| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 378 - 29 de outubro a 4 de novembro de 2007
Leia nesta edição
Capa
Opinião
Lançamento
Motriz
Brasil-China
Basquete
Expansão urbana
Escrita de crianças
Sistema computacional
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Unicamp na mídia
Destaques do Portal
Biomineralização
Jorge Coli desvenda Courbet
 


7

A China vê o Brasil

ÁLVARO KASSAB

"O reitor da SWUFE, Wang Yuguo, fala de sua expectativa acerca do acordo a ser assinado com a Unicamp no próximo dia 29. Wang acredita que o Brasil está entrando na rota do crescimento, revela que o sistema de ensino superior chinês deve passar por uma reforma e analisa o crescimento de seu país – e os problemas dele decorrentes – e a conjuntura econômica internacional. “Todos esses problemas são sempre discutidos nos círculos governamentais e acadêmicos”.

Jornal da Unicamp – Quais são suas expectativas quanto ao acordo de cooperação técnico-científica a ser firmado entre a SWUFE e a Unicamp?

Wang Yuguo – A Unicamp é uma prestigiosa universidade brasileira, com muitos professores talentosos e grandes programas de pós-graduação. A SWUFE é uma das universidades-chave da China na área de economia e administração. Acredito que dividimos os mesmos objetivos e expectativas. Os professores e alunos da SWUFE têm enorme entusiasmo e interesse na educação superior da América Latina. A cooperação entre a SWUFE e a Unicamp é a primeira que nós teremos com o Brasil. Damos muita importância ao intercâmbio e ao desenvolvimento da amizade entre nossas universidades, o que irá estimular a internacionalização de ambas.

JU – A SWUFE tem alguma linha de pesquisa focada no Brasil ou na América Latina? Vocês têm planos de fazer essa discussão no futuro?

Wang – Assim como os pesquisadores da economia chinesa, os professores da SWUFE têm prestado muita atenção à economia global e às pesquisas comparativas entre países. Nossos professores têm muito interesse no crescimento econômico em países em desenvolvimento e, com especial relevo, o crescimento recente da América Latina.

Muito poucos professores têm feito pesquisas sistemáticas e publicado sobre o assunto. Entretanto, as pesquisas não são tão delineadas e suficientes a este respeito. Dessa forma, eu acredito que nossa visita à Unicamp aprofundará o entendimento sobre a América Latina e o Brasil. Tenho certeza que nossa visita atrairá mais professores e estudantes de pós-graduação ao tema. Também espero que os estudantes e colegas da Unicamp nos ajudem nessas discussões através da cooperação e do intercâmbio com nossos professores e estudantes.

JU – Sua instituição foi administrada pelo Banco do Povo da China no passado e hoje está subordinada ao Ministério da Educação. O que o senhor pode dizer sobre a relação entre o Estado e a academia?

Wang – A administração da educação experimentou um processo de evolução na China. Com a Revolução Comunista, as universidades se tornaram parte dos respectivos ministérios do governo central. Por 20 anos, a SWUFE estava sob a jurisdição do Banco do Povo da China, que é o Banco Central. Como parte de um processo de integração da educação superior realizado a partir de 2000, a SWUFE foi transferida para a supervisão do Ministério da Educação como uma universidade-chave.

Com relação às ligações entre o Estado e a academia, o que posso dizer é que as instituições de educação superior têm sua própria lógica e status independente. Esta lógica e status devem ser respeitados e seguidos por qualquer administração estatal. Historicamente falando, as universidades administradas pelos respectivos ministérios e departamentos têm as suas vantagens, que são o apoio financeiro, o foco em certas disciplinas e o treinamento de profissionais de alto nível, assim como a colocação dos estudantes.

Entretanto, distorções são óbvias. Por exemplo, influenciadas pela demanda de seus departamentos, professores e estudantes vez por outra ficam com uma visão restrita de mundo, o que é muito ruim para o desenvolvimento de ambos. Dessa forma, nós devemos reformar este sistema de gerenciamento. E as universidades chinesas estão acumulando e organizando as suas experiências com o objetivo de realizar uma posterior reforma no gerenciamento da educação superior.

JU – Que avaliação o senhor faz do atual estágio da economia mundial?

Wang – Antes de tudo, a globalização está se desenvolvendo e se aprofundando. Com seus resultados econômicos e sociais desiguais, a globalização se tornou uma tendência do desenvolvimento mundial. Ela traz muito mais benefícios aos países desenvolvidos que aos países em desenvolvimento. Por outro lado, a integração das economias regionais está aparecendo. Tornou-se lugar-comum a idéia de que as economias precisam se juntar para melhorar suas condições econômicas e sociais. A concentração de poder e a unipolaridade ainda são ameaças à ordem mundial. É uma tarefa muito árdua a construção de um sistema internacional mais justo, seguro e mais harmonioso.

