílio de equipamento ótico. No espaço, que comporta cerca de trinta pessoas, também serão expostos animais vivos. As visitações deverão ser abertas em março do próximo ano.
“É uma idéia que eu amadureci ao visitar alguns museus no exterior. Ela foge das vitrines tradicionais, que impedem o contato do visitante com os objetos expostos. Estamos construindo um ambiente propício para a interação com o público”, afirma a professora Cecília Amaral.
As atividades de extensão serão conduzidas por alunos da graduação e da Alphabio, empresa júnior do Instituto de Biologia. A Alphabio desenvolve projetos ligados a diversas áreas da biologia a fim de capacitar seus membros para o mercado de trabalho, mas também se ocupa com ações sociais e educacionais.
“Os visitantes conhecerão principalmente as características de animais do nosso cotidiano, desde os peçonhentos até a formiguinha que invade o açucareiro. Para o sucesso desse trabalho contaremos também com o apoio de pesquisadores do Departamento de Zoologia e de diferentes unidades da Unicamp”, adianta Cecília Amaral.