Outro ponto a ser destacado é que a economia mundial está crescendo a uma velocidade alta. O Leste Asiático continua a liderar o crescimento global a taxas crescentes, atualmente em 7,6%. A economia chinesa está crescendo a taxas acima de 10% ao ano. O mercado acionário chinês está exuberante. O renminbi (moeda chinesa) está se valorizando.

Ressalto também o desequilíbrio econômico global que , refletido pelos déficits públicos e comerciais dos EUA e os superávits de conta corrente e de capital chineses e de outros países do Leste Asiático, se tornou um problema significativo para um desenvolvimento mais equânime da economia mundial.

Por fim destaco o fato de os preços do petróleo serem mantidos em níveis elevados nos mercado internacionais e as hipotecas do sub-prime dos EUA terem elevado a turbulência nos mercados financeiros mundiais. As negociações multilaterais de livre comércio estagnaram. As fricções no comércio internacional, ao mesmo tempo, se intensificaram. Estas são as características da economia mundial nas quais acho que devemos prestar mais atenção.

JU – Neste contexto econômico, alguns especialistas dizem que a China se tornará uma nova superpotência. Como o senhor vê as possibilidades da China numa nova ordem internacional?

Wang – Mantendo o ritmo de crescimento e o seu padrão, é muito provável que a China se torne um país muito influente num futuro próximo. Entretanto, a China não pretende ser uma potência única nem hegemônica. Mas sua influência e contribuição na comunidade internacional serão cada vez maiores. Como um país socialista emergente e em desenvolvimento, estamos construindo uma nação harmoniosa e, para isso, a China deve lutar e ter papel de relevo na construção de um mundo harmonioso também.

JU – A China tem um crescimento econômico impressionante nos últimos 30 anos. Como o país consegue articular uma economia de mercado com uma forte presença estatal?

Wang – É fato que poucos países puderam manter tal taxa de crescimento econômico, ainda mais quando tiveram de enfrentar os grandes desafios de transformação da economia e da sociedade. A razão do nosso sucesso é que conseguimos lidar de maneira apropriada com as relações entre o Estado e o mercado. O mercado tem papel fundamental na alocação de recursos, quando o controle macroeconômico do governo se aplica sobre as empresas através do mercado. Os dois tipos de alocação de recursos são possíveis de coexistir, no que se refere aos processos de decisão, de investimento, desde que assumam as responsabilidades pelos lucros e prejuízos. Nós damos grande importância ao restabelecimento da parte micro.

De um lado, nós rejuvenescemos as companhias estatais ao garantir a elas a principal parte do mercado com poder de operação independente, com a responsabilidade sobre os lucros e perdas. De outro lado, fizemos leis e políticas para proteger, encorajar, apoiar e orientar as empresas não-estatais. Ao mesmo tempo, afirmativamente empurramos as empresas médias na direção de um desenvolvimento firme.

Fizemos grandes esforços para transformar as funções do Estado, padronizando os controles macroeconômicos e tornando-os mais científicos. Definindo mais claramente as funções, o governo gradualmente saiu de áreas competitivas e orientadas pelo lucro. Ao continuamente estimular a organização do mercado, aperfeiçoando vários sistemas mercantis e fábricas, dragando os canais de mercado, nós ativamente desenvolvemos o mercado.

À exceção de uns poucos produtos que ainda são centrais à economia nacional, deixamos que o mercado decida o preço da maioria das mercadorias. O governo chinês ganhou grande apoio político da população, o que permitiu que utilizássemos os instrumentos jurídicos, econômicos e administrativos para resolver adequadamente os problemas resultantes do desenvolvimento econômico, mantendo a estabilidade da sociedade e criando um bom ambiente para o mercado atuar na alocação de recursos.

Ao mesmo tempo, há alguns problemas como o contínuo aumento da desigualdade de renda, a fraqueza da agroindústria e a distância crescente entre o campo e as cidades. Isso continuará a ser ponto importante a ser estudado e resolvido, sempre lembrando que as relações entre o mercado e o Estado podem ajudar o desenvolvimento econômico e social.

JU – Sinólogos apontam, como o senhor já disse, que o crescimento econômico revela contradições como o avanço desigual entre as áreas rurais e urbanas, a desigualdade crescente e os problemas ambientais. Como o senhor analisa isso? Qual é o pior problema que o senhor vê neste rápido crescimento econômico? E qual o maior avanço obtido?

Wang – De 1979 a 2007, a economia chinesa cresceu a uma taxa anual de 9,6%. Mudanças profundas ocorreram, testemunhadas por todo o mundo. Entretanto, pagamos caro em termos de meio ambiente. Ainda há também uma série de problemas relacionados aos benefícios imediatos à população. Há um sobreconsumo dos recursos, insuficiência de retorno para investimentos, elevada poluição, desigualdade no desenvolvimento urbano e rural e assimetrias no desenvolvimento regional e social. Além disso, temos muitas pendências no que se refere ao emprego, previdência social, distribuição de renda, educação, saúde, habitação, produção segura, administração da justiça e segurança pública.

As pessoas afligidas pela pobreza levam uma vida difícil. Todos esses problemas são sempre discutidos nos círculos governamentais e acadêmicos. Atualmente, guiada pelo desenvolvimento científico, a China está transformando os modelos de crescimento econômico e fazendo grandes esforços para resolver estes problemas.

Já no que se refere ao grande avanço chinês possibilitado pelo crescimento é, sem sombra de dúvida, a grande melhoria que o povo chinês obteve na vida material e cultural. O bem-estar social tem se realizado como um todo. A confiança do povo e o rítmo das reformas e da abertura têm sido muito fortalecidos. O socialismo com feições chinesas tem se tornado a cada dia mais forte. Nós pensamos que este é o grande avanço feito nos últimos trinta anos desde o início das reformas e da abertura.

JU – Enquanto a China e boa parte da Ásia crescem incrivelmente, alguns países como o Brasil permanecem estagnados. Como o senhor vê esta assimetria?

Wang – A assimetria no desenvolvimento econômico é um problema muito complicado. É difícil tratá-lo de maneira breve. Entretanto, analisando as razões, vemos que os países em desenvolvimento devem primeiro insistir em um desenvolvimento balanceado entre a economia e a sociedade. Desenvolvimento econômico e reformas não podem ser feitos sem justiça social. Devemos buscar o equilíbrio entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social.

Precisamos dar grande importância às condições de vida do povo e à harmonia social, dando prioridade ao crescimento econômico. Na China, temos algumas lições a respeito de o desenvolvimento do bem-estar social ter ficado para trás do desenvolvimento econômico. A China persiste e deseja manter um sistema econômico onde a propriedade pública é sua principal parte, mas permitindo outras formas de propriedade ao lado. O governo apóia o desenvolvimento de formas não-públicas de propriedade, dando ênfase ao desenvolvimento de formas mistas com base na moderna propriedade privada. Este tem se provado um sistema adequado à situação chinesa, dada a aceleração do crescimento ocorrida. Outro ponto é que o país deve ter comando sobre o processo de urbanização, que deve ser movida pela industrialização. Se a agricultura e o campo são negligenciados, os camponeses inundarão as cidades, causando uma urbanização passiva e excessiva e tornando a industrialização mais difícil. Por fim um país deve estabelecer cientificamente um plano e uma estratégia de desenvolvimento e longo prazo. A China tem construído uma economia socialista de mercado. O governo tem grande força na regulação macro e no controle da economia, sempre atento às flutuações e anormalidades do desenvolvimento econômico.

Em particular, o governo impõe um conceito de perspectiva científica ao desenvolvimento para guiar a economia e a sociedade no longo prazo. Mas nossa experiência é muito específica, assim como a dos outros países asiáticos, e não pode ser aplicada em outros lugares diretamente.

Em relação ao Brasil, estamos contentes que o país tenha encontrado um pouco mais o seu rumo. A sua posição financeira é estável e os influxos de capital cresceram. A renda nacional voltou a crescer e o emprego tem melhorado.

JU – Nesse sentido, o Seminário Internacional será uma grande oportunidade para o estudo comparativo entre Brasil e China. Como o senhor vê a importância desse tipo de análise?

Wang – O seminário estabelece uma plataforma para a pesquisa comparativa entre Brasil e China. Pessoalmente, acho que há ao menos as seguintes vantagens. Primeiro, ele oferece a oportunidade de aprofundar a pesquisa sobre problemas comuns a ambos os países. Por exemplo, podemos pesquisar os impactos econômicos provocados por certas variáveis baseados em contextos econômicos comparáveis. Segundo, como os diferentes sistemas econômicos influenciam o crescimento econômico. Terceiro, o seminário vai estimular o intercâmbio e dar oportunidade para o aprendizado mútuo, o que enriquecerá nossas academias. Mas o mais importante é que o seminário vai fazer fortalecer ainda mais a amizade entre nossos dois países.

Tradução de Daví Nardy Antunes


Voltar para página 5

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2007 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP